Folha de S. Paulo
Para tratá-los, presidente não foi atrás de
um gabinete paralelo de médicos estelionatários
Tudo que o Brasil queria, durante a
pandemia, era ter recebido a mesma atenção que
Jair Bolsonaro deu a seus soluços.
Para tratar seus soluços, Bolsonaro não foi
atrás de um gabinete paralelo de médicos estelionatários. Foi a um
dos melhores hospitais de São Paulo.
Quando era o dele na reta, Bolsonaro
contrariou uma previsão
de Osmar Terra, que tuitou que os soluços provavelmente não eram nada.
Talvez Terra achasse que, se Bolsonaro soluçasse mais, desenvolveria imunidade
de rebanho.
Todo o tratamento a que Bolsonaro se
submeteu na última semana foi baseado em protocolos médicos publicados nos
melhores journals acadêmicos.
Nada daquelas picaretagens de cloroquina publicadas em revistas desconhecidas, nada escrito por vagabundos como o francês Didier Raoult, nada que o senador Heinze defenda na CPI para desviar atenção sempre que alguém pega a turma do Bolsonaro roubando dinheiro de vacina.
Não há qualquer notícia de que Bolsonaro
tenha, para descobrir e tratar a origem de seus soluços, se recusado a utilizar
medicamentos ou equipamentos médicos de origem chinesa.
Fez bem: a China é o grande parque
industrial do mundo contemporâneo, e empresas do mundo todo fabricam seus
produtos, ou insumos para seus produtos, em solo chinês.
Se Bolsonaro tivesse se recusado a utilizar
medicamentos ou equipamentos chineses para se tratar, teria arriscado sua
própria vida com irresponsabilidade suicida. A vida dele, pelo menos, ele não
arriscou.
Tampouco há qualquer notícia de que a ida
de Bolsonaro para o hospital tenha sido retardada até que algum hospital oferecesse
suborno a militares bolsonaristas, bolsonaristas do centrão, reverendos
bolsonaristas ou qualquer um desses personagens que a CPI vem
descobrindo na roubalheira das vacinas.
Bolsonaro não colocou sua saúde a leilão
como colocou a saúde do resto do povo brasileiro. Se a Pfizer tivesse oferecido
a Bolsonaro a cura de seus soluços, teria
sido respondida já no primeiro email.
Bolsonaro fez política com a internação, do
mesmo modo que fez política com a pandemia: postou uma mensagem em que atribuía
seus problemas de saúde (até agora mal explicados) à
facada de Adélio Bispo.
Aproveitou para mentir que PSOL e PT teriam
alguma coisa a ver com o atentado, hipótese
que a polícia federal, sob comando do próprio Bolsonaro, já desmentiu.
Porém, na hora do soluço, Bolsonaro não
politizou nada que colocasse a própria vida em risco.
Se a única mentira que Bolsonaro tivesse
contado durante a pandemia fosse que Adélio criou a Covid-19 a mando do Lula,
ou, sei lá, do Jean Wyllys, seria mentira, mas seria uma mentira que mataria
menos gente do que as mentiras que Bolsonaro contou sobre cloroquina, vacina ou
isolamento social.
Ao que parece, Bolsonaro começou sua crise
de soluços como começou sua gestão da pandemia: negando sua gravidade.
Entretanto, quando sentiu uma forte dor abdominal, Bolsonaro mudou de ideia e
aceitou ser tratado.
Se Jair Bolsonaro tivesse sentido a dor do
povo brasileiro sendo intubado sem anestésico com a mesma intensidade que
sentiu suas dores abdominais, talvez tivesse mudado de ideia a tempo de impedir
o meio milhão de mortes.
Desejo ao presidente melhoras, porque um
hospital não é a instituição estatal em que ele tem que terminar seus dias.
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