Folha de S. Paulo
Bolsonaro prepara-se para botar na rua o
seu Exército, a sua PM ou, estas, sim, suas milícias
Amigo de vários repórteres e comentaristas políticos de televisão, declaro aqui minha solidariedade a eles. Ao referir-se no ar a Jair Bolsonaro, nunca o chamam de "Bolsonaro", o que seria mais que suficiente, mas de "presidente Jair Bolsonaro". Imagino que a etiqueta do veículo obrigue a isso —para que, por mais indigno o ato ou desacato de Bolsonaro naquele dia, mantenha-se uma sóbria objetividade. O problema é que, como têm de falar-lhe o nome de 30 em 30 segundos, a dejeção de presidentesjairbolsonaros ao microfone é maior do que os estômagos merecem suportar.
Há dias, numa rara saída à rua, aqui no
Rio, vi-me diante de uma TV ligada num botequim, ao lado de pessoas assistindo
de pé a um programa sobre mais uma afronta à democracia e à nação. Sempre que o
jornalista começava a pronunciar "o presidente Jair Bolsonaro", um
cidadão na calçada cobria a sua voz em alto e bom som com uma qualificação
diferente: "o corrupto Jair Bolsonaro", "o mentiroso Jair
Bolsonaro", "o genocida Jair Bolsonaro", "o golpista Jair
Bolsonaro", "o terrorista Jair Bolsonaro" e outros termos
impróprios em letra de forma. O homem foi aplaudido pelos dois lados da rua.
Ao mesmo tempo, alguns leitores perceberam
que, quando levado a conspurcar este espaço com o nome Bolsonaro, nunca me
refiro a ele como "o presidente Fulano de Tal". Escrevo "Jair
Bolsonaro". Não só por razões sanitárias, mas porque não lhe devo tal
consideração. Não o considero presidente do Brasil. Preside sua casta, dia a
dia reduzida, e o círculo de civis e fardados que, por razões bem próprias, o
sustenta.
E a cada dia fica mais óbvio —perigosamente
óbvio— o que aqui também se afirma há dois anos: que, sob qualquer pretexto,
Bolsonaro tentará botar gente armada na rua, seja o "seu" Exército, a
"sua" PM ou, estas, sim, suas milícias.
Resta ver se o Brasil reagirá como Brasil
ou como o país que ele também acha que é dele.
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