sexta-feira, 6 de agosto de 2021

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

O presidente sem freios

O Estado de S. Paulo

Ao fazer ameaça de golpe, Jair Bolsonaro joga fora das “quatro linhas” constitucionais. Desgovernado, ele só vai parar ao colidir contra o muro das instituições

O novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tomou posse na quarta-feira passada apresentando-se como o “amortecedor” do governo perante os demais Poderes. O que falta ao presidente Jair Bolsonaro, contudo, são freios.

Há meses, Bolsonaro vem anunciando que não aceitará o resultado das eleições do ano que vem caso o desfecho lhe seja desfavorável. A desculpa é uma inexistente vulnerabilidade das urnas eletrônicas, que o presidente e sua milícia virtual invocam para questionar o sistema de votação e desde já colocar em dúvida todo o processo eleitoral.

Trata-se de explícita manifestação golpista. A recusa em aceitar o resultado das eleições, mesmo que a lisura da votação seja constatada pela Justiça Eleitoral, é evidente atentado à democracia. O crime é ainda mais grave por ser cometido pelo presidente da República em pessoa, em razão da ressonância que tão elevado cargo político e institucional confere às suas palavras.

Não à toa, pesquisas vêm demonstrando que Bolsonaro conseguiu inocular em parte da sociedade brasileira a toxina da dúvida sobre a validade da votação. Mais do que isso: o presidente está jogando a opinião pública contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, conforme as teorias bolsonaristas, estariam agindo em conluio para prejudicar Bolsonaro e fazer do petista Lula da Silva presidente.

Foi precisamente por essa razão que, na quarta-feira, a partir de notícia-crime encaminhada pelo TSE, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, incluiu Bolsonaro no inquérito 4.781, que desde 2019 investiga a usina bolsonarista de produção de notícias falsas para desmoralizar o Supremo e o TSE.

Como agora se tornou muito claro, o presidente Bolsonaro integra ativamente essa máquina de desestabilização da democracia. Em um pronunciamento feito há uma semana, Bolsonaro, a título de apresentar “provas” das alegadas fraudes nas urnas eletrônicas, mentiu diversas vezes e usou informações comprovadamente falsas para basear suas denúncias contra o sistema de votação. Na mesma ocasião, apresentou-se como vítima de um complô das Cortes superiores.

Foi esse pronunciamento que motivou a notícia-crime enviada pelo TSE ao STF e que levou o ministro Moraes a, finalmente, incluir Bolsonaro no rol de investigados por suspeita de formação de organização criminosa dedicada a destruir a democracia no Brasil. “Não há dúvidas”, escreveu o ministro em seu despacho, “de que as condutas do presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a democracia.”

A reação de Bolsonaro foi violenta. Em entrevista à Rádio Jovem Pan, o presidente questionou a legalidade da decisão de Alexandre de Moraes, dizendo que se trata de “um inquérito que nasce sem qualquer embasamento jurídico”, pois, segundo sua interpretação, deveria ter sido aberto pela Procuradoria-Geral da República (PGR). “Ele abre, apura e pune? Sem comentário”, disse Bolsonaro. E acrescentou: “Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está. Então, o antídoto para isso também não está dentro das quatro linhas da Constituição”.

Em primeiro lugar, não há qualquer ilegalidade na decisão do ministro Moraes. O Supremo tem a prerrogativa de abrir investigação contra o presidente da República. Já o titular da ação penal continua a ser a PGR, e um processo contra o presidente só terá seguimento se houver apoio de dois terços da Câmara. Logo, tudo está sendo feito “dentro das quatro linhas da Constituição”, como gosta de dizer o presidente.

Quem está fora dessas “quatro linhas” constitucionais é Bolsonaro, ao fazer ameaça explícita de golpe de Estado, declarando, com todas as letras, que pode atropelar a Constituição caso não seja feita sua vontade. Para completar, Bolsonaro, como valentão de briga de rua, declarou que “a hora dele (Alexandre Moraes) vai chegar”.

Sem freios, o desgovernado Bolsonaro só vai parar ao colidir contra o muro das instituições democráticas. Que esse muro aguente o tranco.

Cultura de resistência

O Estado de S. Paulo

Na reinauguração do Museu da Língua Portuguesa, o Brasil foi representado à altura

É difícil imaginar Jair Bolsonaro pisando em um museu por livre e espontânea vontade. Menos ainda no Museu da Língua Portuguesa, lugar de reverência ao idioma tão maltratado pelo presidente da República. Mas, ser chefe de Estado e de governo impõe certos compromissos ao mandatário que, afinal, devem ser atendidos, se não por gosto pessoal, por respeito à chamada liturgia do cargo.

Dito isto, se não chegou a surpreender, envergonhou a Nação a ausência de Bolsonaro, na condição de autoridade máxima do Poder Executivo, na cerimônia de reinauguração do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, no sábado passado. O museu foi reaberto quase seis anos após o incêndio que destruiu o prédio no bairro da Luz, grande parte de seu acervo e causou a morte do bombeiro civil Ronaldo Pereira da Cruz, que, sozinho, deu o primeiro combate ao fogo.

A razão para a ausência de Bolsonaro só ampliou o vexame. Enquanto os presidentes de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e de Cabo Verde, Jorge Carlos de Almeida Fonseca, reinauguravam o museu na capital paulista, Bolsonaro passeava de motocicleta em Presidente Prudente, no interior do Estado, com um grupo de apoiadores. Foi mais um ato de campanha eleitoral extemporânea e mais uma oportunidade para Bolsonaro disseminar suas mentiras sobre a segurança do sistema eleitoral brasileiro.

Questionado sobre a ausência de sua contraparte brasileira, o presidente Marcelo Rebelo disse que só poderia responder por Portugal, mas afirmou que “dança quem está na roda”, citando um ditado do Minho, da região norte de seu país. “Eu estou nesta roda e estou muito feliz por estar nesta roda e nesta dança”, disse Rebelo. “Esta é uma dança que pensa no futuro da língua portuguesa e no futuro de 260 milhões de pessoas que nascem, vivem e morrem em português. Isto, para mim, é o mais importante.” Marcelo Rebelo condecorou o Museu da Língua Portuguesa com a Ordem de Camões, honraria portuguesa dada a pessoas e instituições que trabalham pela amizade entre os países lusófonos e pela divulgação do idioma. 

Se o governo brasileiro não se fez representar, o Brasil foi representado à altura. Os dignatários estrangeiros foram acompanhados pelo governador de São Paulo, João Doria, e pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, dois líderes que não só respeitam a língua pátria, a cultura nacional e a diplomacia, como também a dignidade do cargo que ocuparam. Além de Bolsonaro, Doria convidou todos os ex-presidentes brasileiros para a cerimônia de reinauguração do Museu da Língua Portuguesa. José Sarney não compareceu por apresentar sintomas de gripe. Lula da Silva e Dilma Rousseff também não estiveram presentes, mas enviaram “cartas muito amáveis” agradecendo o convite, segundo o governador paulista. Já Fernando Collor não se manifestou.

Sabe-se bem que Jair Bolsonaro tem um olhar muito rasteiro sobre a cultura do País, que a reduz a mero instrumento de guerra política. O presidente da República é incapaz de compreender a grande importância da cultura para a construção do que se pode chamar de alma nacional. Desde a campanha eleitoral, o setor cultural tem sido um dos alvos mais frequentes de suas mentiras e grosserias. No governo, Bolsonaro tem reduzido a cultura a cinzas. Em alguns casos, literalmente, como foi o caso da negligenciada Cinemateca Brasileira, consumida pelas chamas após sucessivos alertas de risco para incêndio, todos ignorados pelo governo federal. Em boa hora, o governador de São Paulo requereu à União que o controle da Cinemateca Brasileira passe ao governo do Estado, em parceria com a Prefeitura de São Paulo.

A degradação da cultura é parte fundamental do plano de Bolsonaro para apequenar o Brasil. Não chega a ser uma inovação do presidente brasileiro. De fato, não passa pela compreensão de Bolsonaro a separação entre assuntos de Estado e de governo e os seus interesses particulares, mas o ataque à cultura é parte do enredo do novo populismo autoritário que grassa em uma série de países. Para sorte do Brasil, ainda há focos de resistência a esta sanha destrutiva.

Jogo duro contra a inflação

O Estado de S. Paulo

BC muda estratégia e aperta a política de juros para frear a alta dos preços

O Banco Central (BC) decidiu, enfim, impor um freio mais forte à disparada dos preços, um dos piores pesadelos para a maioria das famílias. A política mais dura, já prevista pelo mercado, começa com a elevação dos juros básicos para 5,25% ao ano. Uma alta igual – de 1 ponto de porcentagem – está anunciada para setembro, na próxima reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. O discurso mudou. “A inflação ao consumidor continua se revelando persistente”, segundo a nota distribuída logo depois da decisão. Mantida até junho, a tese otimista de uma pressão temporária parece enterrada. Com a nova orientação, o aperto monetário, com crédito mais caro, deve continuar pelo menos até o fim do ano. Também isso está prometido.

Não haverá surpresa se a taxa básica de juros, a Selic, estiver acima de 7% no fim do ano. Essa taxa tem sido, por várias semanas, a projeção dominante no mercado. Mas alguns grandes bancos já elevaram suas estimativas para 7,5% e pelo menos um já cravou a previsão de 8%.

Antecipando-se ao BC, instituições do mercado já vinham elevando os juros e complicando a operação das empresas, principalmente das médias e pequenas, e reduzindo o socorro a consumidores já muito apertados. Estímulos à atividade econômica ficam, a partir de agora, sob responsabilidade exclusiva do Executivo, mas nenhuma palavra sobre isso aparece no comunicado emitido no começo da noite de quarta-feira.

Desde o início do atual surto inflacionário, no ano passado, o Copom tentou equilibrar-se entre dois objetivos, a contenção dos preços e o estímulo à retomada econômica. A orientação começou a mudar em junho. Abandonou-se a ideia de uma “normalização parcial” dos juros e decidiu-se buscar um nível considerado “neutro”, apenas suficiente para “mitigar a disseminação” dos “choques temporários”. Essa orientação acaba de ser arquivada, assim como a história das pressões temporárias. A decisão, agora, é atingir um patamar “acima do neutro”.

A nova estratégia, segundo a nota, é a mais apropriada para garantir “a ancoragem das expectativas de inflação”. Trata-se, em outras palavras, de transmitir alguma segurança ao mercado. Expectativas também ajudam a formar preços e incertezas podem produzir efeitos inflacionários. Isso vale para a política monetária e para a gestão das contas públicas. Por isso o Copom insiste, em todos os seus comunicados, em apontar os perigos da expansão dos gastos de governo, se essa expansão comprometer a evolução das contas oficiais. Os indicadores de sustentabilidade da dívida pública têm melhorado, segundo a nota, mas “o risco fiscal segue elevado”, podendo alimentar uma inflação acima dos níveis projetados no horizonte relevante.

A advertência sobre a gestão das contas públicas é principalmente um ritual. Quando são competentes e agem com suficiente independência, ministros da área tentam conciliar objetivos econômicos e sociais com metas de segurança fiscal. Não precisam de conselhos da autoridade monetária para evitar, tanto quanto possível, ações irresponsáveis e com potencial inflacionário. Mas dependem, para isso, da seriedade e da capacidade política dos chefes de governo.

No Brasil as condições atuais divergem amplamente desse padrão. Além de trabalhar sem planos bem definidos, o ministro da Economia vive sob pressão dos interesses pessoais do presidente da República e das ambições de uma base parlamentar conhecida por seu fisiologismo. Com o Centrão agora instalado no Palácio do Planalto, essa base tende a exercer sua influência de modo mais amplo e mais fácil, sem preocupação com as limitações fiscais.

Mais do que em qualquer outro momento, os membros do Copom devem proteger o poder de compra da moeda sem esperar do Executivo uma política fiscal prudente e responsável. Ações positivas poderão ocorrer, por empenho da equipe econômica, mas só nos intervalos deixados pelo presidente Jair Bolsonaro no jogo da sobrevivência política e da reeleição. Esses intervalos, tudo indica, deverão ser muito raros.

'Contrarreforma’ eleitoral precisa ser impedida

O Globo

Não bastasse o delírio bolsonarista em torno do voto impresso, caminham céleres na Câmara a ideia esdrúxula de alterar o sistema de eleição de deputados para o pior entre todos — o famigerado “distritão” — e um projeto de mudança no Código Eleitoral que limita a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), torna menos transparente a prestação de contas das campanhas e restringe as informações disponíveis para o eleitor decidir seu voto. O Congresso Nacional tem a obrigação de barrar o avanço de todas essas propostas descabidas.

Relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI) — aliada próxima do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) —, o novo Código Eleitoral foi concebido sob medida para atender aos interesses de políticos fisiológicos. Ao lado da proposta da deputada Renata Abreu (Podemos-SP) que pretende instaurar o “distritão”, constitui uma “contrarreforma eleitoral”, um retrocesso inaceitável na depuração progressiva do sistema partidário iniciada pela minirreforma de 2017.

Desde aquela mudança, as eleições de 2022 são as primeiras em que passarão a valer, simultaneamente, a proibição de coligações nas eleições proporcionais e o patamar mínimo de votos para um partido obter cadeiras na Câmara (conhecido como cláusula de desempenho ou de barreira). É inaceitável, antes mesmo que a mudança seja testada, que se queira mudar o sistema proporcional de votação, a que o brasileiro está habituado, para o “distritão”, em que são eleitos simplesmente os deputados mais votados, desprezando os votos dados aos demais ou às legendas. Trata-se de um sistema que enfraquece os partidos, favorece celebridades e nomes reconhecidos do público.

O segundo braço da “contrarreforma” promovida por Lira é o novo Código Eleitoral, que procura tirar poderes do TSE e adota uma postura permissiva e leniente com as campanhas. Pelo projeto, deixariam de ser crimes eleitorais práticas absurdas em dias de eleição, como uso de alto-falantes, comícios, carreatas, boca de urna e até o transporte dos eleitores. As contas de campanha passariam a ser apresentadas num formato menos transparente. Estaria autorizado o uso do fundo partidário, cujo fim é sustentar a administração das legendas, em todo tipo de despesa, inclusive transporte e propaganda. As multas por desaprovação de contas estariam limitadas a R$ 30 mil (hoje podem chegar a milhões). O Congresso poderia cassar decisões do TSE quando discordasse.

Prevista no texto, a tipificação do crime de caixa dois resultaria em punição mais branda do que a atual. Também acabaria a reserva de recursos para candidaturas de negros e mulheres. Por fim, a divulgação de pesquisas eleitorais — essenciais para o eleitor decidir em quem votar — ficaria proibida até 48 horas antes do pleito. O projeto chega ao desplante de criar um absurdo “percentual de acerto” para tentar avaliar a qualidade dos institutos de pesquisa, revelando incompreensão crassa dos objetivos e das limitações estatísticas inerentes às sondagens.

Lira e o Centrão têm pressa em aprovar as mudanças. Se não conseguirem até outubro, elas não poderão valer nas eleições de 2022. Cabe a todo congressista de bom senso deter quanto antes essa “contrarreforma eleitoral”, para garantir a melhora progressiva da representatividade no Parlamento e a saúde futura da democracia brasileira.

É um erro vacinar jovens antes de completar imunização dos idosos

O Globo

O país atingiu ontem a marca de 105.061.908 vacinados com a primeira dose da vacina contra a Covid-19, praticamente metade da população, e 44.275.685 com a segunda ou dose única (21%). Embora o ritmo atual represente uma melhora em relação ao início claudicante da campanha, ele esconde disparidades. Uma delas, preocupante, é que estados e prefeituras começam a vacinar jovens e adolescentes enquanto a cobertura da população mais idosa não foi concluída.

Como mostrou reportagem do GLOBO, 13% dos idosos ainda estão com a vacinação incompleta, de acordo com números compilados pelo estatístico Elias Krainski, da Universidade Federal do Paraná. Na faixa de 60 a 65 anos, 39% não receberam a primeira dose ou não apareceram para tomar a segunda. Entre os cinquentenários, 86% ainda não estão plenamente vacinados. As secretarias de Saúde precisam empreender uma busca ativa para chegar aos ausentes. Trata-se de um contrassenso vacinar adolescentes e jovens e deixar para trás a população mais vulnerável à doença.

A situação se torna mais desafiadora devido ao avanço da variante Delta, mais contagiosa que as outras cepas. No estado do Rio, ela já está presente em pelo menos 38 dos 92 municípios. Segundo a secretaria estadual de Saúde, no dia 23 de julho, a Delta respondia por 17% das amostras. Na última terça-feira, o percentual tinha subido para 26% (45% na capital). Em São Paulo, a Delta também avança.

Uma vez que apenas a imunização completa tem se mostrado eficaz contra a Delta e que é mais alto o percentual de imunes necessário para deter sua circulação, muitos cientistas têm defendido adiantar a segunda dose em vez de ampliar a aplicação da primeira. Concluir a vacinação dos idosos deveria, também por isso, ser prioridade.

O desequilíbrio na vacinação acontece porque estados e municípios, cada um a seu jeito, estabeleceram estratégias próprias diante da tibieza do Ministério da Saúde para coordenar o Plano Nacional de Imunizações. Embora a vacinação tenha começado no dia 17 de janeiro para todos, os ritmos são diferentes. São Paulo vacinou 59,4% com a primeira dose e 23,5% com a segunda ou dose única. O Amapá, 35,3% e 11,35% respectivamente.

Não é admissível que haja 27 planos de imunização diferentes no país. E que se transforme a campanha numa gincana política. Para o país, de nada adianta um estado vacinar 90% da população enquanto outro ainda não chegou à metade ou não completou a vacinação dos idosos. A meta não deve ser individual, mas coletiva. A epidemia só estará controlada quando a grande maioria da população brasileira estiver protegida. O Ministério da Saúde precisa agir para acabar com essas distorções, fazendo uma distribuição mais racional das vacinas. Já que não há imunizantes sobrando, a prioridade deve ser dada aos mais idosos. Quando eles estiverem devidamente protegidos, entram na fila os jovens e, havendo doses, os adolescentes.

Ensaio de ditador

Folha de S. Paulo

Inação de PGR e Congresso ameaça democracia; urge reagir, até por sobrevivência

Jair Messias Bolsonaro é um presidente contra a Constituição. Comete desvarios em série na sua fuga rumo à tirania e precisa ser parado pela lei que despreza.

Há loucura e há método na sequência de investidas contra a democracia e o sistema eleitoral, ao passo que o país é duramente castigado pela ausência de governo. São demasiadas horas perdidas com mentiras, picuinhas e bravatas enquanto brasileiros adoecem, morrem e empobrecem.

Os danos na saúde, na educação e no meio ambiente, cujos ministérios têm sido ocupados por estafermos, serão sentidos ao longo de gerações.

Os juros sobem e a perspectiva de crescimento cai quando há nada menos que 14,8 milhões de desempregados. A disparada nos preços de energia e comida vitima os mais pobres. Artimanhas para burlar a prudência orçamentária afugentam investidores.

Aqui a insânia encontra o cálculo. Ao protótipo de ditador cujo governo fracassou resta enxovalhar as instituições e ameaçá-las de ruptura pela força.

Mas o uivo autoritário encontrou reação firme de agentes da lei. O Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral incluíram o presidente da República em inquéritos, que precisam ir até o fim.

Os presidentes da Câmara e do Senado e o procurador-geral da República, no entanto, não entenderam o jogo. Por ingenuidade ou interesse equivocado, associam-se a uma figura que se pudesse fecharia o Congresso, o Ministério Público e o Supremo.

Falta ao procurador Augusto Aras perceber que a vaga que ambiciona no STF de nada valeria em um regime de exceção; ao deputado Arthur Lira (PP-AL), que a pusilanimidade de hoje não seria recompensada com mais poder em uma ditadura.

A deliberação sobre os pedidos de impeachment torna-se urgente. Da mesma maneira, os achados e conclusões da CPI da Pandemia devem desencadear a responsabilização do presidente. À Procuradoria cumpre exercer a sua prerrogativa de acionar criminalmente o chefe do governo.

A inação de Aras e Lira põe em risco a democracia; é preciso reagir, até pela própria sobrevivência.

Juros de volta

Folha de S. Paulo

Pressão inflacionária e descrédito no governo levam taxa a alta mais acelerada

Em decisão unânime, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central acelerou o ritmo de alta da taxa básica de juros, que subiu 1 ponto percentual, para 5,25% ao ano. O motivo é a deterioração acentuada nos últimos meses das perspectivas para a inflação.

Além dos fatores temporários relacionados à pandemia —como as dificuldades das empresas em encontrar insumos e o encarecimento das matérias-primas— e de problemas climáticos que puxam preços de alimentos e da energia, o BC vê agora riscos que podem se tornar mais duradouros.

Com o avanço da vacinação, por exemplo, a retomada de atividades deprimidas, como os serviços, amplia a chance de repasses posteriores do choque de custos desde o ano passado, também devido à acentuada desvalorização do real.

O acúmulo de pressões pode levar a inflação ao consumidor neste ano a cerca de 8%, um salto em relação ao que se esperava há poucos meses e muito acima da meta perseguida pelo BC, de 3,75%.

A partir de um certo nível, os mecanismos formais e informais de indexação existentes no Brasil reforçam uma dinâmica inercial que se espalha por toda a economia e contamina as expectativas.

Não por acaso, nas últimas semanas o IPCA projetado para 2022 na pesquisa semanal do BC tem se distanciado gradualmente da meta de 3,5% fixada para o período.

Nesse contexto, diferentemente de países em que as pressões se esgotam com maior rapidez, por aqui são maiores os custos para reverter o processo, na forma de juros mais altos e maior perda de atividade e empregos —problema dramático quando se tem em conta a desocupação e a ampla ociosidade ainda existentes na economia.

É o risco de uma perda de confiança nas metas de inflação que o BC busca agora evitar com uma conduta mais austera. Além da alta mais rápida da Selic, a autoridade monetária indicou a disposição, que não havia antes, de colocar a taxa em nível acima do patamar neutro, aquele que a médio prazo estabiliza a inflação.

Em outras palavras, pretende-se elevar os juros até o ponto necessário para inverter a tendência de aceleração dos preços e fazer com que o IPCA volte a convergir para os objetivos estabelecidos, se não em 2022, ao menos ao longo dos primeiros meses do ano seguinte.

É um absoluto desperdício de oportunidades que o país se veja novamente diante da ameaça de uma taxa elevada, que dificultará a recuperação da atividade.

A culpa é do governo Jair Bolsonaro, que flerta continuamente com a irresponsabilidade na gestão das contas públicas e mina qualquer possibilidade de melhora da confiança na política econômica.

BC aumenta dose de juros contra inflação persistente

Valor Econômico

Com a incógnita que se abre sobre a política fiscal em um ano eleitoral, repousará sobre a política monetária a tarefa de esfriar os preços

As chances de a inflação subir são maiores do que as de cair e o Banco Central resolveu aumentar a intensidade dos ajustes da taxa de juros e, igualmente importante, elevá-la acima da taxa neutra (3%), para aonde rumava até o comunicado anterior da reunião do Comitê de Política Monetária. O BC aumentou em um ponto percentual a Selic, para 5,25%, e indicou que, sem modificações substanciais no cenário, repetirá a dose na reunião do Copom de setembro.

As “condições mais desfavoráveis” para a inflação mostram um acúmulo de pressões que deixaram para trás o diagnóstico inicial, de que eram temporárias. Não apenas os fatores que puxaram o IPCA para cima não cessaram de atuar, como novos impulsos foram adicionados. Os preços das commodities continuaram em alta sem sua mitigação em reais porque o dólar, apesar de um movimento inicial de recuo, voltou a subir em relação à moeda nacional. Da mesma forma, continua havendo problemas de oferta de bens industriais, que devem permanecer no cenário por mais tempo do que se previra. Em suma, há recuperação da demanda enquanto que a oferta de bens permanece avariada.

Já sinalizada na ata do Copom anterior, a ameaça de alta da inflação subjacente de serviços vem se materializando com o aumento da mobilidade decorrente da ampliação do número de vacinados e do correspondente afrouxamento dos limites para atividades que necessitam de interação pessoal. As condições climáticas adversas complicaram um quadro já desconfortável. O preço da energia subiu e a falta de chuvas, aliada a um frio rigoroso em algumas regiões produtoras, jogou de novo os preços dos alimentos para cima.

Como o que está por vir, segundo o Copom, é uma “recuperação robusta do crescimento da economia no segundo semestre”, mesmo com o risco da nova variante Delta, os riscos inflacionários, apesar das doses nada suaves de aumento de juros de 0,75 ponto percentual por mês, seguem em alta. As medidas da inflação subjacente ainda se mantêm “acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação”.

Apesar de no cenário básico do Copom haver fatores de risco em ambas direções, não parece existir muita dúvida de que eles pesam mais do lado de inflação maior. Além do acúmulo de fatores negativos inflacionários terem levado a uma “revisão significativa no curto prazo”, a volta à cena do risco fiscal - com a busca de medidas eleitorais pelo governo que podem por em risco o teto de gastos - é uma péssima notícia. No início da semana, os mercados castigaram o real e os juros futuros em reação ao parcelamento dos precatórios (calote sob outro nome) e às especulações sobre criação de um espaço para gastos maiores com o Bolsa Família fora do teto.

O único fator baixista mencionado é um recuo dos preços das commodities em reais, isto é, nenhum avanço ou avanço modesto nas cotações, acompanhado de uma valorização do real. Quando o déficit nominal revelou-se menor do que o esperado (84% em junho) e o BC manteve o ritmo do aperto monetário, o dólar chegou a ficar abaixo dos R$ 5, mas por muito pouco tempo. A entrega da “alma” do governo ao Centrão pode significar várias coisas, menos garantia de permanência da austeridade fiscal. O início precoce do calendário eleitoral e as ameaças institucionais do presidente sobre as eleições não jogam a favor da estabilidade do dólar, mas da alta.

Resta saber agora até onde vai o ciclo de aperto e em que magnitude cessará. A nova intenção do BC é ir além do juro neutro, algo que, se a meta de 2022 for cumprida, será de 6,5%. No comunicado do Copom, com a Selic a 7% no ano corrente e sua manutenção em 2022, os 3,5% da meta seriam atingidos. Mas esse é um terreno movediço. Quando pressões inflacionárias deixam de ser temporárias e se tornam permanentes, a própria taxa neutra de juros se eleva, dizem economistas.

Em sentido diverso, os juros agirão sobre uma economia que mal crescerá 2% em 2022, ou seja, no jargão, o hiato do produto não se fechará e o desemprego continuará muito alto. Com isso, o juro neutro não se modifica e uma carga menor de Selic seria suficiente para trazer a inflação de volta à meta.

Com a incógnita que se abre sobre a política fiscal em um ano eleitoral, repousará sobre a política monetária a tarefa de esfriar a inflação. É possível então que o BC tenha de elevar os juros além do que imaginava para derrubar um IPCA de 8,35% (em 12 meses em junho) para 3,5% e reancorar as expectativas. Não é uma tarefa fácil.

 

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