O Globo
Vai de vento em popa a Era do Desmonte,
como pode ser conhecida esta etapa da vida nacional em que se materializou a
tese do ex-senador Romero Jucá de que era preciso “estancar a sangria” num
grande acordo “com o Supremo, com tudo” para deter a atuação da Operação
Lava-Jato, que levou à cadeia pela primeira vez na nossa História figurões da
política e do mundo empresarial.
Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou os julgamentos do
ex-presidente Lula, sob a alegação de que o então ministro Sergio Moro foi
parcial contra ele, vão caindo por terra todas as condenações contra os
envolvidos no escândalo de corrupção conhecido por “petrolão”, especialmente as
de Lula.
O ministro Gilmar Mendes garantiu que a decisão da Segunda Turma que então
presidia valia apenas para o caso do apartamento no Guarujá. No entanto, a
começar por ele, todos os juízes passaram a anular outros processos ou a
arquivá-los, sob o pretexto de seguir a decisão original do STF.
A reação a Moro e aos procuradores de Curitiba ganhou força institucional
quando o presidente Bolsonaro, para tentar salvar-se e aos filhos, forçou a
saída de Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública e caiu nos braços do
Centrão, maior núcleo político de investigados e condenados na Lava-Jato.
Os vazamentos das conversas entre procuradores e deles com o então juiz Moro,
mesmo sendo ilegais por ter origem em invasão de celulares, foram usados até
mesmo por ministros do STF como reforço das acusações. A Segunda Turma passou a
liberar todos os parlamentares denunciados pelos procuradores ou condenados por
Moro, alegando motivos variados: transferiu para a primeira instância, ou para
a Justiça Eleitoral, as acusações de corrupção, como se fossem meras infrações
eleitorais; ou simplesmente arquivou processos; ou então os fez retroceder por
erro de jurisdição.
O Congresso logo entrou como parte fundamental desse festival de licenciosidade
e passou a aprovar diversos projetos que desmontam o combate à corrupção, sem o
menor pudor. O senador Weverton Rocha, do PDT, é o relator do projeto que abre
brechas na Lei de Improbidade Administrativa, eliminando punições a agentes
públicos — ele que é réu em ação civil de improbidade e em ação penal por
peculato.
Como de costume, numa votação noturna, também o Senado aprovou um projeto que
flexibiliza ainda mais a Lei da Ficha Limpa, garantindo que gestores públicos
cujas contas foram rejeitadas, mas punidos com multas, possam se candidatar. A
Câmara já havia aprovado mudanças que amenizam as punições da Lei de Ficha Limpa,
fazendo com que a inelegibilidade passe a ser contada a partir da punição, e
não após o término da pena, como previsto originalmente.
A cereja do bolo foi a tentativa de impedir que Sergio Moro e procuradores da
Lava-Jato possam se candidatar em 2022. A proposta de impor uma quarentena
retroativa de oito anos, por estapafúrdia, foi derrotada no plenário, mas, numa
manobra inédita, retomou-se o tema. A nova tentativa, baseada numa emenda
aglutinativa que uniu duas outras que nada tinham a ver com o tema, e incluiu
novamente a quarentena, foi aprovada só a partir de 2026. Como representa a
vontade da maioria, dificilmente a manobra poderá ser anulada na Justiça, pois
se trata de uma questão interna da Câmara.
Outras alterações numa reforma eleitoral feita às pressas foram aprovadas na
Câmara, mas provavelmente serão barradas no Senado. A partir da eleição para
presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira ligou seu trator legislativo e
comanda com mão de ferro a aprovação de várias reformas que diminuem o controle
da sociedade, como redução do papel do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na
reforma eleitoral, a volta das coligações nas votações proporcionais é um dos
principais retrocessos.
Caso o ex-presidente Lula seja eleito, provavelmente veremos a anulação de
todos os processos da Lava-Jato. Todos farão como Leo Pinheiro, da OAS, que
está desdizendo tudo o que denunciou. A tese de “tortura psicológica” defendida
pelo ministro Gilmar Mendes pode servir de pretexto para anular as delações
premiadas. O problema vai ser o que fazer com os mais de R$ 5 bilhões
devolvidos pelos condenados. Pode ser que os consigam de volta na Justiça.
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