O Estado de S. Paulo
É preocupante o rumo que a reforma do Imposto de Renda está tomando
A proposta de reforma do Imposto de Renda
(IR) contém pontos positivos. No entanto, como de costume, o governo apresentou
as ideias e não está dando a batalha no Congresso. Sem o bom debate e o
escrutínio técnico, perderá a oportunidade de conduzir essa reforma.
O deputado Celso Sabino formulou texto
substitutivo ao Projeto de Lei n.º 2.337, de autoria do Executivo. Sabino
propõe a diminuição da alíquota do Imposto de Renda das empresas (IRPJ) de 15%
para 2,5%. Manteve a ideia do Executivo de restabelecer a tributação de lucros
e dividendos (alíquota de 20%). Originalmente, o governo havia sugerido apenas
cinco pontos porcentuais a menos no IRPJ.
Nas contas apresentadas no projeto de lei, a redução da alíquota de IRPJ, o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda das pessoas físicas (IRPF), a nova tributação dos lucros e dividendos e as outras mudanças sugeridas teriam efeito fiscal agregado praticamente neutro. Tudo o mais constante, o substitutivo do deputado Sabino, por sua vez, terá efeito negativo. Se o texto substitutivo for aprovado, o governo eleito em 2022 terá uma bomba fiscal nas mãos.
Para ter claro, a combinação de alíquotas
proposta por Sabino causará perda líquida de arrecadação ao erário. Isso
ocorreria num contexto de déficit público. Não há espaço para fazer cortesia
com o chapéu dos outros. Qualquer reforma tributária, neste momento, tem de ser
neutra ou positiva para a arrecadação federal. Deve, de preferência, rever as
famigeradas renúncias tributárias, que já custam cerca de oito vezes o
orçamento anual do Programa Bolsa Família.
Aliás, a Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) Emergencial, aprovada em março, contém dispositivo para obrigar o governo
a enviar um plano de redução dessas benesses tributárias. Já lá se vão quatro
meses e nada de o plano ser apresentado. Além disso, o texto da referida emenda
constitucional, de n.º 109, não prevê nenhuma punição para o caso (provável) de
isso ser engavetado pelo Congresso.
Tributar os lucros e dividendos é, a meu
ver, uma medida necessária, mas a calibragem do IRPJ tem de ser feita
adequadamente. Há ainda o risco de evasão fiscal na “nova” tributação dos
lucros, que poderá erodir as estimativas apresentadas inicialmente pela
Secretaria da Receita Federal.
Se não for possível melhorar, que não
piorem o sistema tributário – um dos mais complexos do mundo. Estamos anos-luz
distantes do padrão dos países avançados – e mesmo de certos emergentes – e
temos uma tributação do consumo onerosa e confusa, sobretudo com o ICMS
(imposto estadual), recolhido na origem e no destino.
No Imposto de Renda, em que as coisas
funcionam razoavelmente, é preciso cuidado na hora de mexer. Há estudos sobre a
matéria a serem considerados no debate. Não se pode promover uma reforma do IR
atendendo a pleitos aqui e acolá. Antes de tudo é preciso ter um norte. O risco
de dar bobagem é elevado. O texto substitutivo mencionado é uma singela
evidência disso.
Aliás, já começaram a aparecer aqueles
argumentos fajutos – desacompanhados de cálculos ou estudos – do tipo “a
arrecadação total vai aumentar, já que a redução de alíquotas estimulará a
atividade econômica”. Essa história da carochinha precisa ser aniquilada no
nascedouro. A recuperação permanente da arrecadação só virá com crescimento
econômico. Crescimento de verdade, não o voo de galinha deste ano.
No andar de cima, os mais ricos reclamam do
aumento de carga tributária. Ora, o sistema tributário precisa ser mais
progressivo, sim, e a atuação do Estado, mais eficiente. A respeito desse
ponto, a carga tributária de 33% do produto interno bruto (PIB) não tem ajudado
a reduzir a desigualdade de renda com a intensidade desejada porque o setor
público gasta mal.
Uma reforma para derrubar os custos
de compliance (cumprimento
de obrigações junto aos fiscos) ajudaria a melhorar o ambiente de negócios e
estimularia a atividade econômica em médio prazo. Ela deveria ser acompanhada
de mudanças do lado das despesas, por meio de um processo orçamentário
orientado para resultados, na linha dos estudos do professor Allen Schick, da
Universidade de Maryland.
Na Instituição Fiscal Independente (IFI),
estamos preparando análise sobre o PL 2.337 e o substitutivo. O ofício que
enviei ao secretário da Receita, José Tostes, foi rapidamente atendido, sinal
da disposição para o diálogo desta ala do governo. Nestes tempos, algo a enaltecer.
Por ora, é preocupante o rumo que a reforma
do Imposto de Renda está tomando. A isenção de IRPF para quem ganha até R$
2.500 por mês já era questionável, pelo custo e pela ausência de mexidas nas
outras faixas. Mas a demagogia dessa redução insustentável das alíquotas do
IRPJ é lamentável. A tributação de 20% dos lucros e dividendos não evitaria um
verdadeiro rombo nas contas públicas.
Parem as máquinas. Vamos discutir o assunto com calma ou nascerá mais um monstrengo tributário para o próximo governo embalar.
*Diretor Executivo e responsável pela implantação da IFI.
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