sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Bernardo Mello Franco - O paraíso dos picaretas

O Globo

O encerramento dos Jogos de Tóquio vai mudar a fauna dos personagens que desfilam no noticiário. Saem os atletas olímpicos e seus relatos de superação. Voltam os mercadores de vacina e suas histórias da carochinha.

A turma já reapareceu na CPI da Covid. Na terça, os senadores ouviram o reverendo Amilton Gomes de Paula. Ele desistiu de pescar almas para cavar negócios no Ministério da Saúde.

Falando de si na terceira pessoa, o pastor se apresentou como um “embaixador mundial da paz”. Em seguida, enumerou condecorações de entidades como a Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente e a Ordem dos Cavaleiros de Sião.

“Quem me conhece sabe: lá na minha igreja, eu tiro o sapato e dou para pessoas carentes”, elogiou-se. Apesar de tanto desapego aos bens materiais, ele se envolveu numa negociação de 400 milhões de vacinas com o governo.

O reverendo jurou que só tinha interesses humanitários. Para provar sua boa-fé, embargou a voz e forçou o choro. “Eu queria vacina para o Brasil”, declamou. A atuação deve ter despertado inveja no secretário Mario Frias.

Na quarta, a CPI ouviu o coronel Marcelo Blanco, que integrava a tropa do general Eduardo Pazuello. Ele estava no jantar da propina com o cabo Luiz Dominghetti, dublê de policial militar e camelô de vacinas.

Blanco trocou 108 ligações com o PM, mas disse não ter notado que falava com um estelionatário. Foi chamado de mentiroso e cara de pau. “Ontem foi em nome de Deus, hoje é em nome do patriotismo. Nunca em nome próprio”, ironizou a senadora Simone Tebet.

A semana terminou com o depoimento de Airton Cascavel, outro homem de Pazuello. Ele se definiu com um “facilitador” que tinha a tarefa de “fazer acontecer”. Mas não soube explicar por que dava ordens sem ter sido nomeado no Diário Oficial.

Cascavel sofreu outros lapsos de memória. Não se lembrou da médica negacionista que vivia no ministério e disse nunca ter falado com o PM das vacinas. Desmentido com dados de seu próprio telefone, gaguejou e mudou de assunto.

Enquanto milhares de brasileiros morriam por falta de ar, o reverendo, o cabo e os coronéis faziam negócios em Brasília. Em julho, Jair Bolsonaro disse que a capital sempre foi um paraíso de picaretas e espertalhões. Pode ser, mas eles nunca foram tão bem recebidos.

 

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