O Globo
A bolha digital brasileira se impressionou
com o fato de a pax bolsonariana ter sido celebrada num jantar com alguns dos
mais icônicos exemplares da elite nacional. O vídeo que viralizou nas redes
sociais, no dia seguinte, mostrava uma confraternização de personagens como
Naji Nahas, Gilberto Kassab (PSD) e, claro, Michel Temer (MDB), vindos diretamente
de outros enredos da nossa história para dar o fecho talvez mais insólito, e ao
mesmo tempo mais representativo, à crise provocada pelos atos golpistas de Jair Bolsonaro no dia 7
de setembro.
Não deveria haver motivo para espanto. Em
torno daquela mesa paulistana, rica, branca e masculina, estavam figuras que se
envolveram em algumas das principais crises políticas da Nova República, tanto
para fomentá-las como para desfazê-las. Dada a escassez de solucionadores de
problemas nesta quadra recente, não chega a ser surpreendente que se precisasse
recorrer a uma raposa política como Michel Temer para desatar o nó de 7 de
setembro.
O que espantou foi a rapidez com que Temer fez Bolsonaro ir do pré-golpe ao quase absoluto silêncio em 48 horas. E, apesar das inúmeras entrevistas que já deu sobre o episódio, o ex-presidente ainda não respondeu, afinal, o que de fato se acertou entre ele, Bolsonaro e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes entre os dias 8 e 9 de setembro.
Está claro é que, agora, Temer, Bolsonaro e
Moraes compartilham um segredo. E que esse segredo é capaz de fazer Bolsonaro
se calar, tanto a respeito das imitações e piadas sobre ele no jantar, como
também sobre a confraternização de Temer com alguns de seus desafetos, como o
próprio Kassab e o suplente de Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), Paulo Marinho
(PSDB-RJ), que rompeu com o presidente da República logo depois da eleição.
Pelo nível de tensão não só no entorno de
Bolsonaro, como também no de Moraes naqueles dias, é possível que se estivesse
chegando a um ponto em que não só o presidente da República, mas também o
ministro, tivessem mais a perder com o avanço da crise do que com um recuo.
Não esqueçamos que o amigo de décadas de
Michel Temer não é Bolsonaro, e sim Moraes, ex-ministro da Justiça de seu
governo, nomeado por ele para a vaga no Supremo. E que Temer entrou em ação com
o aval do ministro, o que indica que também ele tinha interesse numa
pacificação. Amigos de Moraes têm dito, em conversas privadas, que ele não
queria mais ser hostilizado nas ruas pelo inquérito das fake news e temia pela
própria segurança, mas ninguém garante que não tenha havido mais elementos a
influir na formação dessa trégua.
Independentemente do que venha a se
revelar, a pax bolsonariana (ou seria pax temerista?) produziu um novo
equilíbrio de forças, em que o entorno do ex-presidente e a ala do Supremo
representada por Moraes adquiriram papel fundamental. A partir de agora, Temer
entra para o rol de credores de Bolsonaro. Não deixa de ser simbólico que o
ex-presidente — logo ele — tenha repetido várias vezes à mesa de jantar que um
impeachment não faria bem ao país.
Temer sabe mais do que ninguém que um
governo fraco faz a alegria de muita gente em Brasília. E sabe, também, que
talvez não seja agora o momento de jogar Bolsonaro às cobras, uma vez que ainda
restam poucos meses para o início da campanha eleitoral.
Além disso, um impeachment tem custo não só
para quem perde o cargo, mas também para todo o ecossistema parasitário da lógica política
reinante. No momento em que os dois principais candidatos à Presidência em
2022 trabalham para manter essa lógica funcionando até o final, talvez seja
mais adequado ver a articulação de Temer como uma espécie de coringa, que tanto
serve a Bolsonaro como a seu principal oponente, Lula. Não são poucos os
participantes do convescote paulista que poderão estar com o petista em 2022,
se for esse o movimento mais conveniente.
Daí por que fica difícil ver o espanto de
algumas correntes com as cenas registradas em São Paulo sem uma ponta de
incredulidade ou cinismo. A pacificação promovida por Temer serve a muita
gente, não só a Bolsonaro. Por essa régua, as risadas em torno das imitações de
André Marinho talvez tenham sido as mais ingênuas da noite.
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