segunda-feira, 19 de julho de 2021

Miguel de Almeida - Lula para vice

O Globo

Caro presidente Lula,

As pesquisas o colocam em vantagem sobre o Bozo nas eleições de 2022. Não é de estranhar. Em 2018, seu candidato, Fernando Haddad, quase chegou lá. Da cadeia, seu apoio se transformou numa exuberante transferência de votos.

Naquele ano, dois fatos insólitos interferiram na eleição. Primeiro, sua prisão. Depois, o fraquejado atentado do doente mental Adélio.

São nossas limitações. Como se sabe, o brasileiro não viu a anunciada profissionalização das Forças Armadas e nunca produziu tomates de qualidade. Longe de nós, ainda, a competência dos americanos em eliminar seus candidatos ou presidentes. Parece que nossa régua de produtividade é o índice Pazuello de eficiência.

Chegou, portanto, seu momento na História. De se colocar na galeria dos heróis, em igual patamar de Tom Jobim, Guimarães Rosa e Pelé.

Faça um gesto e candidate-se a vice-presidente nas próximas eleições. Surpreenda como Pelé o adversário com um drible seco e inesperado. Deixe o zagueiro de quatro e o goleiro sem chance. O Brasil precisa de sua experiência, faro e habilidade para moldar um novo futuro.

Se insistir em ser cabeça de chapa, o futuro será mais do mesmo. Estamos dentro de uma inércia do atraso. Há uma diáspora em andamento, com bons brasileiros pulando fora porque, ao contrário da minha geração, não acreditam que o Brasil seja o país do futuro. No caso, o futuro passou, e hoje somos um monte de gente dando adeus.

Empresas importantes também deixam a pátria amada. Ford, Mercedes, Citibank, HSBC… Audi, LG e Sony reduziram suas fábricas. Temos menos 8% de empresas ativas, uma destruição de 7,9% de ocupações assalariadas apenas em quatro anos. Na contracorrente, aumenta o número de templos e pastores com o desejo explícito de transformar o país numa República de Dízimos. Quanto mais pobreza e atraso, mais reza.

O Talibã já é aqui.

Mire-se no passado para apoiar sua decisão. Em 1966, Carlos Lacerda, arrependido por ter apoiado o golpe militar, buscou construir a Frente Ampla. Uniu-se a dois de seus mais renhidos adversários — os ex-presidentes João Goulart e Juscelino Kubitschek —para exigir eleições diretas. Queria, portanto, derrubar a ditadura. Os três se odiavam; no entanto guardaram as mágoas em nome da reconquista da liberdade, de dar ao pobre país de Noel Rosa um futuro de glória, não o verde-oliva (este, como agora, que nega leitos de UTI em hospitais militares aos civis contaminados com Covid-19). Ao final, o trio terminou cassado, exilado, e morreram sem direitos políticos. Perdemos todos. Ao menos, eles tentaram.

Depois de comandar o movimento das Diretas Já, em 1984, o grande Ulysses Guimarães abriu mão de sua candidatura a presidente. Cedeu lugar a Tancredo Neves, que, no Colégio Eleitoral, derrotou Paulo Maluf e liquidou 21 anos de ditadura militar. Viva Ulysses! — e a humildade do herói destemido.

Por certo, muito da atual polarização se deve a algumas das campanhas do PT — não se deve esquecer a canalhice com Marina Silva — e ainda a sua visão calamitosa de mundo. Ao seu conceito de “nós” contra “eles”. À tal “herança maldita” de FH. Também a sua escolha em demonizar o PSDB para se unir ao Centrão (hoje engordado por Augusto Heleno e Braga Netto). Que erro, né?

Seu gesto em ser candidato a vice acalmaria a cacofonia iniciada em seu primeiro mandato. Resultaria num novo plano de voo no momento em que a economia brasileira se torna cada vez mais extrativista, enquanto o mundo desenvolvido mergulha em modos de produção digital e cria oportunidades dentro da transição climática. Assim como sua ocupação de torneiro mecânico evaporou, outras profissões serão destroçadas. A continuar assim, será um rebanho a correr para as mãos do Malafaia.

De outro lado, João Doria e Eduardo Leite, jovens ainda, deveriam abrir mão de suas pretensões. Eles também clivam o ambiente. Seriam ótimos ministros.

Pense no Brasil, não no PT. Una-se ao Tasso Jereissati, presidente.

E diga à nação: os militares não pediram perdão às famílias por seus crimes na ditadura, ok, mas seu gesto em ser vice-presidente é aceno à definitiva concórdia e aposta em que o Brasil não morrerá na praia.

 

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