O Globo
As suspeitas de corrupção no Ministério da
Saúde estão sendo analisadas na CPI em dois grupos. O que avalia os documentos
sobre a Precisa, que tentava vender a vacina Covaxin e que fez pagamentos à
VTCLog. E o que estuda os documentos sobre os intermediários, ou seja, a
Davati, o reverendo, os militares, o Força Brasil, oferecendo a Astrazeneca.
Esse segundo tema acaba de ganhar mais um reforço com as notícias da negociação
do ex-ministro Pazuello com a World Brands para a compra da Coronavac, a mesma
vacina tão atacada pelo presidente da República. Parece um grande emaranhado,
mas há um fio condutor: o governo preferia falar com os personagens mais estranhos
e ignorar as propostas dos fornecedores confiáveis.
A cena do ministro Eduardo Pazuello fazendo exatamente o que disse na CPI que não faria é mais uma mentira revelada. Entre tantas outras. Pazuello diz que fechou o memorando de entendimento com um tal de “John” para comprar 30 milhões de doses. E de que vacina? Da chinesa Coronavac. A mesma que Bolsonaro tantas vezes ofendeu e atacou. Aquela da qual o coronel Élcio Franco disse “não vamos comprar a vacina chinesa”. E onde era aquela reunião? Exatamente na sala do coronel Élcio Franco. Bolsonaro negou, mesmo diante do vídeo, que houve essa negociação e disse que só é propina quando alguém está “pelado na piscina”.
Os caminhos eram retos. O governo preferiu
o oblíquo. Para comprar Coronavac o caminho era o Butantan, e não o “John” da
World Brands, de Santa Catarina. Para comprar Astrazeneca, o caminho era a
Fiocruz, e não um reverendo Amylton, o coronel Hélcio do Força Brasil, a Davati
que chegou através do Cabo Dominguetti. E isso, além da Precisa, que fez
invoices mutantes, pressionou por pagamento antecipado, e agora descobriu-se
que fazia pagamentos para outra fornecedora do Ministério da Saúde. A VTCLog.
Todo o caso de corrupção é um emaranhado.
Eles vão enrolar a CPI? Os senadores garantem que organizaram esses e outros
temas com método, em subgrupos, com técnicos competentes sob o comando dos
senadores. E que trabalharão durante o recesso na organização desses dois
terabytes de informação.
Há um problema. CPI não tem todos os
poderes de investigação. Não pode pedir escuta. Não pode fazer delação
premiada. Mas, por outro lado, sua função é levantar o maior número possível de
indícios, documentos, fazer um relatório sólido e encaminhá-los às autoridades
competentes para o inquérito.
A Comissão Parlamentar de Inquérito já
prestou um enorme serviço ao Brasil. Abriu cortinas, revelou informações, mudou
o olhar do país sobre a dimensão da tragédia que está acontecendo com a
pandemia. O governo Bolsonaro era visto antes como uma administração incompetente,
que negava a ciência por obscurantismo e que sabotava as medidas de proteção
pela “ideologia” antivacina do presidente. A CPI mostrou que é muito pior. O
governo Bolsonaro atentou contra a saúde pública porque acreditava que se o
vírus fosse disseminado com mais rapidez o país atingiria a “imunidade de
rebanho”. E isso elevou em centenas de milhares o número de brasileiros mortos.
Só a revelação de que mortes evitáveis
foram provocadas por ação ou omissão do governo que seguia uma estratégia
mortal já teria sido um trabalho suficiente da CPI. Mas o que foi revelado nas
últimas semanas antes do recesso é que há também inúmeras suspeitas de
corrupção. Ontem, Bolsonaro fez uma postagem para atacar o senador Randolfe
Rodrigues (Rede-AP), por um vídeo em que o senador defende a compra da Covaxin.
Quando ele gravou o vídeo, não sabia que o governo já havia assinado a compra
através de uma empresa, a Precisa, cujo dono, Francisco Maximiano, era sócio de
outra companhia acusada de fraude no próprio Ministério da Saúde.
— O importante é menos o ataque (de
Bolsonaro) e mais o desespero. Ele está em manobra dispersiva. Claramente isso
mostra que a gente está na pista certa — disse o senador Randolfe.
Ele conta que sobre a VTCLog o estranho é
exatamente encontrar transferências feitas a ela pela Precisa, apesar de não
haver uma ligação entre elas:
— São esquemas que dialogam. E funcionava
com Élcio Franco, os coronéis todos e o Instituto Força Brasil, que mantém
sites bolsonaristas.
Os mesmos sites que lucravam divulgando
fake news sobre vacinas.
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