O Estado de S. Paulo
Convém deixar que Bolsonaro se enrole na
sua própria teia e consuma seu próprio veneno
O clima de Brasília está irrespirável. O
ambiente funde o medo da morte, impregnado na nova expansão da pandemia
descontrolada, com o desvario constante do homem que domina os palácios da
capital. A cidade se transformou, desde o início, em campo de provas da negação
da ciência, da vida e do bom senso. Um novo apocalipse.
Falsidades e mentiras são multiplicadas a
cada dia da gestão Jair Bolsonaro. O presidente insiste em atacar, violentar,
agredir, instituições e pessoas. Convém deixar que se enrole na sua própria
teia e consuma seu próprio veneno. O que importa verdadeiramente é a
sobrevivência dos cidadãos.
Pode-se listar as manobras rocambolescas de Bolsonaro:
1 - O pedido de impeachment dos ministros
do Supremo não se deve a uma solidariedade fraternal ao ex-deputado preso Roberto
Jefferson. Afinal, até o presidente sabe que não foi mera liberdade de
expressão o que ele cometeu. A série de fotos e desaforos do ex-deputado,
armado até os dentes, ameaçando autoridades, pelas redes sociais, não deixa
dúvidas. Os provocadores, porém, aos ouvidos de Bolsonaro, o lembraram que,
depois de Jefferson, o próximo alvo seria Carlos Bolsonaro.
2 - Ao reagir furioso ao encontro do
ministro Luís Roberto Barroso com o vice-presidente Hamilton Mourão, Bolsonaro
deu curso a seu traço marcante, de aplicar a tudo a teoria da conspiração.
Avaliou que tal reunião se destinava a tramar sua derrubada da Presidência,
deixando o poder com o vice. Foi do que se queixou, sem meias-palavras, a
membros do Judiciário.
3 - A insistência com que repete que não haverá
eleição no ano que vem, ameaça respaldada pelo general-ministro da Defesa, não
define como e com quem dará o golpe. Um novo AI-5? Como ficariam os mandatos
dos deputados e senadores? Os governadores terão seu tempo prorrogado? O
Centrão, que se alimenta de eleições, concordará em extingui-las?
Com estas e muitas outras imprecisões e
omissões, Bolsonaro conseguiu desviar a atenção do desastre do seu governo. Em
todas as áreas, mas, em especial, na gestão da pandemia, que não acabou. Embora
tenha se tornado tão incômoda aos seus planos eleitorais que o presidente nem
sequer menciona mais a sua querida cloroquina.
A mobilização da sociedade está sendo
insuficiente para conter as sucessivas ondas de insegurança geradas em cada
palavra, gesto ou movimento do presidente.
Assim, o País precisa voltar ao que
interessa, ao foco do qual o presidente quer desviar a atenção do eleitorado.
A constante morte de famosos lembra que a
pandemia persiste e exige novas ações de combate. Outros países mais bem
posicionados que o Brasil no enfrentamento da crise já estão retomando
mecanismos extremos, como o lockdown. A pandemia se mostra viva e mutante. Até
tirou a máscara do quarto ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Marcelo
Queiroga.
Posando de bom moço que nada devia à
sociedade pelos malfeitos de seus antecessores, Queiroga entrou firme na
campanha eleitoral da reeleição. Até transgrediu o plano nacional de
imunização, reduzindo as doses de vacina devidas proporcionalmente a São Paulo.
Mesquinharia incompatível com a gravidade da situação e mais uma questão para a
Justiça arbitrar.
Ocupado apenas com seu destino e seu
previsível fim, Bolsonaro inventa um enredo em que ele mesmo é o mocinho, o
bandido, o padre, o pastor, o médico, o juiz de paz, o prefeito, o governador e
a tropa de ataque à cidadela sitiada.
O que é mais mortal? Este Bolsonaro ou o coronavírus? A doença, é verdade, aproveita-se das populações mal governadas e abandonadas à própria sorte. Mas as instituições também precisam ampliar o seu papel de resistência. As convulsões diárias do faroeste bolsonarista não merecem tanta atenção.
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