O Globo
O ministro Paulo Guedes reafirma sua
tranquilidade com a condução da política fiscal - inclusive a proposta de
parcelamento de precatórios. Para ele, a alta nos juros de mercado decorre de
um “barulho” causado por análise equivocada do mercado quanto à reação de
Bolsonaro à candidatura de Lula – trocando em miúdos, o medo de populismo.
Guedes não reconhece o estrondo da inflação produzido pelo aumento cotidiano do
risco fiscal.
As expectativas inflacionárias dos
analistas de mercado atingiram 7,05% em 2021 e 3,9% em 2022, ante metas de
3,75% e 3,5%, respectivamente. Essas projeções se referem ao cenário básico das
instituições e, não necessariamente, embutem elevada convicção ou
probabilidade.
Há muitas incertezas, que se refletem nas
taxas de inflação de mercado (taxa implícita nos títulos indexados ao IPCA)
acima de 5% para 2021, e em alta.
De fato, é difícil acreditar em recuo tão expressivo no ano que vem, diante dos muitos riscos e da natural resistência da inflação em um país com economia ainda indexada.
Exemplo disso são os reajustes salariais
nas negociações coletivas praticamente repondo a elevada inflação passada, o
que realimenta o processo inflacionário.
O IPCA atingiu 9% na variação anual (7,4%
para preços livres, ou seja, excluindo os preços administrados) e está bem
disseminada na cesta de consumo. Os números guardam semelhança com os do
governo Dilma em 2014, mas com o dobro de taxa de desemprego.
O retrato não é bom, e as perspectivas,
tampouco. Naquilo que o BC chama de balanço de riscos, ou seja, fatores que
podem ajudar ou atrapalhar a convergência da inflação às metas, o resultado
líquido pende para mais altas nas projeções atuais.
As leituras mensais da inflação de serviços
voltaram a correr em linha com o padrão dos últimos anos e podem subir mais,
pois a demanda de serviços prestados às famílias - em recuperação - está 20%
abaixo do pré-pandemia.
Há pressão de custos a ser repassada pelo
varejo, já que a inflação de bens finais no atacado tem rodado acima de 22% ao
ano enquanto a mesma medida no varejo está em 10% - ambas costumam caminhar
juntas. A inflação disseminada reduz o temor do comércio de perder vendas ao
reajustar preços, especialmente quando recompõe estoques.
É verdade que a pressão de custos do
atacado poderá arrefecer, pois a desaceleração no comércio mundial contribui
para refrear a alta de preços de commodities. Fica a dúvida quanto à cotação do
dólar. A alta da Selic ajuda a conter a depreciação cambial, mas não faz
milagre diante dos riscos fiscais.
A inflação mundial também é fator de risco,
especialmente a dos EUA – também sofre com os excessos nos gastos do governo.
Há dois canais de contaminação: o próprio impacto indireto na inflação
doméstica (pelas importações) e a perspectiva de elevação da taxa de juros do
Fed e, assim, da cotação do dólar.
Nos EUA, os preços de insumos da indústria
acumulam alta expressiva (25% na variação anual), que deverá ser repassada aos
bens de consumo no atacado (11%), a julgar pela elevada aderência entre essas
variáveis. Depois, do atacado para o varejo.
Além disso, há alguns sinais de aperto no
mercado de trabalho, apesar de o desemprego não ter retornado ao pré-crise.
De um lado, a abertura de vagas como
proporção da população está bem acima da tendência histórica e, de outro, a
oferta de trabalho se retraiu. Há relatos de dificuldades de recrutamento pelas
empresas – algo citado pelo Fed. Podem decorrer do medo da Covid-19 e da ajuda
monetária recebida do governo americano; fatores passageiros, mas que, diante
da perda de ritmo da vacinação, podem durar o suficiente para pressionar
salários. A remuneração do trabalho (salários e benefícios) no primeiro
semestre subiu 4,1% na variação anual ante inflação (núcleo) média de 2,6%.
Não faltam motivos para preocupação do BC -
o que lhe faltou foi desconfiar das promessas de responsabilidade fiscal.
A alta da Selic não mudará o quadro tão
cedo, por conta de seu efeito defasado sobre a inflação. Sem contar que parte
do trabalho do BC será enxugar gelo, compensando os excessos fiscais. O BC, por
ora, dependerá de sorte para a inflação cair, como a seca deixar de pressionar
os preços de alimentos e, talvez, as tarifas de energia - o alívio seria mais
moderado, segundo a Aneel.
O BC está sozinho e o fardo é grande. Boa
sorte, BC!
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