domingo, 25 de abril de 2021

Carlos Rydlewski – Uma avenida sem nome

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Com dois polos bem definidos, tanto à esquerda, com Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como à direita, com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), quais as chances de sucesso de uma candidatura de centro nas eleições presidenciais de 2022? Esta, observam os analistas do ramo, é a pergunta de US$ 1 milhão da política nacional na atualidade. Pois algumas pistas para dirimir tal dúvida estão presentes em uma pesquisa realizada pelo Instituto Travessia, de São Paulo, com exclusividade para o Valor.

A enquete constatou que, sim, em tese, há espaço para um nome de centro na disputa. Por dois motivos: a grande massa de eleitores que ainda não definiu seu voto e, paralelamente, a alta rejeição a Bolsonaro e Lula. Hoje, aponta a sondagem, a lista dos mais cotados é encabeçada pelo ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça Sergio Moro, seguido por Ciro Gomes (PDT), o ex-governador do Ceará.

A relação inclui ainda o apresentador e empresário Luciano Huck, o governador paulista João Doria (PSDB), o deputado federal e ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), além de João Amoêdo, o fundador do partido Novo, e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS). Aqui começam os problemas. “O centro é um espaço fragmentado, no qual nenhum nome se destaca de maneira especial”, diz Renato Dorgan Filho, analista e sócio do Travessia. “Acrescente-se mais um fato: ele é antagônico demais.”

A pesquisa teve abrangência nacional e foi feita com 1,2 mil entrevistas por telefone, em 1º e 2 de abril. Na primeira rodada, os entrevistados apontaram em quem votariam para presidente caso as eleições fossem hoje. Não lhes foi apresentado nenhum nome. Na opinião dos especialistas, o resultado desse tipo de abordagem traz à tona quantos votos firmes a pessoa indicada tem de fato neste momento.

Bolsonaro ocupou a dianteira, com 23% das intenções, seguido de perto por Lula, com 21%. Um empate técnico, pois a margem de erro é de três pontos percentuais para cima ou para baixo. Juntos, os outros somaram 14% das menções. Moro comandou esse bloco, com 6%. Depois dele, veio Ciro Gomes, com 2%, além de Huck, Doria e Amoêdo, cada um com 1%.

Em um terceiro pelotão, foram citadas 11 pessoas: Mandetta, Marina Silva (Rede), Fernando Haddad (PT-SP), Guilherme Boulos (PSOL-SP), os governadores Flávio Dino (PCdoB-MA), Eduardo Leite (PSDB-RS) e Romeu Zema (Novo-MG), Cabo Daciolo (Patriota-RJ), o ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa, além de Ratinho e Silvio Santos. Nenhum teve nem 1% das preferências. “Na verdade, abaixo de Moro, o que temos é um imenso empate técnico com uma presença muito baixa de cada participante”, diz Bruno Soller, responsável técnico pela pesquisa e sócio do Travessia.

Em uma segunda fase, a enquete foi “estimulada”, com uma lista previamente definida. A relação incluía Bolsonaro e Lula, além de outros dez nomes que ocupam o centro do espectro ideológico nacional - ainda que, aqui, a definição de “centro” tenha incorporado inclinações mais intensas à esquerda ou à direita, com os principais nomes que têm sido cogitados para a disputa da Presidência em 2022. Nesse caso, Lula e Bolsonaro voltaram a manter tanto a dianteira como o empate, mas com idênticos 28% para cada um.

No restante, a ordem da fila da “estimulada” foi parecida com a da “espontânea”. Ela trouxe Moro (10%), Ciro (8%), Huck (5%), Doria e Rodrigo Maia (3%), Amoêdo e Mandetta (2%). Eles foram seguidos pela empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza, pelo tucano Leite e pelo prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD). “Esses três últimos obtiveram apenas 1% das indicações”, diz Dorgan Filho. “São desconhecidos das massas.”

No mais, a sequência principal manteve-se em uma terceira rodada, da qual participaram somente os integrantes do centro expandido. O resultado: Moro (19%), Ciro (13%), Huck (11%), Maia (6%), Doria (5%), Amoêdo e Mandetta (4%). “Isso mostra consistência na organização da fila”, diz o analista.

E o que se extrai disso tudo? Em primeiro lugar, indicam os especialistas, o gatilho da polarização está desde já acionado - e se fortalece -, com Bolsonaro e Lula em posições sólidas, algo evidente quer nas respostas abertas, quer nas estimuladas. Por outro lado, os dois são rechaçados por contingentes expressivos de brasileiros. Hoje, 45% dos eleitores rejeitam o atual presidente da República e 42%, o líder petista. Em tese, esse é um ponto que pode pesar a favor do centro.

Na versão espontânea, os eleitores que não aderiram nem a Lula nem a Bolsonaro e escolheram as opções “nenhum” (17%) e “não sabe” (25%) somaram 42% do total. Além do mais, observam os técnicos, na variante estimulada, 35% aderiram a nomes do centro. “Esse é um número considerável e poderia colocar qualquer candidato direto no segundo turno”, diz o cientista político Carlos Melo, da escola de negócios Insper, em São Paulo. “Mas as coisas não são tão simples.”

É aqui que entram as histórias do “centro antagônico” e da “fragmentação”, já mencionadas por Dorgan Filho, do Travessia. “Tudo se resume à seguinte questão: é muito difícil que somente uma pessoa consiga atrair a maior parte dos votos que hoje estão dispersos por esse amplo leque político chamado de centro”, afirma Melo, do Insper. “Mesmo porque não é nada fácil unir o eleitor de Moro ao de Ciro, assim como é bastante difícil conectar o de Ciro ao de Doria. Isso para não dizer impossível.” A conclusão: “Muitas pessoas dizem que existe uma grande avenida para o centro transitar no Brasil. Isso é verdade. O complicado é dar um nome a essa avenida”.

Melo lembra que, em 1998, o economista Delfim Netto saiu-se com uma tirada semelhante ao analisar a situação eleitoral do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). À época, o governo federal havia enfrentado uma sucessão de crises globais detonadas em países emergentes (no México, em 1994; na Ásia, em 1997; e na Rússia, em 1998), cujo saldo negativo para a economia nacional foi imenso. “Na ocasião, Delfim disse que, dadas as condições do período, até um poste venceria uma eleição contra FHC”, narra o professor do Insper. “Mas havia um problema: dar nome ao poste.” E ele não apareceu.

A pesquisa do Travessia traz indícios do tamanho dos antagonismos no centro a partir da análise da tendência do segundo voto dos entrevistados. Ainda que a base de eleitores desses candidatos represente uma pequena parcela da amostra (cada um tem poucas indicações na prática), e com isso a margem de erro aumente, o levantamento indica que os eleitores de Moro, caso o ex-ministro não esteja no pleito, tendem a votar em Mandetta, Amoêdo e Bolsonaro. Nessa ordem. Não optariam por Ciro, que, nesse caso, estaria entre as últimas opções dessas pessoas.

Em contrapartida, aqueles que declaram voto em Ciro preferem Lula, Mandetta e Huck. Esses, por sua vez, torcem o nariz para Moro. Isso da mesma forma que os adeptos de Amoêdo não votariam em Ciro, mas em Bolsonaro. “O fato é que os eleitores de cada um são politicamente distantes”, diz Dorgan Filho. “Hoje, em geral, não há muita conversa entre eles.”

O cientista político Antonio Lavareda também bate na tecla da divisão ao analisar a enquete. “A fragmentação fica evidente no resultado da pesquisa espontânea, em que ninguém além de Bolsonaro e Lula consegue se destacar de maneira minimamente expressiva. O centro não tem um candidato natural. Essa é a grande constatação da pesquisa.”

Lavareda observa que esse vácuo central não é uma característica exclusiva da política brasileira. Na França, dá-se o mesmo. Algo similar ocorre nos Estados Unidos. “É por isso que nesses lugares existe o mecanismo das primárias”, observa. “Elas são um instrumento que serve para unir forças dispersas em torno de um só candidato. Biden era muito fraco no início do processo eleitoral, mas ganhou força com a consolidação de seu nome. Os franceses adotaram esse sistema, as primárias, desde 2016, para indicar o candidato de centro. Aqui, não deveria ser diferente.”

Lavareda diz acreditar que os postulantes ao Planalto que giram em torno do centro, ainda que expandido, deveriam deixar as “conversas de bastidores”, como tem ocorrido nos últimos meses, e se “expor à luz solar”. “É preciso provocar o debate, mostrar as diferenças de ideias para fazer uma espécie de primárias desde já”, afirma. “Isso para que os eleitores conheçam os nomes que estão no jogo e definam quais têm as melhores condições de disputar o cargo. Se essa distinção demorar muito para ocorrer, pode ser tarde demais.”

A definição de uma chapa de centro, algo desde já cogitado por analistas e políticos, acrescenta Lavareda, é outro ponto-chave do desafio desses candidatos. Isso porque ela exige uma engenharia sutil. “O tíquete presidencial é uma moto”, afirma. “Nele, só cabem duas pessoas, e chegar a essa síntese é um imenso desafio de coordenação.”

Para Lavareda, a centro-direita vem ganhando força nos últimos pleitos, e isso não pode ser desconsiderado para 2022. “Nas eleições municipais de 2020, em comparação a 2016, vimos a participação da esquerda no total de votos cair de 25% para 20%. O apoio ao centro diminuiu de 36% para 25%. Já a direita avançou de 39% para 55%, em um salto de 16 pontos percentuais.” O problema é que 2022 pode não ser 2020. “Ninguém garante que esse movimento será mantido, ao menos com essa intensidade, principalmente depois de tantas turbulências provocadas pela pandemia”, diz Dorgan Filho.

Composição à parte, a pesquisa analisou os pontos fortes e fracos de cada nome arrolado nesse centro, por meio da avaliação de cinco atributos pessoais dos integrantes da lista. Os eleitores escolheram quais deles se destacavam em temas como simpatia, inteligência, capacidade de trabalho, honestidade, além da qualificação para solucionar problemas nas áreas da saúde, educação, geração de emprego e combate à corrupção.

Huck foi considerado o mais simpático, com 23% das escolhas. Mandetta alcançou 21%, estabelecendo o que analistas consideraram um surpreendente empate técnico com Huck. Afinal, o primeiro colocado é um comunicador profissional e o segundo, um ex-ministro da Saúde. Bem mais abaixo vieram Moro (13%), Ciro (9%), Doria e Kalil (4%).

Mandetta foi definido como o “mais trabalhador”. Mas houve um empate técnico. O ex-deputado federal do DEM-MS amealhou 12%. Doria e Moro obtiveram 11% cada um. Huck conquistou 10% e Ciro, 6%. Contudo, o grande destaque ficou para a opção “ninguém”, escolha de 23% dos entrevistados. Outros 9% não souberam responder à pergunta.

Ciro foi indicado como o “mais inteligente”, com 24% dos votos. O segundo, Doria, veio bem abaixo, com 14%. Moro empatou tecnicamente com o governador paulista, com 13%. O ex-governador do Ceará também foi considerado o mais preparado para “resolver o problema da educação” no Brasil, com 19%. Nesse caso, foi seguido por Huck (17%) e, bem atrás, por Moro (8%). “O ‘mais inteligente’ e o ‘mais preparado’ para enfrentar as dificuldades da educação são temas que possuem alguma afinidade”, diz Dorgan Filho. “Daí, a lógica da seleção da mesma pessoa.”

Ciro teve ainda algum destaque na pergunta sobre quem é o “mais preparado para gerar emprego e renda”. Ele somou 11% dos votos, mas ficou embolado com outros cinco nomes: Doria (9%), Amoêdo (8%), Moro (7%) e Rodrigo Maia (7%). O detalhe é que nessa questão todos perdem feio para a opção “nenhum”, com 15%, e “não sabe”, com 23%. Para solucionar os entraves na área de saúde, Mandetta foi escolhido como o mais qualificado, com 28%. Doria ficou em segundo lugar, com 18%. Para os analistas, nada mais previsível, uma vez que ambos estão associados ao combate à pandemia. Nesse tema, “nenhum” teve 20%.

Na avaliação dos atributos pessoais, Moro obteve vantagem expressiva em dois aspectos: “honestidade” e “combate à corrupção”. Entre os entrevistados, 31% o escolheram como o mais honesto. Três integrantes da lista ficaram empatados em segundo lugar, bem atrás: Mandetta e Amoêdo, com 9%, e Ciro, com 8%. Outra vez a opção “nenhum” foi às alturas (21%). Moro liderou também as respostas sobre o “mais preparado para combater a corrupção”. Aqui, sua vantagem foi ainda maior. Teve 39%, sendo que o segundo lugar ficou com Amoêdo, com apenas 8%. “Nenhum” reuniu 30%.

O Instituto Travessia examinou as prioridades dos eleitores para 2022. Houve empate técnico entre três: saúde obteve 21% das preferências, o combate à corrupção e a geração de emprego e renda ficaram com 20% cada um. A educação veio a seguir, com 16%, tecnicamente empatada com segurança pública (13%). Por último, os entrevistados apontaram a assistência social, com 8%.

O cruzamento dos dados sobre as prioridades com as características atribuídas aos candidatos, dizem os técnicos, permite um exercício interessante: identificar quais têm maior afinidade com a agenda da população. Por exemplo: sendo a saúde um tema de alta relevância, Mandetta e Doria ganham algum realce, ainda que não tenham um bom desempenho na pesquisa em geral. A temática da geração de emprego e renda favorece Ciro, mesmo que ele não consiga uma grande margem de vantagem sobre os demais. Já Moro nada de braçada quando a pauta inclui assuntos como honestidade, combate à corrupção e, em menor grau, a capacidade para lidar com o problema da segurança pública.

Para especialistas, tais assuntos devem estar em alta até outubro de 2022. “A saúde sempre foi um tema fundamental para a população e, com a pandemia, se tornou onipresente nos 5.570 municípios brasileiros”, diz Lavareda. O mesmo ocorre com geração de renda e emprego. Ainda que a crise econômica seja amenizada até lá, o problema tem fundo estrutural, com as modificações no mercado de trabalho a partir do avanço das tecnologias de digitalização e a piora do sistema educacional. Diz Lavareda: “É possível que a produtividade do trabalho caia após a pandemia, com esses dois anos perdidos da educação pública no Brasil”.

Na opinião de José Álvaro Moisés, professor do Departamento de Ciência Política da USP, o destaque dado pelos eleitores ao tópico corrupção tem um significado especial no atual contexto. “Esse é um indicador importante para eventuais candidaturas de centro”, ressalta. “Elas vão ter de abordar o tema com ênfase e clareza que ele merece, ao contrário do que os candidatos fizeram em 2018, quando simplesmente deixaram o tema nas mãos do atual presidente Jair Bolsonaro. Se o centro não entrar nesse campo de discussões, corre o risco de ficar para trás de novo.”

Os especialistas destacam ainda a posição “delicada” do governador paulista, João Doria, na sondagem. De um lado, ele se destaca como o “mais preparado”, com 18% das indicações. Vai bem em quesitos como o “mais trabalhador”, o “mais inteligente” e o “mais apto” para enfrentar entraves na saúde e na geração de emprego e renda. Em todos esses atributos, ocupa o segundo lugar. “Ocorre que, apesar disso tudo, não consegue se destacar nas pesquisas espontânea e estimulada, embora seja conhecido”, diz Dorgan Filho. “Ele tem ainda a mais alta rejeição entre todos os participantes, atingindo 51% dos entrevistados. Esse pode ser o resultado da intensa polarização que mantém hoje com o presidente Bolsonaro, além do desgaste natural provocado pela pandemia.”

Observe-se que a enquete representa um fotograma de um filme que nem sequer começou a ser rodado. Mas as questões da pesquisa estão colocadas desde já, notadamente no que diz respeito à fragmentação e aos antagonismos múltiplos. Além do mais, concordam os especialistas, até agora, os principais movimentos de aproximação em torno do centro têm sido feitos por outro personagem da política nacional: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “E isso só complica a vida dos eventuais participantes da disputa definidos como mais moderados”, diz Dorgan Filho. É um desafio a mais entre tantos.

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