quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Armando Castelar Pinheiro* - Virada de humor

Valor Econômico

Há um sério risco de que a qualidade da política econômica deteriore em função das prioridades eleitorais

A vitória democrata nas eleições para o Senado americano, no início de janeiro, e o início da vacinação contra a Covid se somaram para criar um clima de otimismo no início de 2021. Este, por sua vez, deu origem a apostas na forte recuperação da atividade econômica, que de fato ocorreu, com altas significativas do PIB global no primeiro semestre. Junto veio uma forte pressão inflacionária, com altas significativas de preços de commodities e bens industriais, onde os gargalos de oferta e os baixos estoques contrastaram com a pujança da demanda.

A expectativa, que se mostrou correta, era de que os bancos centrais nos países ricos, em especial nos EUA e na Área do Euro, não reagiriam a essas pressões, mantendo a política monetária expansionista de 2020 praticamente inalterada. Isso abria espaço para uma forte recuperação das economias emergentes, ainda que defasada em relação aos países ricos, pelo avanço mais lento da vacinação.

Esse cenário tornava os ativos desses países atraentes para os investidores, especialmente naqueles que, como o Brasil, são grandes produtores de commodities. De fato, no segundo trimestre o risco país dos emergentes caiu, enquanto suas moedas e ações se valorizaram.

No Brasil, em especial, o segundo trimestre foi bastante favorável, beneficiado não só pelo maior apetite dos investidores pelo risco, mas também pela gradual normalização da política monetária e resultados fiscais surpreendentemente bons, puxados, entre outros, por uma forte alta das receitas públicas e por juros reais negativos na dívida pública. Assim, nesse período o real se valorizou (12%), o Ibovespa subiu (8%) e o risco país caiu (44 pontos base).

A expectativa era mais do mesmo no segundo semestre. Afinal de contas, a vacinação acelerou e se esperava que a vida gradativamente voltasse (quase) ao normal, puxando a demanda por serviços e, com estes, o emprego. Isso abriria espaço para uma nova rodada de expansão cíclica, puxada pelo consumo e o investimento domésticos. A tendência, assim, seria uma renovada valorização dos ativos brasileiros.

Confesso que ainda não abandonei de todo esse cenário, mas reconheço que o mesmo não parece ocorrer com o consenso de mercado. Pelo contrário, este parece tomado por uma forte onda de mau humor. O que aconteceu?

O humor começou a virar primeiro lá fora, por conta do surgimento da variante Delta, bem mais contagiante, que agora se espalha pelo resto do mundo. Na Ásia, em especial na China, ela tem levado a nova onda de restrições à mobilidade e a uma reprise, em menor escala, do que ocorreu no início de 2020. O cenário também piorou em outros países. É o que revela, por exemplo, o índice de confiança do consumidor americano (Universidade de Michigan), que caiu em julho (-5%) e despencou (-13,5%) em agosto, para um nível inferior ao pior momento de 2020.

Também começou a entrar no radar a perspectiva de que o Fed, o BC americano, comece a reduzir suas compras de títulos, ora de US$ 120 bilhões ao mês, na virada do ano. Um anúncio nessa direção pode ocorrer já em setembro. Na última vez que isso ocorreu, em 2013, os ativos de emergentes sofreram bastante.

Tudo isso aumentou a aversão ao risco, fazendo o dólar se valorizar e o rendimento dos títulos públicos americanos cair com força, na contramão do que se apostava no início do ano. Com isso os emergentes ficaram menos atraentes, fazendo com que nas últimas seis semanas as moedas e as ações se desvalorizassem e o risco país voltasse a subir.

Essa onda, naturalmente, afetou o Brasil. Nós também tivemos, porém, a nossa parcela de culpa. A redução do espaço para maiores gastos públicos em 2022, por conta da inflação mais alta neste segundo semestre e do salto na despesa com precatórios, levou a propostas “criativas” que enfraquecem o Teto de Gastos. A intempestiva proposta de reforma do imposto de renda, que, a meu ver, se tenta aprovar de forma algo açodada, também aumenta a incerteza e desestimula o investimento. Junto com movimentos difíceis de explicar na área política, se antecipou o debate eleitoral e a escalada no risco político.

Dado esse quadro, o que esperar para o resto do ano? Eu sigo apostando que o avanço da vacinação vai prevalecer. É o que se depreende da experiência do Reino Unido. No Brasil essa tende a ser particularmente benéfica, em função das altas taxas de vacinação que devemos atingir no quarto trimestre, bem mais elevadas do que, por exemplo, nos EUA. Também vejo os países emergentes - o Brasil, em especial - mais preparados que em 2013 para o início do “tapering”, ainda que reconhecendo que esse vai gerar alguma volatilidade.

Por outro lado, corremos um sério risco de que a qualidade da política econômica deteriore em função das prioridades eleitorais. Isso elevaria ainda mais a incerteza, em um ambiente em que tanto a política fiscal como a monetária se tornarão mais contracionistas. O resultado seria uma recuperação da atividade mais modesta do que a normalização pela vacinação tenderia a produzir. Um tiro no pé? Sim, mas nem por isso improvável.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

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