Correio Braziliense
Bolsonaro ‘manobra’ para arrastar as Forças
Armadas ao confronto com o Supremo, antes das eleições, porque não existe disposição
de interferir no resultado do pleito
O confronto entre Jair Bolsonaro e o
Supremo Tribunal Federal (STF) agravou-se ainda mais, ontem, com os ataques e
ameaças do presidente ao ministro Alexandre de Moraes, por sua inclusão no
inquérito das fake news, o que provocou dura reação do presidente da Corte,
Luiz Fux, que era até agora uma voz cautelosa e moderada na Praça dos Três
Poderes. Bolsonaro prossegue a escalada para provocar uma crise institucional e
mudar as regras do jogo das eleições de 2022, apoiando-se nas Forças Armadas e
na sua aliança com o Centrão.
O presidente quer precipitar uma crise
institucional para subjugar o Supremo Tribunal Federal (STF) e limitar o poder
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições, com adoção do voto impresso
e descentralização da apuração das eleições, que voltariam a ser feitas nas
juntas das seções eleitorais, terreno fértil para atuação das milícias, dos
traficantes e de falanges políticas armadas, para tumultos e fraudes. A
proposta está em discussão na Câmara, cujo presidente, deputado Arthur Lira
(PP- AL), acompanha a crise de camarote. E aproveita para aprovar a agenda de
interesses comuns de Bolsonaro e do Centrão, embora muitas propostas acabem
barradas, esvaziadas ou mitigadas pela oposição em complicadas negociações e
votações. Uma terceira via está sendo construída no Congresso.
Bolsonaro explora as insatisfações da cúpula militar com o STF por causa da anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje favorito nas pesquisas de opinião sobre as eleições de 2022. Sua atuação lembra um episódio da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), que conflagrou a Europa, no qual um pequeno grupo de 45 cavaleiros húngaros, com suas armaduras, durante seis meses aterrorizou o condado de Flandres, a região flamenca da Bélgica. O jornalista e cientista político da Universidade de São Paulo (USP) Oliveiros S. Ferreira, já falecido, inspirado nesse episódio, que é citado pelo pensador italiano Antônio Gramsci nos Cadernos do Cárcere, escreveu um livro sobre o conceito de hegemonia no qual repete a indagação: Como o conseguiram? Como e por que o grande número, mais forte, se submete ao pequeno?
Manobra de antecipação
Ideólogo do pensamento conservador, Oliveiros Ferreira foi um estudioso do protagonismo
dos militares na história republicana. Num artigo para o jornal O Estado de São
Paulo, de 26 de junho de 1988, intitulado O reconhecimento da derrota, ele
resgata uma carta do general Góes Monteiro ao jurista liberal Sobral Pinto, na
qual o então ministro da Guerra, em abril de 1945 — ou seja, pouco antes do fim
do Estado Novo —, reconhece a derrota do “partido fardado” diante de uma nação
“que não compreendia e que nunca poderia compreender”. Segundo ele, porque
trouxera da Escola Militar a marca do castilhismo, “um modelo de tirania
esclarecida”.
“Eu reclamava poder, ordem, disciplina e
ardor para, em 10 anos pelo menos, como recorda V.Exa., preparar a nova elite e
poder modificar as condições de ignorância e miséria das massas, responsáveis
pelo aviltamento da prática constitucional”, lamentava o general do Estado
Novo, ao jogar a toalha para os liberais. Bolsonaro está muito longe dos
militares golpistas com dotes intelectuais, como Góes Monteiro e, mais tarde,
Golbery do Couto e Silva. Entretanto, com apoio de um grupo de generais
saudosistas do regime militar, entre quais o ministro da Defesa, Braga Neto,
“manobra” para arrastar as Forças Armadas ao confronto com o Supremo, antes das
eleições, porque sabe que não existe disposição nas Forças Armadas de
interferir no resultado do pleito, impedindo a posse do eleito, como já se
tentou em outros momentos da nossa história.
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