sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Armando Castelar Pinheiro* - Uma interpretação da estagnação

Valor Econômico

Esforço para inovar, que não é pequeno, depende de haver pressão competitiva e proteção aos direitos de propriedade

O PIB per capita brasileiro ficou praticamente estagnado entre a Independência e a Proclamação da República, crescendo apenas 0,2% ao ano. Esse ritmo subiu para 1,1% ao ano na República Velha, quando o país começou a se industrializar, e acelerou ainda mais em 1931-80, quando o PIB per capita cresceu 3,9% ao ano e o Brasil deixou de ser pobre e virou um país de renda média. Depois disso, porém, a coisa degringolou e em média crescemos só 0,7% ao ano em termos per capita.

O que aconteceu? Muita inteligência e tinta foi gasta com essa pergunta. O que os fatos mostram é que em 1931-80 o crescimento foi puxado pelo processo de transformação estrutural fruto da industrialização, por sua vez viabilizada por elevados investimentos, que ajudaram a elevar a produtividade total dos fatores, com a absorção de novas tecnologias. Desde o início dos anos 1980, essas variáveis ajudaram bem menos a economia. Em 1981-2020, o estoque de capital do país aumentou em média 2,4% ao ano, contra 8,3% ao ano em 1951-80. Já o crescimento da produtividade despencou, de 2,9% ao ano para 0,2% ao ano na mesma comparação.

Diferentes fatores contribuíram para essa desaceleração. Conforme o país acumulou mais capital, com seu estoque subindo mais que o PIB, manter o mesmo ritmo exigiria taxas de investimento crescentes. O contrário, porém, ocorreu. Em parte, pois a deterioração fiscal comprometeu os investimentos públicos, e, em parte, porque investir ficou menos atraente para o setor privado, pois o risco macroeconômico, tributário e jurídico aumentou, muitas vezes não compensando o alto custo de oportunidade de investir. Basta ver que, no pós-Plano Real, a Selic real foi em média de 8,3% ao ano. Mais confortável investir em títulos públicos!

Em um dos capítulos do livro “The Power of Creative Destruction”, que discuti na coluna de 21 de julho, Philippe Aghion, Céline Antonin e Simon Bunel trazem uma resposta diferente a essa pergunta, generalizando a análise, ao indagar por que tantos países emergentes caem nessa “armadilha da renda média”, como fez o Brasil.

Eles iniciam mostrando que o que ocorreu com o Brasil também se deu com outros emergentes: “Alguns países experimentaram um período inicial de forte crescimento, graças a instituições e políticas que favoreceram o crescimento pela acumulação de capital e a convergência (catch-up) econômica”. O problema, apontam eles, é que essas não mudaram a tempo: assim, esses países “não foram capazes de adaptar suas instituições e políticas para se tornarem economias inovadoras”.

De fato, a reação de nosso governo à desaceleração do crescimento foi reforçar as políticas do passado, voltadas para elevar a rentabilidade e diminuir o risco do investimento privado: subsídios creditícios; incentivos tributários; socorro a empresas em dificuldades; investimentos de estatais, e proteção contra competidores externos, via elevada proteção tarifária e programas de conteúdo nacional.

A evidência mostra que essas políticas não trouxeram benefícios relevantes (ver, por exemplo, bit.ly/3lt0Iak). A análise de Aghion, Antonin e Bunel traz, porém, um ângulo adicional de análise: essas políticas são anti-competitivas, desestimulando a inovação. Um, pois as empresas incumbentes têm acesso privilegiado a esses benefícios. É o caso dos subsídios do BNDES, concentrados em grandes empresas e virtualmente inacessíveis para novos entrantes, assim como da proteção externa, que reduz a pressão que vem de fora para inovar. Dois, pois o estímulo a empresas estabelecidas, inclusive estatais, eleva o custo da mão-de-obra qualificada, e insumos de forma geral, reduzindo a competitividade de novos entrantes.

Como observam os autores, não é fácil fazer reformas que mudem essas políticas: “As empresas que prosperaram durante a fase de catch-up querem preservar suas rendas monopolísticas e não querem enfrentar o aumento da concorrência. Por conseguinte, utilizarão parte da sua riqueza acumulada para pressionar os políticos e os juízes a impedirem a introdução e a aplicação de novas regras pró-concorrenciais”. Em suma, não avançaremos se não protegermos o capitalismo dos capitalistas.

Felizmente, temos avançado. As privatizações, desregulações e parcial abertura comercial foram passos importantes. A redução do custo de capital, fruto da contenção do gasto público pelo Teto de Gastos, também tem ajudado, assim como substituir a TJLP pela TLP, reduzindo o privilégio competitivo daqueles com acesso aos subsídios do BNDES. Também ajudam as medidas para melhorar o ambiente de negócios. O agronegócio prospera com a inovação e a competição já traz inovações em setores como o financeiro. Há outros resultados visíveis, como o acesso de mais e novas empresas ao mercado de capitais.

O problema é que o avanço é lento. É preciso acelerar, abandonando a narrativa de que o crescimento virá de elevar artificialmente o lucro das empresas, via incentivos, subsídios e proteção contra a concorrência, em prol de outra que reconheça a necessidade de inovar, por imitação ou invenção, e que o esforço para inovar, que não é pequeno, depende de haver pressão competitiva, assim como proteção aos direitos de propriedade.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

 

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