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O Globo
Ao
ler que o prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa declarou apoio a Keiko
Fujimori na disputa presidencial do Peru, alegando ser ela “o mal menor” diante
o candidato de esquerda Pedro Castillo, fui tomado por uma sensação
desalentadora de futuro adiado que experimento há anos, em relação ao Brasil e
à nossa região.
Nós também no Brasil votamos no “mal menor”, raras vezes em um projeto de
governo. Em busca permanente do “salvador da pátria”, acabamos escolhendo
o “erro novo”. Jair Bolsonaro em 2018, Collor em 1989. Agora, possivelmente
ficaremos em 2022 diante de dois “erros antigos”.
Lula, liberado pela Justiça para concorrer à eleição, deixa de ser “ficha
suja”, sem ser “ficha limpa”, num paradoxo tão brasileiro que faz com que um
ministro do Supremo, o “novato” Nunes Marques, vote a favor e contra a mesma
ideia.
Ele considerou, na Segunda Turma, que o ex-juiz Sérgio Moro não é suspeito, mas
aceitou, por questões regimentais controvertidas, que prevalecesse no plenário
com seu voto a tese da falta de isenção de Moro no julgamento do triplex do
Guarujá. A ministra Carmem Lucia mudou também de voto, de insuspeito para
suspeito, em meio ao julgamento. Assim como ministro Gilmar Mendes votou a
favor e contra a prisão em segunda instância, em julgamentos distintos, e
ajudou a salvar Lula, assim como ajudara a prendê-lo. Lula foi vítima e
beneficiário desses “passos trôpegos”, da balbúrdia jurídica oferecida pelo
Supremo.
Apenas dois presidentes depois da redemocratização foram eleitos por projetos
políticos: Fernando Henrique em 1994, com o Plano Real, e Lula em 2003, como
alternativa ao que chamava de projeto neoliberal. Os dois foram reeleitos em
1988 e 2006, esgotando as últimas reservas dos projetos vitoriosos.
Lula chegou ao poder em 2003, depois de perder quatro eleições, porque se
reinventou criando o personagem Lulinha Paz e Amor. E lançou a Carta aos
Brasileiros. Mas também porque o segundo governo de Fernando Henrique, que teve
méritos evidentes como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Rede de Proteção
Social, origem do Bolsa-Família, dos genéricos e do combate à Aids, ficou
marcado pela desvalorização do Real logo nos primeiros dias, o apagão de
energia e a economia em situação difícil.
Paradoxalmente, para acalmar o mercado financeiro, Lula teve que escrever a
Carta aos Brasileiros onde se comprometia a manter o tripé da política
econômica: câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal. Foi isso que
garantiu o bom desempenho econômico no primeiro governo Lula, e o tripé é a
base da política econômica até hoje. Ou era, pois o Centrão está aos poucos
minando esse tripé, com o auxílio de Bolsonaro que, candidato à reeleição,
escolhe aumentar os gastos.
O julgamento do STF que decidiu pela suspeição do juiz Sérgio Moro foi uma
grande vitória política do ex-presidente Lula, e uma grande derrota do combate
à corrupção do Brasil, que não cansa de regredir. Um país que teve avanço
brutal no combate à corrupção volta à estaca zero, supostamente na defesa do
estado de direito, de um justo julgamento. Um ministro como Ricardo
Lewandowski, que admite que os diálogos roubados por um hacker são provas
ilícitas “mas, enfim, foram amplamente divulgadas”, não deveria poder falar
sobre suspeição.
Nem diante de todo o escândalo revelado, as forças políticas que continuam no
poder, e a manter controle da situação, sempre encontram jeito de prevalecer,
mesmo depois de cinco, seis anos. Tanto o combate à corrupção quanto o
equilíbrio fiscal foram conquistas da sociedade brasileira, mas estão colocadas
em perigo por um governo que se elegeu justamente para defendê-las.
O país do futuro de Stefan Zweig vai sendo eternamente adiado para ficar do
tamanho de sua elite política e empresarial. E seguimos elegendo o populista da
vez, revezando entre esquerda e direita, sem entendermos que o mundo lá fora,
pelo menos o mundo que funciona, já está em outro patamar, discutindo o futuro
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