Correio Braziliense
A expectativa de poder
que Bolsonaro mantém não se sustenta no projeto eleitoral, mas no governo como
forma concentrada de poder e na narrativa do golpe de Estado
A pesquisa XP-Ipespe divulgada ontem mostra
que Jair Bolsonaro derreteu eleitoralmente — perde para qualquer concorrente no
segundo turno, se as eleições fossem hoje. Mais ainda, pode até ser derrotado
pelo ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva no primeiro turno, se mantiver a
polarização com o petista e conseguir inviabilizar a chamada “terceira via”,
como pretende. Segundo o cientista político Antônio Lavareda, mesmo com o
recesso da CPI da Covid e o bom desempenho do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio,
que reduziram o noticiário negativo, o mau humor dos brasileiros com o
presidente da República aumentou.
Não faltam motivos para isso, apesar do avanço da vacinação em massa e da redução do número de óbitos diários pela covid-19, que o povo atribui aos governadores e aos prefeitos. Com justa razão, Bolsonaro é identificado com o vírus da pandemia e não com a vacina. Fez tudo o que podia e não deveria para isso. Ontem mesmo, andou falando que as pessoas que tomaram a CoronaVac, a vacina chinesa produzida pelo Instituto Butantan, estão morrendo. Sua avaliação positiva caiu de 22 para 21%, enquanto a de governadores subiu de 36% para 46% e a dos prefeitos, de 45% para 55% — mesmo com o presidente da República culpando-os pela crise sanitária.
O estrago feito pelo ex-ministro Eduardo
Pazuello e sua equipe de militares na Saúde, desnudado pela CPI do Senado, é
irreversível: 57% da população acreditam no envolvimento do governo e de alguns
de seus membros na corrupção. O apoio à CPI é robusto e inversamente
proporcional: 57%. Na pesquisa, 67% dos entrevistados disseram que acompanham a
CPI e 74% dos brasileiros perderam um parente, amigo ou colega na pandemia. O
pior dos mundos para Bolsonaro é a percepção da economia, negativa para 63% da
população. Em julho, eram 57%.
Ou seja, mesmo com alguns indicadores
positivos, como o crescimento do PIB, e medidas recentes para ajudar a
população de mais baixa renda, como o Auxílio Brasil, o programa federal que
substituirá o Bolsa Família, o povo se queixa da inflação, dos juros altos e do
desemprego, que formam um círculo vicioso. Nas simulações eleitorais,
Bolsonaro perderia para Lula, Ciro Gomes, Sergio Moro, Luís Henrique Mandetta,
João Doria e Eduardo Leite. Se aparecer mais um candidato, talvez perca para
ele também. A expectativa de poder que mantém não se sustenta no seu projeto
eleitoral, mas no governo como forma mais concentrada de poder e na narrativa
do golpe de Estado. Esse é o xis da questão.
O ministro da Defesa, Braga Neto,
compareceu ontem à Câmara para dizer que a ameaça de não realização das
eleições, caso não fosse aprovado o voto impresso, nunca houve e é um assunto
encerrado. É mesmo, porque a Câmara enterrou a proposta. Mas a narrativa
golpista de Bolsonaro continua. É construída sobre três pilares: a disseminação
da suspeita de fraude eleitoral para beneficiar a candidatura de Lula, o falso
papel moderador que atribui às Forças Armadas nas relações entre os Poderes e o
questionamento da autoridade do Supremo Tribunal Federal (STF) na exegese da
Constituição.
Vivandeiras
Bolsonaro escala seu confronto com os ministros
do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do inquérito das
fake news, e Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), para provocar uma grave crise institucional e arrastar as Forças Armadas
para a aventura de um golpe de Estado, antecipando-se à derrota eleitoral que
vislumbra no horizonte. Exuma o velho castilhismo castrense da Revolução de
1930, percorre quartéis e campos de manobras como “comandante supremo das
Forças Armadas”. Parece uma daquelas “vivandeiras alvoroçadas” que percorriam
os bivaques para “bulir com os granadeiros e pro- vocar extravagâncias do poder
militar”, como disse, certa vez, o marechal Castello Branco, referindo-se aos
políticos golpistas.
Os políticos do Centrão, entre os quais o novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tiram proveito da situação para avançar sobre cargos do governo e verbas do Orçamento da União, mas, até agora, não embarcaram no projeto golpista. Um golpe de Estado, quando nada, anularia todo o poder de barganha que hoje desfrutam. Além disso, não têm a mesma ojeriza dos militares a Lula, pois foram seus aliados quando o PT estava no poder — alguns até foram ministros. Atuam como a turma do deixa disso, mas não estão tendo sucesso na tentativa de protagonizar e viabilizar o projeto de reeleição de Bolsonaro.
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