Por
que sociedade não reconhece erros do II PND e avança?
Um
dos temas mais quentes do debate nacional, desde sempre, é entender por que o
país fracassou e continua fracassando. O diabo é quando aparece alguém
sustentando que não houve fracasso algum, afinal, temos uma das maiores
economias do planeta. Aos ufanistas é imperativo lembrar que, nesse quesito,
estamos em plena derrocada. O Produto Interno Bruto (PIB) do país a que
chamamos de Brasil há dez anos era o 6º do mundo, agora é o 12º. Ademais, o que
significa para as dezenas de milhões de pobres e miseráveis deste território
viver, do jeito que vivem, numa das 20 maiores economias?
O
ex-ministro da Fazenda Pedro Malan pronunciou uma das frases mais geniais da
história da Ilha de Vera Cruz: "No Brasil, até o passado é incerto".
Malan, que ocupou o cargo de ministro nos dois mandatos do presidente Fernando
Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), referiu-se na ocasião a decisões que
a Justiça tomara, revendo integralmente o teor de leis e de jurisprudências
firmadas pelo próprio Poder Judiciário.
O
axioma de Malan é aplicável, também, a muitos outros aspectos da vida nacional.
Um exemplo é justamente o debate, que já deveria ter sido concluído há décadas,
quanto ao porquê do nosso fracasso econômico recente. Antes que o leitor pense
que a coluna se refere ao desastre que vivemos desde 2014, quando se iniciou a
maior e mais profunda recessão de nossa história, não é isso.
A referência aqui é à "mãe de todas as crises", aquela que ficou conhecida como a crise da dívida externa, cujo marco temporal foi 1982, mas que, na verdade, se instaurou entre nós pelo menos dois anos antes, quando foi deflagrada a segunda crise do petróleo.
De
forma bem resumida, um rápido contexto. Por causa da primeira crise do
petróleo, em 1973, o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) decidiu
"isolar" o Brasil dos flagelos provocados pela alta do petróleo. A
economia vivia os estertores do chamado "milagre econômico"
(1967-1973), período em que cresceu a taxas superiores a 10% ao ano. Diante do
aumento vertiginoso dos preços do petróleo _ o país importava na época 85% do
óleo que consumia _, várias nações foram obrigadas a fazer ajustes para se
adequar àquela realidade.
Geisel
não foi eleito presidente pelo voto popular, mas agiu exatamente como se
tivesse sido. Estávamos numa ditadura, que, instaurada desde 1964, passava por
seu pior momento do ponto de vista de sua "popularidade". Filhos da
classe média _ e esta deu apoio crucial ao golpe militar dez anos antes _
estavam morrendo nos porões da ditadura, que, desde 1968, com a assinatura do Ato
Institucional nº 5, ampliaram-se ao incluir as polícias estaduais no aparato de
repressão do regime.
Os
anos de chumbo (1968-1975), como ficou conhecido o período mais autoritário da
ditatura, coincidiram com o auge do "milagre". Este fato dificultou
sobremaneira a defesa das liberdades e, portanto, a volta da democracia,
interrompida em 1964 com a deposição ilegal do presidente João Goulart. Por
outro lado, o regime militar começava a enfrentar naquele momento a sua crise
hegemônica. Duas razões concorriam para isso.
A
primeira foi o desgaste, junto à classe média, provocado pelo combate violento,
principalmente com o uso da tortura, a grupos de guerrilha que decidiram pegar
em armas para combater o regime e também a opositores políticos e da sociedade
civil. Aquilo coincidiu com os primeiros impactos da crise do petróleo de 1973
na economia nacional, que, em meio a pressões inflacionárias, começou a
desacelerar o ritmo de expansão.
Diante
desse quadro, Geisel optou pela solução populista. O cálculo era o de que, se optasse
pelo ajuste da economia, o regime perderia ainda mais apoio político e isso
seria perigoso.
Numa
democracia, governos são obrigados a fazer ajustes em duas situações: por causa
do advento de uma crise internacional _ que, não nos iludamos, sempre nos
atingirá _ ou decorrente de barbeiragens cometidas pelo próprio governo num
dado momento, obrigando-o a corrigir o rumo de suas políticas. Do ponto de
vista político, é melhor enfrentar crises externas porque estas, pode-se
alegar, não estão sob o controle de nações como a nossa.
No
caso de uma ditadura, a história mostra que esse tipo de regime tem seu ciclo
e, portanto, sempre termina, e muitas vezes de forma ruinosa e violenta para
todos os envolvidos _ ditadores e população. Ditaduras acabam porque os animais
não sabem viver sem liberdade, o que, no caso do bicho homem, ser proibido de
ir e vir é sinônimo de morte, uma vez que, dotado de inteligência, sabe o que é
viver enclausurado.
As
ditaduras, mesmo as longevas, e a "nossa" derradeira durou 21 anos,
podem chegar ao fim de duas maneiras: por meio de um acordo que assegura uma
transição pacífica no retorno à democracia ou de por meio de movimentos
revolucionários, onde prevalecem a violência e o revanchismo (talvez, uma
expressão mais branda para isso seja "aplicação da Justiça" com o
objetivo de apuração de crimes cometidos durante o regime de exceção e
aplicação respectiva de penalidades previstas nas leis).
Preocupado
em como seria uma transição de regime em meio a uma crise econômica, Geisel
lançou, com sua equipe econômica, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND).
O objetivo era isolar o país dos efeitos da primeira crise do petróleo. O
programa trancou a economia brasileira a sete chaves para
"protegê-la" da concorrência estrangeira, fundou dezenas de empresas
estatais, exponenciou o endividamento externo para financiar um sem-número de
projetos de desenvolvimento e expandiu a dívida pública com o mesmo objetivo.
Com
o II PND, Geisel traçou a longa transição "pacífica" do regime.
Militares e torturadores envolvidos até o pescoço na repressão à ditadura não
queriam ser julgados pelo novo regime e, assim, não o foram. É a política,
estúpido!
Em 1979, veio a segunda crise do petróleo e, três anos depois, o II PND desmonta-se como um castelo de cartas. Mas, inúmeros aspectos daquele modelo econômico (um deles, o fechamento da economia), seguem mantidos porque, o que é espantoso, parte expressiva da opinião pública ainda não chegou à conclusão do mal que ele faz ao país.
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