Revista Veja
Tantas Jair Bolsonaro fez que acabou se
expondo ao risco de tornar-se inelegível
O destino é um moleque travesso. Já pregou
muitas peças ao Brasil e agora pode pegar de jeito o presidente da República,
que repetidas vezes ameaça o Brasil de não ter eleições em 2022 se não for
feita a sua vontade de acoplar papel às urnas eletrônicas. Tantas Jair
Bolsonaro fez que acabou se expondo ao risco de tornar-se inelegível.
A depender do desenrolar do inquérito do
Tribunal Superior Eleitoral, pode não haver eleição mesmo, mas para ele. Já o
direito — no nosso país transmutado em dever pelo voto obrigatório — do
eleitorado está garantido. Primeiro, porque isso não depende da vontade do
presidente. Segundo, porque assim dita a Constituição. Terceiro, porque não há
condições objetivas de se impedir a realização do pleito.
Por fim, mas não menos importante, há um obstáculo intransponível: a quantidade de gente que vive de votos. São 513 deputados, 81 senadores, 27 governadores, 1 059 deputados estaduais, 5 568 prefeitos e 57 000 vereadores.
Isso sem contar os candidatos a presidente,
os respectivos vices, considerando só os beneficiários diretos, pois existe um
enorme contingente de brasileiros envolvidos no processo de votação,
fiscalização e apuração, todos integrantes do universo de quase 150 milhões de
eleitores do país.
Como se vê, uma parada indigesta a ser
enfrentada pelo chefe do governo e seu cercadinho amigo. Jair Bolsonaro não
será moderado por ninguém. Não foi pelos militares, não será pelo Centrão. É um
imoderado por natureza. Ocorre que as circunstâncias o obrigaram a fazer
inflexão em direção à política e, se com os militares há sempre o fantasma do
golpe, com os políticos o caso é diferente.
Eles não gostam de manobras radicais que
solapem as liberdades por completo, notadamente a de votar, pois é do voto que
vivem. Em ditaduras, políticos são meros coadjuvantes. Nas democracias estão no
comando. Sob estreita vigilância da sociedade, o que não lhes assegura controle
absoluto, mas o papel da política em regimes de liberdade é de protagonista. Às
vezes para o mal, mas no conceito do estado de direito, para o bem.
“O Brasil terá eleição, mas em 2022 talvez
Bolsonaro é quem não tenha condição de concorrer à reeleição”
Esse é um ponto, mas não o único. Concorre
também para a fragilidade da ofensiva em prol da reconfiguração do Estado
brasileiro à imagem e semelhança de doutrina regressiva, a volatilidade das
pautas. Reivindicações que mudam — nas manifestações de rua, inclusive — ao
sabor de circunstâncias e conveniências.
Antes de Sergio Moro virar inimigo, a turma
defendia o pacote anticrime proposto pelo então ministro da Justiça. Tema
arquivado depois de Moro sair do governo atirando. Passou-se, então, a atacar o
Supremo Tribunal Federal, ímpeto arrefecido com medidas judiciais contra
militantes mais agressivos. O furor contra o Congresso sumiu assim que
Bolsonaro chegou-se ao Centrão, bem como reduziram-se os pedidos de intervenção
militar com a investigação sobre os atos antidemocráticos.
A chegada das vacinas e as evidências dos
erros do presidente na gestão da pandemia tiraram da agenda a tentativa de
desqualificação do programa nacional de imunização, que põe o Brasil à frente
de muitos países desenvolvidos, assim como ocorre com o sistema eletrônico de
votação, ora em contestação.
O voto impresso foi o que sobrou. E o que
provocou a mais robusta reação verbal e material da Justiça. No escopo da
investigação aberta no TSE há três pontos já devidamente estabelecidos:
propaganda eleitoral extemporânea, abuso de poder político e uso indevido dos
meios de comunicação social. Os dois últimos bem desenhados na utilização de estruturas
públicas para disseminar desinformação.
Há, portanto, potencial considerável para
que no lugar de Bolsonaro subtrair direitos aos brasileiros fique ele mesmo sem
direito à eleição.
DEFEITO DE FÁBRICA. O que esperar de um
homem que obriga o filho de 17 anos de idade a disputar uma eleição contra a
própria mãe? Foi o que fez Bolsonaro em 2000 quando pôs o filho Carlos para
tirar votos da ex-mulher Rogéria, candidata à Câmara Municipal do Rio de
Janeiro.
Nada muito diferente há de esperar do mesmo
homem que, para pontuar críticas às restrições sanitárias, agrediu a memória de
Bruno Covas ao se referir ao prefeito de São Paulo vítima de câncer em maio
último como “o outro que morreu, fechou São Paulo e foi ao Maracanã”.
Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2021, edição nº 2750
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