quarta-feira, 14 de abril de 2021

Senadores têm de rechaçar manobras para melar CPI – Opinião / Editorial | O Globo

É sintomática a reação do presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados para tentar melar a CPI da Covid-19 no Senado. Criada por determinação do ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso, ato que deverá ser confirmado hoje no plenário da Corte, ela se tornou alvo de manobras governistas antes mesmo de ser instalada na sessão de ontem. É palpável, no governo, o temor de investigações que definam responsabilidades pela maior crise sanitária da história do país.

Por ser um instrumento criado para as minorias fiscalizarem governos, nenhuma CPI deixa de sofrer tentativas de esvaziamento. O método mais usual é convencer parlamentares a retirar o apoio à comissão. No caso da proposta pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a manobra não deu certo. O governo passou então a usar outras.

A segunda tentativa foi inviabilizar a CPI pelo tumulto, objetivo aparente do vazamento da conversa entre Bolsonaro e o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO). Nela, Bolsonaro pede que o Senado aceite pedidos de impeachment de ministros do STF. Tudo para tumultuar. Não bastassem ser pedidos descabidos, foi uma tentativa absurda de intervenção noutro Poder.

A terceira tentativa é ampliar o campo de investigação, incluindo governadores e prefeitos. Surgiu uma petição, do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), para formar outra CPI, mais ampla, como insistem os governistas. Mas a Secretaria do Senado, com base no regimento interno, contestou a inclusão de estados e municípios na pauta da CPI, por desviar do objetivo. O máximo que conseguiram foi estabelecer a fiscalização de “recursos da União repassados aos demais entes federados para combate da pandemia”. O governo celebrou.

A ideia de fiscalizar estados e municípios não tem pé nem cabeça. Governadores sobre os quais há denúncias relativas à pandemia já estão sob investigação. Há até dois com processo de impeachment em curso: Wilson Witzel (RJ) e Carlos Moisés (SC). O governador do Pará, Hélder Barbalho, já foi alvo de ações da PF que investigam fraudes na compra de respiradores, assim como Wilson Lima, do Amazonas. O que falta é investigar os responsáveis pelos erros e pela omissão do governo federal no combate ao coronavírus.

Na sessão de ontem para a abertura da CPI, ganhava corpo a quarta tentativa: adiar a CPI até que o Senado retome as sessões presenciais. Nestes tempos de pandemia, é outra sugestão descabida. As sessões podem ser feitas de forma semipresencial, como já ocorre nas comissões do Congresso. Uma CPI não é um processo judicial, com direito a ampla defesa. É uma investigação pública. A tecnologia disponível é mais que suficiente para permitir o grau de sigilo que se deseje dar às sessões.

Cabe aos senadores conscientes da tragédia em que o país se encontra rechaçar essas manobras. Quem atua para inviabilizar a comissão quer encobrir os responsáveis por mais de 358 mil mortes. É preciso jogar luz em toda a cadeia de comando que resultou na escassez de vacinas, na falta de oxigênio em Manaus e noutras cidades, na distribuição criminosa de remédios ineficazes contra a Covid-19 e assim por diante. São necessários depoimentos e provas para dar sustentação a um enredo já conhecido em parte, mas não na profundidade que a sociedade e a História exigem. É o mínimo que o país deve à memória de quem se foi.

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