Executivo
tem responsabilidade no aumento da miséria
O
Supremo Tribunal Federal (STF) eclipsou os planos do presidente Jair Bolsonaro
de refundar o governo a partir da recente reforma ministerial.
Acreditava-se,
dentro do Executivo, que depois de mudanças na cúpula da Saúde essa nova
configuração no primeiro escalão pudesse dar tempo suficiente ao governo para
promover um rearranjo na base e construir os alicerces de uma aliança voltada à
reeleição. Melhorariam também as relações com militares e com a comunidade
internacional, ao passo que se tentaria dar novo impulso à coordenação entre as
pastas com a troca na Casa Civil.
Problemas
mais urgentes seriam também atacados. Uma preocupação dentro do governo é, por
exemplo, com uma possível escalada da violência decorrente do crescimento da
miséria, embora o próprio combate à fome tenha sido negligenciado.
Surgiram,
então, as duas recentes decisões disparadas do STF. A primeira foi de autoria
do ministro Luís Roberto Barroso, que instou o Senado a criar a CPI da
pandemia. Dificilmente o governo não sairá alvejado da comissão parlamentar de
inquérito, mesmo que ela amplie o seu escopo para investigar eventuais
irregularidades ocorridas nos Estados e municípios que receberam recursos
federais.
São amplos os instrumentos que os parlamentares terão para abespinhar Bolsonaro. Afinal, CPIs podem quebrar sigilos fiscais, telefônicos e bancários. Na história recente, muitas comissões foram instaladas e em nada resultaram. Mas tantas outras buscavam informações sobre determinados assuntos e, ao obterem dados sigilosos, tropeçaram em revelações mais preciosas.
Cabe
também aos estrategistas do Planalto avaliarem o custo-benefício - além dos
riscos - de se adiar a instalação da CPI da pandemia para o fim do ano. Esse é
um movimento capaz de levar à sobreposição do plano de trabalho da Comissão
Parlamentar de Inquérito ao calendário eleitoral.
O
segundo petardo levou a assinatura da ministra Rosa Weber. Na segunda-feira, a
poucas horas de os decretos presidenciais que ampliam o acesso a armas e
munições começarem a valer, ela sustou trechos da nova regulamentação tão
aguardada pela ala armamentista que apoia o governo.
Os
decretos dividem a base eleitoral do presidente. Enquanto atiradores, caçadores
e colecionadores esperavam uma postura até mais agressiva de Bolsonaro na
flexibilização da regulação do setor, evangélicos se mantém contra qualquer
investida nesta seara. É um tema delicado, mas do qual o chefe do Executivo
demonstra que não abrirá mão.
Nesse
caso, será interessante ver como o advogado-geral da União, André Mendonça,
tentará se equilibrar entre a missão de defender os pontos de vistas do chefe e
ainda sim ter o apoio das igrejas para ser o indicado “terrivelmente
evangélico” à próxima vaga do STF. O caminho mais fácil que ele terá para
percorrer acabará sendo a fundamentação segundo a qual a maioria da população
já se manifestou em 2005 contra a proibição da comercialização de armas e
munições e ainda hoje mantém majoritariamente essa posição.
Mendonça
já precisou advogar sobre esse tema quando comandou a AGU pela primeira vez,
antes de ser nomeado ministro da Justiça. Sua recolocação na posição original
foi, inclusive, um dos lances centrais da estratégia de refundação executada no
fim do mês passado.
O
substituto, Anderson Torres, foi alçado do posto de secretário do Distrito
Federal justamente em meio ao temor no governo de que a crise sanitária, depois
de se tornar uma crise socioeconômica, possa ganhar os contornos de uma crise
de segurança pública.
Torres
é delegado da Polícia Federal e possui experiência na área, além de bom
trânsito no meio político. Em seu discurso de posse, destacou que a Justiça e a
Segurança Pública são a espinha dorsal da paz e da tranquilidade da nação,
principalmente em meio a uma crise sanitária mundial com impactos na economia e
na qualidade de vida dos cidadãos. Ele sublinhou que se deve garantir o “ir e
vir sereno e pacífico”, para então emendar: “A Segurança Pública foi uma das
principais bandeiras da sua eleição e ela voltará a tremular alta e imponente”.
Foi um discurso direcionado ao setor, mas também para os agentes políticos.
Já
a nomeação da deputada Flávia Arruda (PL-DF) pode ter o condão de manter
Bolsonaro próximo do próprio PL e do PP, de onde o presidente pode tirar seu
candidato a vice e garantir mais tempo de televisão para a campanha.
Bolsonaro
gosta de dizer que foi eleito sem dinheiro e tempo de propaganda em 2018. Mesmo
assim, até seus aliados concordam com a tese de que sua eleição resultou de uma
conjunção de fatores de difícil reedição. O campo adversário busca se
fortalecer nas redes sociais. E o presidente pode precisar se expor em debates
e ter mais tempo de TV para defender as realizações de seu governo.
Até
agora, porém, a reforma ministerial ainda não conseguiu acabar com a
desarticulação crônica da administração federal, origem de grande parte dos
desgastes sofridos pelo Executivo. O impasse relacionado ao Orçamento deste
ano, por exemplo, é uma dessas turbulências gestadas dentro do próprio
Executivo.
A
preocupação de Bolsonaro com a possibilidade de o aumento da miséria provocar
distúrbios sociais também se remete, em parte, a essas divergências internas.
É preciso pontuar que o governo demorou muito para editar uma medida provisória e estabelecer o novo benefício emergencial. Milhões de brasileiros receberão um auxílio emergencial menor e muito mais tarde do que suas famílias podem suportar. Os saques em dinheiro só terão início em maio. Quem nasceu em dezembro só poderá colocar as mãos no dinheiro em junho, e as últimas parcelas estão previstas para setembro. Isso não tem nada a ver com o que o STF decidiu sobre a autonomia dos entes subnacionais para combater a pandemia nem com as medidas de isolamento adotadas por governadores ou prefeitos. Os demais Poderes não podem ser culpados pela morosidade e desarticulação do Executivo.
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