O Estado de S. Paulo
Hoje, emendas de relator são uma terra de ninguém
a sustentar o toma lá dá cá
O ritmo de liberação das polêmicas e
cobiçadíssimas emendas de relator do Orçamento tem causado um clima de desconfiança geral
no Congresso. Mais do que empenhar o gasto, é preciso pagar.
Como não há transparência nenhuma na
distribuição dessas emendas, a suspeita de muitos senadores é a de que o relator,
o senador bolsonarista Márcio Bittar,
está passando para trás o Senado em
favor dos deputados.
Tudo seria por orientação do ministro
da Casa Civil, Ciro Nogueira,
que quer um ambiente menos beligerante no Senado para aprovar as pautas de
interesse do governo, principalmente na Comissão de Constituição e Justiça,
presidida pelo senador Davi Alcolumbre.
Ciro se licenciou do Senado e ganhou o
gabinete no Palácio do Planalto justamente para melhorar a governabilidade por
lá, onde há maior resistência ao governo e à pauta do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Era mais do que esperada essa desordem por
conta das emendas de relator, chamadas na linguagem orçamentária de RP9 e que
são a origem do chamado orçamento secreto, revelado pelo Estadão.
O esquema montado tem garantido apoio ao presidente das lideranças do Centrão e foi a moeda de troca que viabilizou acordos como o da aprovação do projeto do Imposto de Renda na Câmara, que contou com apoio dos partidos de esquerda para passar.
As suspeitas tendem a aumentar porque têm
pela frente toda a negociação do Orçamento, que envolve uma solução para
o pagamento de R$ 89 bilhões de precatórios em 2022 e o
valor do novo programa Bolsa Família,
o Auxílio Brasil.
A mesa de negociação vai envolver a
liberação de emendas de relator de 2021 e também de 2022. Um verdadeiro
banquete de emendas, enquanto faltam recursos para outras áreas.
Muitos acordos já estão sendo feitos com
base nas emendas de relator do ano que vem, que serão importantes para a
eleição dos parlamentares na campanha de 2022.
Das emendas de relator deste ano, o governo
já empenhou R$ 5,2 bilhões dos R$ 16,8 bilhões previstos. Isso quer dizer que
ainda há R$ 11,6 bilhões para o governo derramar em barganhas políticas. Em 2020,
elas somaram R$ 20,1 bilhões. Se para 2022 o mesmo patamar de 2021 for mantido,
serão R$ 53,7 bilhões de emendas de relator, mais de um orçamento e meio da
verba atual do Bolsa Família.
Pelo tamanho das cifras e da implicação
política da compra de votos com uso das emendas de relator, está mais do que na
hora de o Ministério da Economia atender à orientação do Tribunal de Contas da União de dar transparência aos
recursos destinados por essas emendas com um mecanismo de rastreabilidade.
No processo orçamentário, os parlamentares
podem até dizer que têm o direito de querer interferir mais na destinação de
recursos (que assumam depois as consequências). Mas é preciso estar tudo às
claras.
A coluna apurou que, após o aviso do TCU,
os técnicos da equipe econômica começaram a construir um sistema para mostrar a
“trilha” do caminho das emendas ao longo do processo orçamentário: quem recebeu
e quanto e para onde foi. Mas até agora não foi implantado. Havia uma esperança
de que o presidente Bolsonaro vetasse essas emendas em 2022, o que não
aconteceu. O governo diz para perguntar ao relator-geral, que por sua vez não
apresenta os nomes dos parlamentares. E a Controladoria-Geral da União não dá a transparência
necessária.
Do jeito que está dá pra saber o tamanho do
bolo, mas não para quem vão as fatias. Nem a divisão entre Senado e Câmara está clara. Nos bastidores, a conta é de que R$ 11
bilhões foram para o presidente da Câmara, Arthur Lira,
dividir e o restante, para o Senado repartir.
O discurso do governo de que está tudo
certinho com essas emendas caiu por terra nesta semana depois que, por
orientação da CGU, o Ministério do Desenvolvimento Regional decidiu suspender ou renegociar contratos que somam R$ 3 bilhões que seriam
destinados à compra de máquinas agrícolas a pedido de deputados
e senadores por meio desse esquema do orçamento secreto. O motivo: sobrepreço.
Hoje, emendas de relator são uma terra de ninguém
a sustentar o toma lá dá cá e um barril de pólvora para novos escândalos de
corrupção.
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