O presidente Jair Bolsonaro gosta de falar de liberdade. Em seus discursos, coloca-se como uma espécie de paladino da liberdade. No entanto, sua atuação na Presidência da República revela profundo desconhecimento do assunto. Em especial, parece ignorar o Capítulo VI do Código Penal, que trata dos crimes contra a liberdade individual.
O
Capítulo VI começa com o crime de constrangimento ilegal. “Constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por
qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei
permite, ou a fazer o que ela não manda. Pena: detenção, de três meses a um
ano, ou multa” (art. 146 do Código Penal).
Em
agosto do ano passado, um repórter do jornal O Globo, no exercício de sua
profissão, fez uma pergunta ao presidente Jair Bolsonaro. Questionou-o sobre
repasses de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz à primeira-dama Michelle
Bolsonaro. Ao jornalista – que apenas fez o que a lei, com toda certeza, lhe
permite fazer – Jair Bolsonaro respondeu: “Vontade de encher tua boca de
porrada”.
O
episódio do ano passado não foi a primeira vez, tampouco a última, que o
presidente Jair Bolsonaro constrangeu um jornalista no exercício de sua
profissão.
A
ameaça é o segundo crime previsto no Capítulo VI do Código Penal. “Ameaçar
alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de
causar-lhe mal injusto e grave. Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa”
(art. 147).
Em conversa com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), o presidente Jair Bolsonaro transmitiu o seguinte recado ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP): “Se você não participa (da CPI da pandemia), daí a canalhada lá do Randolfe Rodrigues vai participar. E vai começar a encher o saco. Daí, vou ter que sair na porrada com um bosta desse”.
Ao
divulgar o áudio da conversa com Jair Bolsonaro, o senador Jorge Kajuru relatou
que o presidente da República estava ciente da gravação do diálogo e de sua
posterior divulgação. Ou seja, Jair Bolsonaro conhecia o exato significado de
tornar pública sua disposição de “sair na porrada” com o senador Randolfe Rodrigues.
Na
mesma conversa, Jair Bolsonaro buscou ainda constranger e ameaçar integrantes
do Supremo Tribunal Federal (STF), instigando o senador Jorge Kajuru a
apresentar pedidos de impeachment contra ministros do Supremo. Na estranha e
ilegal lógica de Bolsonaro, isso seria “fazer do limão uma limonada”.
“Você
tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em
pauta o impeachment (de ministros do STF) também”, disse Jair Bolsonaro ao
senador Jorge Kajuru. Tudo isso porque o presidente Bolsonaro não gostou da
decisão do ministro Luís Roberto Barroso de assegurar o direito constitucional
da minoria de instalar uma CPI.
Desde
abril deste ano, com a entrada em vigor da Lei 14.132/2021, o terceiro crime do
Capítulo VI do Código Penal refere-se à perseguição. “Perseguir alguém,
reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou
psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma,
invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena:
reclusão, de seis meses a dois anos, e multa” (art. 147-A).
Ainda
que seja novo, esse tipo penal também merece a atenção do presidente da
República. Não seria difícil enquadrar seu reiterado comportamento em relação a
alguns políticos da oposição dentro dessa moldura legal.
Vale
notar que a imunidade presidencial prevista na Constituição refere-se apenas a
ações anteriores ao mandato. O que o presidente da República faz na posse do
cargo é passível de ser enquadrado penalmente.
Não
basta, portanto, que Jair Bolsonaro se preocupe com eventual responsabilização
por crimes de responsabilidade. Suas ações o aproximam perigosamente da esfera
penal. Isso ocorre porque, sob o eufemismo do “gosto pelo conflito”, Bolsonaro
pratica atos tipificados no Código Penal. Num Estado Democrático de Direito,
ameaçar é crime.
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