Folha de S. Paulo
Cabe à pressão popular tentar reverter mais
esse retrocesso
Campanha eleitoral precisa acontecer. Sem
ela, ninguém conheceria os candidatos. E campanha custa dinheiro. Portanto,
precisará ser financiada de alguma forma. As questões são duas: de
onde deve vir esse dinheiro e qual o montante total a ser gasto.
O financiamento exclusivamente privado dá
poder em demasia para os mais ricos. O partido que agradasse alguns bilionários
teria vantagem sobre o que tivesse uma multidão de pobres. Já o financiamento
estatal, apesar de um inevitável pendor conservador —beneficia a
estrutura de poder vigente, quem é maior ganha mais, quem é menor ganha menos—,
garante alguma equidade e retira um pouco do peso do poder econômico. É justo
que seja preponderante.
Dentre as muitas possibilidades, a que temos não é ruim: financiamento público com possibilidade de doações individuais limitadas. No que diz respeito às regras, nosso sistema é razoavelmente equitativo e abre espaço para legendas novas mas populares conseguirem recursos.
Ainda não entramos, todavia, na questão
principal: quanto dinheiro a sociedade destinará às campanhas?
Campanha eleitoral é corrida armamentista:
não importa muito o quanto se gaste, e sim que seja mais (e melhor) do que o
adversário. Se meu adversário gasta R$ 100 mil, minha campanha de R$ 1 milhão
está de bom tamanho. Se ele gasta R$100 milhões, o meu milhãozinho é um trocado
inútil.
Do ponto de vista do candidato, gastar mais
é sempre desejável. Como o político eleito no Brasil tem muito poder nas mãos
para ditar os rumos da economia, grandes empresas também têm motivos para
entrar na corrida. O gastos são potencialmente sem limites. Em 2014 essa
lógica nos levou à corrida mais cara de nossa história: R$ 5,8 bilhões no
primeiro turno.
Na época, fui
contra proibição de doações empresariais decidida pelo Supremo em 2015, mas
hoje reconheço seu mérito. Saímos da campanha mais cara da história
para uma eleição bem mais barata em 2018: R$ 2,9 bilhões. Um ganho social
considerável.
O gasto de campanha, do ponto de vista
social, é basicamente inútil. Não aumenta a satisfação das pessoas durante a
campanha nem deixa um legado positivo para o futuro.
Seus defensores dizem que ele beneficia a
sociedade divulgando conhecimento político. Analisando as campanhas vitoriosas
das últimas eleições, contudo —a farsa pantagruélica de Dilma em 2014 e a enxurrada de
fake news bolsonarista em 2018—, fica difícil sustentar isso. Para
além de informações básicas sobre os candidatos (seus nomes, números e pílulas
pelas quais querem ser lembrados), o resto é puro marketing.
Agora, a redução de gastos vai sendo
perdida pelo aumento do fundão eleitoral, que, se for mantida a LDO, será de R$
5,7 bilhões em 2022. Empresas não podem doar? Então que o Estado complete o que
os cofres partidários perderam.
Vivemos ainda as consequências da crise
econômica iniciada em 2014, que foi agravada pela pandemia. O desemprego perto
de 15%. Todo mundo aperta os cintos. Além disso, a tecnologia de produção de
conteúdo e de divulgação avançou muito. Bolsonaro se elegeu numa campanha
comparativamente barata. Por tudo isso, o montante de dinheiro público gasto
com campanhas no Brasil —gasto justo e necessário— deveria cair e não aumentar.
Previsivelmente, o governo Bolsonaro, eleito com a promessa fajuta de acabar com a velha política, revelou-se seu exemplar mais descarado e fisiológico. Cabe à pressão popular —inclusive daqueles que um dia confiaram no presidente— tentar reverter mais esse retrocesso.
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