EDITORIAIS
O presidente sem freios
O Estado de S. Paulo
Ao fazer ameaça de golpe, Jair Bolsonaro joga fora das “quatro linhas” constitucionais. Desgovernado, ele só vai parar ao colidir contra o muro das instituições
O novo ministro da Casa Civil, Ciro
Nogueira, tomou posse na quarta-feira passada apresentando-se como o “amortecedor”
do governo perante os demais Poderes. O que falta ao presidente Jair Bolsonaro,
contudo, são freios.
Há meses, Bolsonaro vem anunciando que não
aceitará o resultado das eleições do ano que vem caso o desfecho lhe seja
desfavorável. A desculpa é uma inexistente vulnerabilidade das urnas
eletrônicas, que o presidente e sua milícia virtual invocam para questionar o
sistema de votação e desde já colocar em dúvida todo o processo eleitoral.
Trata-se de explícita manifestação
golpista. A recusa em aceitar o resultado das eleições, mesmo que a lisura da
votação seja constatada pela Justiça Eleitoral, é evidente atentado à
democracia. O crime é ainda mais grave por ser cometido pelo presidente da
República em pessoa, em razão da ressonância que tão elevado cargo político e
institucional confere às suas palavras.
Não à toa, pesquisas vêm demonstrando que
Bolsonaro conseguiu inocular em parte da sociedade brasileira a toxina da
dúvida sobre a validade da votação. Mais do que isso: o presidente está jogando
a opinião pública contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e contra o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), que, conforme as teorias bolsonaristas, estariam
agindo em conluio para prejudicar Bolsonaro e fazer do petista Lula da Silva
presidente.
Foi precisamente por essa razão que, na
quarta-feira, a partir de notícia-crime encaminhada pelo TSE, o ministro
Alexandre de Moraes, do STF, incluiu Bolsonaro no inquérito 4.781, que desde
2019 investiga a usina bolsonarista de produção de notícias falsas para desmoralizar
o Supremo e o TSE.
Como agora se tornou muito claro, o
presidente Bolsonaro integra ativamente essa máquina de desestabilização da
democracia. Em um pronunciamento feito há uma semana, Bolsonaro, a título de
apresentar “provas” das alegadas fraudes nas urnas eletrônicas, mentiu diversas
vezes e usou informações comprovadamente falsas para basear suas denúncias
contra o sistema de votação. Na mesma ocasião, apresentou-se como vítima de um
complô das Cortes superiores.
Foi esse pronunciamento que motivou a notícia-crime enviada pelo TSE ao STF e que levou o ministro Moraes a, finalmente, incluir Bolsonaro no rol de investigados por suspeita de formação de organização criminosa dedicada a destruir a democracia no Brasil. “Não há dúvidas”, escreveu o ministro em seu despacho, “de que as condutas do presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a democracia.”
A reação de Bolsonaro foi violenta. Em
entrevista à Rádio Jovem Pan, o presidente questionou a legalidade da decisão
de Alexandre de Moraes, dizendo que se trata de “um inquérito que nasce sem
qualquer embasamento jurídico”, pois, segundo sua interpretação, deveria ter
sido aberto pela Procuradoria-Geral da República (PGR). “Ele abre, apura e
pune? Sem comentário”, disse Bolsonaro. E acrescentou: “Está dentro das quatro
linhas da Constituição? Não está. Então, o antídoto para isso também não está
dentro das quatro linhas da Constituição”.
Em primeiro lugar, não há qualquer
ilegalidade na decisão do ministro Moraes. O Supremo tem a prerrogativa de
abrir investigação contra o presidente da República. Já o titular da ação penal
continua a ser a PGR, e um processo contra o presidente só terá seguimento se
houver apoio de dois terços da Câmara. Logo, tudo está sendo feito “dentro das
quatro linhas da Constituição”, como gosta de dizer o presidente.
Quem está fora dessas “quatro linhas”
constitucionais é Bolsonaro, ao fazer ameaça explícita de golpe de Estado,
declarando, com todas as letras, que pode atropelar a Constituição caso não
seja feita sua vontade. Para completar, Bolsonaro, como valentão de briga de
rua, declarou que “a hora dele (Alexandre
Moraes) vai chegar”.
Sem freios, o desgovernado Bolsonaro só vai
parar ao colidir contra o muro das instituições democráticas. Que esse muro
aguente o tranco.
Cultura de resistência
O Estado de S. Paulo
Na reinauguração do Museu da Língua Portuguesa, o Brasil foi representado à altura
É difícil imaginar Jair Bolsonaro pisando
em um museu por livre e espontânea vontade. Menos ainda no Museu da Língua
Portuguesa, lugar de reverência ao idioma tão maltratado pelo presidente da
República. Mas, ser chefe de Estado e de governo impõe certos compromissos ao
mandatário que, afinal, devem ser atendidos, se não por gosto pessoal, por
respeito à chamada liturgia do cargo.
Dito isto, se não chegou a surpreender,
envergonhou a Nação a ausência de Bolsonaro, na condição de autoridade máxima
do Poder Executivo, na cerimônia de reinauguração do Museu da Língua Portuguesa
em São Paulo, no sábado passado. O museu foi reaberto quase seis anos após o
incêndio que destruiu o prédio no bairro da Luz, grande parte de seu acervo e
causou a morte do bombeiro civil Ronaldo Pereira da Cruz, que, sozinho, deu o
primeiro combate ao fogo.
A razão para a ausência de Bolsonaro só
ampliou o vexame. Enquanto os presidentes de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa,
e de Cabo Verde, Jorge Carlos de Almeida Fonseca, reinauguravam o museu na
capital paulista, Bolsonaro passeava de motocicleta em Presidente Prudente, no
interior do Estado, com um grupo de apoiadores. Foi mais um ato de campanha
eleitoral extemporânea e mais uma oportunidade para Bolsonaro disseminar suas
mentiras sobre a segurança do sistema eleitoral brasileiro.
Questionado sobre a ausência de sua
contraparte brasileira, o presidente Marcelo Rebelo disse que só poderia
responder por Portugal, mas afirmou que “dança quem está na roda”, citando um
ditado do Minho, da região norte de seu país. “Eu estou nesta roda e estou
muito feliz por estar nesta roda e nesta dança”, disse Rebelo. “Esta é uma
dança que pensa no futuro da língua portuguesa e no futuro de 260 milhões de
pessoas que nascem, vivem e morrem em português. Isto, para mim, é o mais
importante.” Marcelo Rebelo condecorou o Museu da Língua Portuguesa com a Ordem
de Camões, honraria portuguesa dada a pessoas e instituições que trabalham pela
amizade entre os países lusófonos e pela divulgação do idioma.
Se o governo brasileiro não se fez
representar, o Brasil foi representado à altura. Os dignatários estrangeiros foram
acompanhados pelo governador de São Paulo, João Doria, e pelos ex-presidentes
Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, dois líderes que não só respeitam a
língua pátria, a cultura nacional e a diplomacia, como também a dignidade do
cargo que ocuparam. Além de Bolsonaro, Doria convidou todos os ex-presidentes
brasileiros para a cerimônia de reinauguração do Museu da Língua Portuguesa.
José Sarney não compareceu por apresentar sintomas de gripe. Lula da Silva e
Dilma Rousseff também não estiveram presentes, mas enviaram “cartas muito
amáveis” agradecendo o convite, segundo o governador paulista. Já Fernando
Collor não se manifestou.
Sabe-se bem que Jair Bolsonaro tem um olhar
muito rasteiro sobre a cultura do País, que a reduz a mero instrumento de guerra
política. O presidente da República é incapaz de compreender a grande
importância da cultura para a construção do que se pode chamar de alma
nacional. Desde a campanha eleitoral, o setor cultural tem sido um dos alvos
mais frequentes de suas mentiras e grosserias. No governo, Bolsonaro tem
reduzido a cultura a cinzas. Em alguns casos, literalmente, como foi o caso da
negligenciada Cinemateca Brasileira, consumida pelas chamas após sucessivos
alertas de risco para incêndio, todos ignorados pelo governo federal. Em boa
hora, o governador de São Paulo requereu à União que o controle da Cinemateca
Brasileira passe ao governo do Estado, em parceria com a Prefeitura de São
Paulo.
A degradação da cultura é parte fundamental
do plano de Bolsonaro para apequenar o Brasil. Não chega a ser uma inovação do
presidente brasileiro. De fato, não passa pela compreensão de Bolsonaro a
separação entre assuntos de Estado e de governo e os seus interesses
particulares, mas o ataque à cultura é parte do enredo do novo populismo autoritário
que grassa em uma série de países. Para sorte do Brasil, ainda há focos de
resistência a esta sanha destrutiva.
Jogo duro contra a inflação
O Estado de S. Paulo
BC muda estratégia e aperta a política de juros para frear a alta dos preços
O Banco Central (BC) decidiu, enfim, impor
um freio mais forte à disparada dos preços, um dos piores pesadelos para a
maioria das famílias. A política mais dura,
já prevista pelo mercado, começa com a elevação dos juros básicos para 5,25% ao
ano. Uma alta igual – de 1 ponto de porcentagem – está anunciada para
setembro, na próxima reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. O
discurso mudou. “A inflação ao consumidor continua se revelando persistente”,
segundo a nota distribuída logo depois da decisão. Mantida até junho, a tese
otimista de uma pressão temporária parece enterrada. Com a nova orientação, o
aperto monetário, com crédito mais caro, deve continuar pelo menos até o fim do
ano. Também isso está prometido.
Não haverá surpresa se a taxa básica de
juros, a Selic, estiver acima de 7% no fim do ano. Essa taxa tem sido, por
várias semanas, a projeção dominante no mercado. Mas alguns grandes bancos já
elevaram suas estimativas para 7,5% e pelo menos um já cravou a previsão de 8%.
Antecipando-se ao BC, instituições do
mercado já vinham elevando os juros e complicando a operação das empresas,
principalmente das médias e pequenas, e reduzindo o socorro a consumidores já
muito apertados. Estímulos à atividade econômica ficam, a partir de agora, sob
responsabilidade exclusiva do Executivo, mas nenhuma palavra sobre isso aparece
no comunicado emitido no começo da noite de quarta-feira.
Desde o início do atual surto
inflacionário, no ano passado, o Copom tentou equilibrar-se entre dois
objetivos, a contenção dos preços e o estímulo à retomada econômica. A
orientação começou a mudar em junho. Abandonou-se a ideia de uma “normalização
parcial” dos juros e decidiu-se buscar um nível considerado “neutro”, apenas
suficiente para “mitigar a disseminação” dos “choques temporários”. Essa
orientação acaba de ser arquivada, assim como a história das pressões
temporárias. A decisão, agora, é atingir um patamar “acima do neutro”.
A nova estratégia, segundo a nota, é a mais
apropriada para garantir “a ancoragem das expectativas de inflação”. Trata-se,
em outras palavras, de transmitir alguma segurança ao mercado. Expectativas
também ajudam a formar preços e incertezas podem produzir efeitos
inflacionários. Isso vale para a política monetária e para a gestão das contas
públicas. Por isso o Copom insiste, em todos os seus comunicados, em apontar os
perigos da expansão dos gastos de governo, se essa expansão comprometer a
evolução das contas oficiais. Os indicadores de sustentabilidade da dívida
pública têm melhorado, segundo a nota, mas “o risco fiscal segue elevado”,
podendo alimentar uma inflação acima dos níveis projetados no horizonte
relevante.
A advertência sobre a gestão das contas
públicas é principalmente um ritual. Quando são competentes e agem com
suficiente independência, ministros da área tentam conciliar objetivos
econômicos e sociais com metas de segurança fiscal. Não precisam de conselhos
da autoridade monetária para evitar, tanto quanto possível, ações
irresponsáveis e com potencial inflacionário. Mas dependem, para isso, da
seriedade e da capacidade política dos chefes de governo.
No Brasil as condições atuais divergem
amplamente desse padrão. Além de trabalhar sem planos bem definidos, o ministro
da Economia vive sob pressão dos interesses pessoais do presidente da República
e das ambições de uma base parlamentar conhecida por seu fisiologismo. Com o
Centrão agora instalado no Palácio do Planalto, essa base tende a exercer sua
influência de modo mais amplo e mais fácil, sem preocupação com as limitações
fiscais.
Mais do que em qualquer outro momento, os membros do Copom devem proteger o poder de compra da moeda sem esperar do Executivo uma política fiscal prudente e responsável. Ações positivas poderão ocorrer, por empenho da equipe econômica, mas só nos intervalos deixados pelo presidente Jair Bolsonaro no jogo da sobrevivência política e da reeleição. Esses intervalos, tudo indica, deverão ser muito raros.
'Contrarreforma’ eleitoral precisa ser
impedida
O Globo
Não bastasse o delírio bolsonarista em
torno do voto impresso, caminham céleres na Câmara a ideia esdrúxula de alterar
o sistema de eleição de deputados para o pior entre todos — o famigerado
“distritão” — e um projeto de mudança no Código Eleitoral que limita a atuação
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), torna menos transparente a prestação de
contas das campanhas e restringe as informações disponíveis para o eleitor
decidir seu voto. O Congresso Nacional tem a obrigação de barrar o avanço de
todas essas propostas descabidas.
Relatado pela deputada Margarete Coelho
(PP-PI) — aliada próxima do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) —, o novo
Código Eleitoral foi concebido sob medida para atender aos interesses de
políticos fisiológicos. Ao lado da proposta da deputada Renata Abreu
(Podemos-SP) que pretende instaurar o “distritão”, constitui uma
“contrarreforma eleitoral”, um retrocesso inaceitável na depuração progressiva
do sistema partidário iniciada pela minirreforma de 2017.
Desde aquela mudança, as eleições de 2022
são as primeiras em que passarão a valer, simultaneamente, a proibição de
coligações nas eleições proporcionais e o patamar mínimo de votos para um
partido obter cadeiras na Câmara (conhecido como cláusula de desempenho ou de
barreira). É inaceitável, antes mesmo que a mudança seja testada, que se queira
mudar o sistema proporcional de votação, a que o brasileiro está habituado,
para o “distritão”, em que são eleitos simplesmente os deputados mais votados, desprezando
os votos dados aos demais ou às legendas. Trata-se de um sistema que enfraquece
os partidos, favorece celebridades e nomes reconhecidos do público.
O segundo braço da “contrarreforma”
promovida por Lira é o novo Código Eleitoral, que procura tirar poderes do TSE
e adota uma postura permissiva e leniente com as campanhas. Pelo projeto,
deixariam de ser crimes eleitorais práticas absurdas em dias de eleição, como
uso de alto-falantes, comícios, carreatas, boca de urna e até o transporte dos
eleitores. As contas de campanha passariam a ser apresentadas num formato menos
transparente. Estaria autorizado o uso do fundo partidário, cujo fim é
sustentar a administração das legendas, em todo tipo de despesa, inclusive
transporte e propaganda. As multas por desaprovação de contas estariam
limitadas a R$ 30 mil (hoje podem chegar a milhões). O Congresso poderia cassar
decisões do TSE quando discordasse.
Prevista no texto, a tipificação do crime
de caixa dois resultaria em punição mais branda do que a atual. Também acabaria
a reserva de recursos para candidaturas de negros e mulheres. Por fim, a
divulgação de pesquisas eleitorais — essenciais para o eleitor decidir em quem
votar — ficaria proibida até 48 horas antes do pleito. O projeto chega ao
desplante de criar um absurdo “percentual de acerto” para tentar avaliar a
qualidade dos institutos de pesquisa, revelando incompreensão crassa dos
objetivos e das limitações estatísticas inerentes às sondagens.
Lira e o Centrão têm pressa em aprovar as
mudanças. Se não conseguirem até outubro, elas não poderão valer nas eleições
de 2022. Cabe a todo congressista de bom senso deter quanto antes essa
“contrarreforma eleitoral”, para garantir a melhora progressiva da
representatividade no Parlamento e a saúde futura da democracia brasileira.
É um erro vacinar jovens antes de completar
imunização dos idosos
O Globo
O país atingiu ontem a marca de 105.061.908
vacinados com a primeira dose da vacina contra a Covid-19, praticamente metade
da população, e 44.275.685 com a segunda ou dose única (21%). Embora o ritmo
atual represente uma melhora em relação ao início claudicante da campanha, ele
esconde disparidades. Uma delas, preocupante, é que estados e prefeituras
começam a vacinar jovens e adolescentes enquanto a cobertura da população mais
idosa não foi concluída.
Como mostrou reportagem do GLOBO, 13% dos
idosos ainda estão com a vacinação incompleta, de acordo com números compilados
pelo estatístico Elias Krainski, da Universidade Federal do Paraná. Na faixa de
60 a 65 anos, 39% não receberam a primeira dose ou não apareceram para tomar a
segunda. Entre os cinquentenários, 86% ainda não estão plenamente vacinados. As
secretarias de Saúde precisam empreender uma busca ativa para chegar aos
ausentes. Trata-se de um contrassenso vacinar adolescentes e jovens e deixar
para trás a população mais vulnerável à doença.
A situação se torna mais desafiadora devido
ao avanço da variante Delta, mais contagiosa que as outras cepas. No estado do
Rio, ela já está presente em pelo menos 38 dos 92 municípios. Segundo a
secretaria estadual de Saúde, no dia 23 de julho, a Delta respondia por 17% das
amostras. Na última terça-feira, o percentual tinha subido para 26% (45% na
capital). Em São Paulo, a Delta também avança.
Uma vez que apenas a imunização completa
tem se mostrado eficaz contra a Delta e que é mais alto o percentual de imunes
necessário para deter sua circulação, muitos cientistas têm defendido adiantar
a segunda dose em vez de ampliar a aplicação da primeira. Concluir a vacinação
dos idosos deveria, também por isso, ser prioridade.
O desequilíbrio na vacinação acontece
porque estados e municípios, cada um a seu jeito, estabeleceram estratégias
próprias diante da tibieza do Ministério da Saúde para coordenar o Plano
Nacional de Imunizações. Embora a vacinação tenha começado no dia 17 de janeiro
para todos, os ritmos são diferentes. São Paulo vacinou 59,4% com a primeira
dose e 23,5% com a segunda ou dose única. O Amapá, 35,3% e 11,35%
respectivamente.
Não é admissível que haja 27 planos de
imunização diferentes no país. E que se transforme a campanha numa gincana
política. Para o país, de nada adianta um estado vacinar 90% da população
enquanto outro ainda não chegou à metade ou não completou a vacinação dos
idosos. A meta não deve ser individual, mas coletiva. A epidemia só estará
controlada quando a grande maioria da população brasileira estiver protegida. O
Ministério da Saúde precisa agir para acabar com essas distorções, fazendo uma
distribuição mais racional das vacinas. Já que não há imunizantes sobrando, a
prioridade deve ser dada aos mais idosos. Quando eles estiverem devidamente
protegidos, entram na fila os jovens e, havendo doses, os adolescentes.
Ensaio de ditador
Folha de S. Paulo
Inação de PGR e Congresso ameaça
democracia; urge reagir, até por sobrevivência
Jair Messias Bolsonaro é um presidente
contra a Constituição. Comete desvarios em série na sua fuga rumo à tirania e
precisa ser parado pela lei que despreza.
Há loucura e há método na sequência de
investidas contra a democracia e o sistema eleitoral, ao passo que o país é
duramente castigado pela ausência de governo. São demasiadas horas perdidas com
mentiras, picuinhas e bravatas enquanto brasileiros adoecem, morrem e
empobrecem.
Os danos na saúde, na educação e no meio
ambiente, cujos ministérios têm sido ocupados por estafermos, serão sentidos ao
longo de gerações.
Os juros sobem e a perspectiva de
crescimento cai quando há nada menos que 14,8 milhões de desempregados. A
disparada nos preços de energia e comida vitima os mais pobres. Artimanhas para
burlar a prudência orçamentária afugentam investidores.
Aqui a insânia encontra o cálculo. Ao
protótipo de ditador cujo governo fracassou resta enxovalhar as instituições e
ameaçá-las de ruptura pela força.
Mas o uivo autoritário encontrou reação
firme de agentes da lei. O Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior
Eleitoral incluíram o presidente da República em inquéritos, que precisam ir
até o fim.
Os presidentes da Câmara e do Senado e o
procurador-geral da República, no entanto, não entenderam o jogo. Por
ingenuidade ou interesse equivocado, associam-se a uma figura que se pudesse
fecharia o Congresso, o Ministério Público e o Supremo.
Falta ao procurador Augusto Aras perceber
que a vaga que ambiciona no STF de nada valeria em um regime de exceção; ao deputado
Arthur Lira (PP-AL), que a pusilanimidade de hoje não seria recompensada com
mais poder em uma ditadura.
A deliberação sobre os pedidos de
impeachment torna-se urgente. Da mesma maneira, os achados e conclusões da CPI
da Pandemia devem desencadear a responsabilização do presidente. À Procuradoria
cumpre exercer a sua prerrogativa de acionar criminalmente o chefe do governo.
A inação de Aras e Lira põe em risco a
democracia; é preciso reagir, até pela própria sobrevivência.
Juros de volta
Folha de S. Paulo
Pressão inflacionária e descrédito no
governo levam taxa a alta mais acelerada
Em decisão unânime, o Comitê de Política
Monetária (Copom) do Banco Central acelerou
o ritmo de alta da taxa básica de juros, que subiu 1 ponto percentual, para
5,25% ao ano. O motivo é a deterioração acentuada nos últimos meses das
perspectivas para a inflação.
Além dos fatores temporários relacionados à
pandemia —como as dificuldades das empresas em encontrar insumos e o
encarecimento das matérias-primas— e de problemas climáticos que puxam preços
de alimentos e da energia, o BC vê agora riscos que podem se tornar mais
duradouros.
Com o avanço da vacinação, por exemplo, a
retomada de atividades deprimidas, como os serviços, amplia a chance de
repasses posteriores do choque de custos desde o ano passado, também devido à
acentuada desvalorização do real.
O acúmulo de pressões pode levar a inflação
ao consumidor neste ano a cerca de 8%, um salto em relação ao que se esperava
há poucos meses e muito acima da meta perseguida pelo BC, de 3,75%.
A partir de um certo nível, os mecanismos
formais e informais de indexação existentes no Brasil reforçam uma dinâmica
inercial que se espalha por toda a economia e contamina as expectativas.
Não por acaso, nas últimas semanas o IPCA
projetado para 2022 na pesquisa semanal do BC tem se distanciado gradualmente
da meta de 3,5% fixada para o período.
Nesse contexto, diferentemente de países em
que as pressões se esgotam com maior rapidez, por aqui são maiores os custos
para reverter o processo, na forma de juros mais altos e maior perda de
atividade e empregos —problema dramático quando se tem em conta a desocupação e
a ampla ociosidade ainda existentes na economia.
É o risco de uma perda de confiança nas
metas de inflação que o BC busca agora evitar com uma conduta mais austera.
Além da alta mais rápida da Selic, a autoridade monetária indicou a disposição,
que não havia antes, de colocar a taxa em nível acima do patamar neutro, aquele
que a médio prazo estabiliza a inflação.
Em outras palavras, pretende-se elevar os
juros até o ponto necessário para inverter a tendência de aceleração dos preços
e fazer com que o IPCA volte a convergir para os objetivos estabelecidos, se
não em 2022, ao menos ao longo dos primeiros meses do ano seguinte.
É um absoluto desperdício de oportunidades
que o país se veja novamente diante da ameaça de uma taxa elevada, que
dificultará a recuperação da atividade.
A culpa é do governo Jair Bolsonaro, que
flerta continuamente com a irresponsabilidade na gestão das contas públicas e
mina qualquer possibilidade de melhora da confiança na política econômica.
BC aumenta dose de juros contra inflação
persistente
Valor Econômico
Com a incógnita que se abre sobre a política
fiscal em um ano eleitoral, repousará sobre a política monetária a tarefa de
esfriar os preços
As chances de a inflação subir são maiores
do que as de cair e o Banco Central resolveu aumentar a intensidade dos ajustes
da taxa de juros e, igualmente importante, elevá-la acima da taxa neutra (3%),
para aonde rumava até o comunicado anterior da reunião do Comitê de Política
Monetária. O BC aumentou em um ponto percentual a Selic, para 5,25%, e indicou
que, sem modificações substanciais no cenário, repetirá a dose na reunião do
Copom de setembro.
As “condições mais desfavoráveis” para a
inflação mostram um acúmulo de pressões que deixaram para trás o diagnóstico
inicial, de que eram temporárias. Não apenas os fatores que puxaram o IPCA para
cima não cessaram de atuar, como novos impulsos foram adicionados. Os preços
das commodities continuaram em alta sem sua mitigação em reais porque o dólar,
apesar de um movimento inicial de recuo, voltou a subir em relação à moeda
nacional. Da mesma forma, continua havendo problemas de oferta de bens
industriais, que devem permanecer no cenário por mais tempo do que se previra.
Em suma, há recuperação da demanda enquanto que a oferta de bens permanece
avariada.
Já sinalizada na ata do Copom anterior, a
ameaça de alta da inflação subjacente de serviços vem se materializando com o
aumento da mobilidade decorrente da ampliação do número de vacinados e do
correspondente afrouxamento dos limites para atividades que necessitam de
interação pessoal. As condições climáticas adversas complicaram um quadro já
desconfortável. O preço da energia subiu e a falta de chuvas, aliada a um frio
rigoroso em algumas regiões produtoras, jogou de novo os preços dos alimentos
para cima.
Como o que está por vir, segundo o Copom, é
uma “recuperação robusta do crescimento da economia no segundo semestre”, mesmo
com o risco da nova variante Delta, os riscos inflacionários, apesar das doses
nada suaves de aumento de juros de 0,75 ponto percentual por mês, seguem em
alta. As medidas da inflação subjacente ainda se mantêm “acima do intervalo
compatível com o cumprimento da meta para a inflação”.
Apesar de no cenário básico do Copom haver
fatores de risco em ambas direções, não parece existir muita dúvida de que eles
pesam mais do lado de inflação maior. Além do acúmulo de fatores negativos
inflacionários terem levado a uma “revisão significativa no curto prazo”, a
volta à cena do risco fiscal - com a busca de medidas eleitorais pelo governo
que podem por em risco o teto de gastos - é uma péssima notícia. No início da
semana, os mercados castigaram o real e os juros futuros em reação ao parcelamento
dos precatórios (calote sob outro nome) e às especulações sobre criação de um
espaço para gastos maiores com o Bolsa Família fora do teto.
O único fator baixista mencionado é um
recuo dos preços das commodities em reais, isto é, nenhum avanço ou avanço
modesto nas cotações, acompanhado de uma valorização do real. Quando o déficit
nominal revelou-se menor do que o esperado (84% em junho) e o BC manteve o
ritmo do aperto monetário, o dólar chegou a ficar abaixo dos R$ 5, mas por
muito pouco tempo. A entrega da “alma” do governo ao Centrão pode significar
várias coisas, menos garantia de permanência da austeridade fiscal. O início
precoce do calendário eleitoral e as ameaças institucionais do presidente sobre
as eleições não jogam a favor da estabilidade do dólar, mas da alta.
Resta saber agora até onde vai o ciclo de
aperto e em que magnitude cessará. A nova intenção do BC é ir além do juro
neutro, algo que, se a meta de 2022 for cumprida, será de 6,5%. No comunicado
do Copom, com a Selic a 7% no ano corrente e sua manutenção em 2022, os 3,5% da
meta seriam atingidos. Mas esse é um terreno movediço. Quando pressões
inflacionárias deixam de ser temporárias e se tornam permanentes, a própria
taxa neutra de juros se eleva, dizem economistas.
Em sentido diverso, os juros agirão sobre
uma economia que mal crescerá 2% em 2022, ou seja, no jargão, o hiato do
produto não se fechará e o desemprego continuará muito alto. Com isso, o juro
neutro não se modifica e uma carga menor de Selic seria suficiente para trazer
a inflação de volta à meta.
Com a incógnita que se abre sobre a
política fiscal em um ano eleitoral, repousará sobre a política monetária a
tarefa de esfriar a inflação. É possível então que o BC tenha de elevar os
juros além do que imaginava para derrubar um IPCA de 8,35% (em 12 meses em
junho) para 3,5% e reancorar as expectativas. Não é uma tarefa fácil.
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