Valor Econômico
Bolsonaro retoma, com erros alheios, o fôlego que perde com os seus
A chapa Michel Temer/Mamãe Falei devolveu
Jair Bolsonaro ao jogo. O ex-presidente valeu-se da mediação entre o presidente
da República e o ministro Alexandre de Moraes para assentar a plataforma de seu
retorno à cena pública como “Temer, o pacificador”. A carta assinada por
Bolsonaro que Temer não se fez de rogado em assumir a autoria, foi recebida com
desolação pelo bolsonarismo raiz.
Desolados também ficaram os partidários de
uma terceira via. Três dias depois do jantar, a manifestação oposicionista foi
esvaziada pelo acordão. Não haverá frente ampla mas uma miríade de opções
anti-Lula entre as quais Bolsonaro ainda é a mais competitiva.
O fiasco da manifestação do dia 12 mostrou
também que os organizadores do evento, egressos da direita que se descolou de
Bolsonaro, liderada pelo MBL do deputado Arthur do Val, o Mamãe Falei, se
revelaram incapazes de rivalizar com a capacidade de mobilização do presidente.
A bola voltaria para os pés de Bolsonaro na madrugada da terça-feira quando começou a circular, a partir do celular do marqueteiro de Temer, as cenas do jantar na casa de Naji Nahas. A começar pelo anfitrião, cuja liberdade atesta o valor de bons advogados e amigos no poder, tudo naquele jantar contribuiu para devolver a Bolsonaro a aura de quem se insurge contra as elites - um presidente da República sendo ridicularizado pelos mesmos homens ricos e brancos que o mantêm no poder.
Poderosos sempre inspiraram piadas de
salão, mas não há registro de um mediador de acordos, num momento dramático
como o de hoje, tomar a iniciativa de divulgá-las. A exposição dos demais alvos
imitados no repasto está longe de conter os danos. Bolsonaro já se elegeu como
vítima uma vez. Pode não ser capaz de fazê-lo novamente, mas recebeu, de mão
beijada, uma oportunidade de manter sua militância num momento em que as
condições reais de sua sobrevivência estão cada vez mais estreitas - nos
tribunais, no Congresso e na economia.
Depois de Alexandre de Moraes ter sido
exposto duas vezes, em 15 dias, em encontros protagonizados por Temer, a
mediação com o ministro que hoje mais ameaça o presidente da República parece
ter ficado prejudicada. O adiamento do julgamento do foro do senador Flávio
Bolsonaro na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal é sinal de que ainda há
canais com aquela Corte. O impasse em torno do preenchimento da vaga para a
qual André Mendonça foi designado é outro. A vaga mexe no equilíbrio interno
das togas.
Todos os casos mais sensíveis que poderiam
ser impactados pela decisão do foro do senador, como aqueles que envolvem o
senador licenciado José Serra (PSDB-SP), o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), ou
mesmo aquele do ministro do TCU, Vital do Rêgo, já foram equacionados ou
trancados, liberando as margens de manobra para o relator do caso, o ministro
Gilmar Mendes. O desgaste de Temer coloca o ministro quase como a única
alternativa de Bolsonaro na busca por uma mediação.
Se o Supremo mantém uma fresta aberta, a
margem está cada vez mais restrita no Tribunal Superior Eleitoral, onde Moraes
se valeu do julgamento de um caso de rachadinha no gabinete de uma vereadora,
que ficou inelegível por oito anos, para dizer o que pensa sobre a prática: “É
uma clara e ostensiva modalidade de corrupção”.
Se Moraes foi convencido de que o calor do
pós-Sete de Setembro não era o momento de deflagrar nenhuma operação sobre a
família do presidente não há quem aposte que o ministro tenha sido demovido. As
pressões sobre os delegados da Polícia Federal que o auxiliam nos inquéritos
que conduz no tribunal não apenas são inúteis, como reforçam, na equipe, o
compromisso com os resultados dos inquéritos em curso.
Se o tempo do Judiciário está sujeito a
modulações, o do Congresso e, principalmente, o da economia, não estão. A sessão
desta terça-feira na Câmara dos Deputados que ouviu o presidente da Petrobras,
Joaquim Luna e Silva, foi uma demonstração de que os aliados de Bolsonaro têm
tido dificuldades em executar todas as notas promissórias que alicerçam esta
aliança.
A sessão, convocada pelos mesmos
parlamentares que lideraram a aprovação da MP da Eletrobras e presidida por
Arthur Lira (PP-AL) serviu para emparedar Luna e Silva frente às dificuldades
no fornecimento de gás a termelétricas largamente favorecidas naquela votação.
O debate sobre o tema é o clímax da
esquizofrenia bolsonarista. Sócios dos negócios favorecidos por este governo
cobram de um general da reserva mudanças numa política liberal de preços dos
combustíveis. O general se defende usando o mesmo argumento falacioso do
presidente, que atribui a flutuação nos preços a alíquotas estaduais de ICMS
que não têm variado. E é criticado pelo presidente do Banco Central, que não
tem mandato para se meter na Petrobras, dirá para atestar uma velocidade
atípica no reajuste de preços da estatal.
Se o preço dos combustíveis corrói a base
do presidente e quaisquer chances de manter as rédeas sobre a inflação, a
dificuldade de fazer caber o descontrole geral no Orçamento ruma para abrir
mais um rombo no teto de gastos sobre a nação. Um sinal do quanto a crise se
aprofundou é a impossibilidade de se aceitar hoje um puxadinho para os
precatórios no âmbito do Conselho Nacional de Justiça sem aval parlamentar.
Pendurado na conta da pandemia, quando é de
inépcia que se trata, o Auxílio Brasil deve sair por crédito extraordinário.
Com os precatórios não dá para fazer o mesmo. Os ministros do STF não aceitam
solução que contorne a Constituição. Se o governo estiver disposto a encarar um
calote ou qualquer nome que se dê a um pagamento mais alongado de dívidas já
reconhecidas pela justiça, que encarregue suas lideranças a convencer as Casas
desta rolagem.
É este custo, cada vez mais caro, que
aparece em audiências como a da Petrobras ou na pressão pela liberalização dos
jogos de azar. Se o estado terminal em que se encontra este governo não
permitir que seus aliados aprovem tudo aquilo que já foi acordado, que lhes
seja facultada a lavagem dos ganhos auferidos na temporada. Para que todos,
enfim, possam se aglomerar em torno daquela mesa de Naji Nahas para brindar à
saude de Ana Cristina Valle, ex-senhora Bolsonaro e sua parceira de tristezas
e, principalmente, de alegrias, que deporá na CPI.
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