quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Malu Gaspar - O segredo da pax bolsonariana

O Globo

A bolha digital brasileira se impressionou com o fato de a pax bolsonariana ter sido celebrada num jantar com alguns dos mais icônicos exemplares da elite nacional. O vídeo que viralizou nas redes sociais, no dia seguinte, mostrava uma confraternização de personagens como Naji Nahas, Gilberto Kassab (PSD) e, claro, Michel Temer (MDB), vindos diretamente de outros enredos da nossa história para dar o fecho talvez mais insólito, e ao mesmo tempo mais representativo, à crise provocada pelos atos golpistas de Jair Bolsonaro no dia 7 de setembro.

Não deveria haver motivo para espanto. Em torno daquela mesa paulistana, rica, branca e masculina, estavam figuras que se envolveram em algumas das principais crises políticas da Nova República, tanto para fomentá-las como para desfazê-las. Dada a escassez de solucionadores de problemas nesta quadra recente, não chega a ser surpreendente que se precisasse recorrer a uma raposa política como Michel Temer para desatar o nó de 7 de setembro.

O que espantou foi a rapidez com que Temer fez Bolsonaro ir do pré-golpe ao quase absoluto silêncio em 48 horas. E, apesar das inúmeras entrevistas que já deu sobre o episódio, o ex-presidente ainda não respondeu, afinal, o que de fato se acertou entre ele, Bolsonaro e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes entre os dias 8 e 9 de setembro.

Está claro é que, agora, Temer, Bolsonaro e Moraes compartilham um segredo. E que esse segredo é capaz de fazer Bolsonaro se calar, tanto a respeito das imitações e piadas sobre ele no jantar, como também sobre a confraternização de Temer com alguns de seus desafetos, como o próprio Kassab e o suplente de Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), Paulo Marinho (PSDB-RJ), que rompeu com o presidente da República logo depois da eleição.

Pelo nível de tensão não só no entorno de Bolsonaro, como também no de Moraes naqueles dias, é possível que se estivesse chegando a um ponto em que não só o presidente da República, mas também o ministro, tivessem mais a perder com o avanço da crise do que com um recuo.

Não esqueçamos que o amigo de décadas de Michel Temer não é Bolsonaro, e sim Moraes, ex-ministro da Justiça de seu governo, nomeado por ele para a vaga no Supremo. E que Temer entrou em ação com o aval do ministro, o que indica que também ele tinha interesse numa pacificação. Amigos de Moraes têm dito, em conversas privadas, que ele não queria mais ser hostilizado nas ruas pelo inquérito das fake news e temia pela própria segurança, mas ninguém garante que não tenha havido mais elementos a influir na formação dessa trégua.

Independentemente do que venha a se revelar, a pax bolsonariana (ou seria pax temerista?) produziu um novo equilíbrio de forças, em que o entorno do ex-presidente e a ala do Supremo representada por Moraes adquiriram papel fundamental. A partir de agora, Temer entra para o rol de credores de Bolsonaro. Não deixa de ser simbólico que o ex-presidente — logo ele — tenha repetido várias vezes à mesa de jantar que um impeachment não faria bem ao país.

Temer sabe mais do que ninguém que um governo fraco faz a alegria de muita gente em Brasília. E sabe, também, que talvez não seja agora o momento de jogar Bolsonaro às cobras, uma vez que ainda restam poucos meses para o início da campanha eleitoral.

Além disso, um impeachment tem custo não só para quem perde o cargo, mas também para todo o ecossistema parasitário da lógica política reinante. No momento em que os dois principais candidatos à Presidência em 2022 trabalham para manter essa lógica funcionando até o final, talvez seja mais adequado ver a articulação de Temer como uma espécie de coringa, que tanto serve a Bolsonaro como a seu principal oponente, Lula. Não são poucos os participantes do convescote paulista que poderão estar com o petista em 2022, se for esse o movimento mais conveniente.

Daí por que fica difícil ver o espanto de algumas correntes com as cenas registradas em São Paulo sem uma ponta de incredulidade ou cinismo. A pacificação promovida por Temer serve a muita gente, não só a Bolsonaro. Por essa régua, as risadas em torno das imitações de André Marinho talvez tenham sido as mais ingênuas da noite.

 

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