O resultado das incertezas é o desalento do setor privado. De nada adiantam jantares com empresários para corrigir os rumos do governo
A
liderança política impacta a economia dos países. E não apenas pelas escolhas
de políticas públicas, mas pelo efeito indireto sobre as expectativas dos
agentes econômicos. Líderes inábeis alimentam incertezas e desconfiança,
gerando menor crescimento. Na pesquisa acadêmica, há poucas evidências desse
fenômeno, mas alguns resultados são interessantes.*
As
eleições podem melhorar o humor do consumidor. Estes ficam mais confiantes
quando há perspectiva de mudança de orientação política que venha a reverter um
quadro econômico considerado desfavorável.
Foi
o que aconteceu no Brasil em 2018. Os índices de confiança de consumidores e
empresários (FGV) cresciam conforme se consolidava a eleição de Jair Bolsonaro,
mas puxados apenas pela componente de expectativas, que chegaram a atingir
patamares de otimismo entre o fim de 2018 e o início de 2019.
Enquanto isso, a componente associada à avaliação da situação corrente se mantinha praticamente estável, no campo pessimista. Em seguida, a expectativa cedeu, possivelmente reagindo ao início tumultuado do governo, com atitudes desastradas de Bolsonaro e seu entorno, e os conflitos com o Congresso.
Em
momentos de maior incerteza, como agora, a palavra do líder tende a ganhar peso
extra na formação das expectativas dos agentes privados. Assim, cabe aos
líderes agir de forma a sustentar a confiança, com atitudes responsáveis e, ao
mesmo tempo, com humildade e firmeza para navegar em tempos difíceis, guiando a
sociedade.
Outro
resultado de pesquisa é que a confiança dos consumidores reage positivamente a
posturas brandas de líderes políticos. As experiências mais bem-sucedidas, no
controle da Covid-19, de países com líderes de perfil democrático e
participativo — notadamente mulheres — reforçam esse ponto.
Passado
mais de um ano desde o surgimento da pandemia, a postura de Bolsonaro mostra
que ele nada progrediu. O presidente insiste em ataques e falas inconsistentes,
equivocadas e, pior, com muitas doses de autoengano. Ele demonstra acreditar
que fez tudo certo; não parece mera retórica. O problema seriam sempre os
outros.
Suas
declarações sobre a saúde são constrangedoras, como quando afirma que o governo
federal fez sua parte na compra de vacinas — apesar de o Instituto Butantan ser
responsável por 83% da vacinação até o momento —, e atribui as dificuldades na
aquisição tempestiva à falta de aprovação pela Anvisa e à postura de alguns
produtores.
Enquanto
isso, faltam informações e estudos sobre qual o verdadeiro quadro da saúde do
país e o cenário para a reversão da curva de óbitos.
Na
economia, mais constrangimento. Bolsonaro julga a agenda bem encaminhada e
culpa o IBGE pela elevada taxa de desemprego, cuja metodologia “atendia ao
governo da época”. Em que pesem as dificuldades técnicas das pesquisas em meio
à pandemia, atacar o órgão é um desserviço que concorre com seu corte de
verbas.
Ao
mesmo tempo, é coerente com a falta de zelo com o desenho de políticas
públicas, que, antes de mais nada, depende da qualidade das pesquisas.
O
problema não fica na retórica e tampouco restrito ao presidente. O autoengano
também acomete seu entorno e impede a necessária correção de rumos.
O
governo errou muito na gestão fiscal e isso se reflete nos preços de ativos e
no quadro econômico mais instável. Mesmo assim, houve displicência na
elaboração do Orçamento deste ano. Assunto sério demais para ser tratado como
foi.
Como
se não bastasse, agora não sabem consertar. Os desdobramentos recentes sugerem
novos furos no teto de gastos, e sem medidas compensatórias. Mais combustível
para a deterioração do ambiente econômico.
É
curioso que, mesmo assim, alguns analistas defendam o aumento de gastos
públicos, sob inspiração do (controverso) pacote de Joe Biden. Temos um Estado
sem capacidade de planejamento, uma crise fiscal que alimenta o risco
inflacionário e um governo que gasta mal os recursos públicos. Alimentar o
Leviatã fiscal nas atuais circunstâncias seria um grande erro.
O
resultado desse quadro de incertezas e falta de perspectivas, agravado pelo
presidente, é o desalento do setor privado, como revelam as novas quedas dos
índices de confiança. De nada adiantam jantares com empresários para corrigir os
rumos do governo.
*Para uma breve resenha e mais detalhes, ver Georg Müller e Steffen Osterloh (2018), “How do politics affect economic sentiment? The effects of uncertainty and policy preferences”.
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