Correio Braziliense
Bolsonaro pressiona a equipe
econômica no sentido de adotar medidas populistas para fomentar a atividade
econômica e reduzir a perda de renda. Mas o cobertor é curto
A ideologia é sempre uma representação
parcial e distorcida da realidade. Por essa razão, quando preside as ações de
governo e políticas públicas, turva a perspectiva de que os problemas são de
ordem objetiva e existem fora da mente do governante. Como o governo constrói
sua narrativa a partir de fake news, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro,
o resultado é devastador — ainda que uma parcela da população mobilizada por
mentiras e ideias errôneas responsabilize a oposição, que passa a ser tratada
como inimiga da nação.
Nas mais diversas áreas, as entregas do governo Bolsonaro deveriam ocorrer neste terceiro ano de mandato, mas não é o que está acontecendo. A falta de foco e objetividade na condução do governo agora cobra o preço. O prejuízo seria muito maior, porém, se algumas áreas não mantivessem os programas iniciados pelos governos anteriores, como na infraestrutura. E se a conjuntura internacional não fosse favorável ao agronegócio, embora o alto custo dos alimentos seja a outra face dessa moeda, principalmente para os mais pobres.
O peso das ideias reacionárias e
conservadoras é facilmente identificado no fracasso das políticas públicas. Não
apenas na saúde, onde o negacionismo de Bolsonaro entrará para a história, com
um saldo de aproximadamente 600 mil mortos por covid-19. Na educação e na
cultura, o desastre também é grande. O mesmo ocorre até na economia. Os
resultados negativos obtidos pelo ministro Paulo Guedes são indisfarçáveis —
sua retórica ultraliberal é uma constante fuga para a frente.
Segundo relatório anual da Conferência da
ONU para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), divulgado ontem, em Genebra, a
economia brasileira crescerá apenas 1,8% do Produto Interno Bruto (PIB) no
próximo ano, o que pode ser fatal para a reeleição de Bolsonaro. Estamos
ficando mais para trás na corrida do desenvolvimento: Índia crescerá 6,7%;
China, 5,7%; Indonésia, 4,9%; Turquia, 3,6%; França, 3,4%; Arábia Saudita,
3,3%; Alemanha, 3,2%; Itália, 3% EUA, 3%; Argentina, 2,9%; Canadá, 2,9%;
México: 2,8%; Coreia do Sul, 2,8%; Austrália, 2,8%; Rússia, 2,3%; Japão, 2,1%;
e Reino Unido, 2,1%.
O PIB da América Latina e Caribe deve
crescer 5,5% neste ano. A estimativa de que Brasil cresça 5,3% em 2021, com as
projeções acima, representa mais um voo de galinha. Boa parte das dificuldades
econômicas previstas para o próximo ano deve ser creditada à instabilidade
política e à insegurança jurídica, criadas artificialmente por Bolsonaro. A
crise institucional é uma cortina de fumaça que só gera mais apatia dos agentes
econômicos. O ambiente de negócios no Brasil não é favorável a grandes
investimentos antes das eleições de 2022. Esse diagnóstico é quase unânime
entre os investidores.
Realidade
Bolsonaro pressiona a equipe econômica no
sentido de adotar medidas populistas para fomentar a atividade econômica e
reduzir a perda de renda. Mas o cobertor é curto. Somente neste ano já foram
gastos R$ 77 bilhões com Auxílio e Benefício Emergencial. A Petrobras não tem
como subsidiar os preços dos combustíveis. O apagão no setor elétrico é
iminente, agravado por uma política tarifária equivocada, em que se deixou de
fazer os ajustes necessários enquanto havia tempo. Além disso, sofremos grande
pressão cambial, que decorre de nossa posição na economia global, de grandes
produtores de commodities de minério e agrícolas. Mesmo assim, a taxa de câmbio
está acima do que seria normal. Além disso, somente no ano passado, os
investimentos estrangeiros sofreram uma redução de 62%.
Paulo Guedes é um fracasso, mas seu
desempenho não pode ser dissociado de Bolsonaro. Entretanto, a conspiração para
transformar o ministro da Economia em bode expiatório da crise está de vento em
popa no governo. Ele é um ultraliberal convicto, mas descobriu que a realidade
objetiva é mais forte do que qualquer ideologia. Esse termo foi criado pelo
iluminista Antoine Destutt de Tracy, no final do século XVIII, com a intenção
de mapear a origem e desenvolvimento de todas as ideias em bases científicas.
Para alguns, ideologia é um conjunto de
ideias e de valores que tem como função orientar comportamentos políticos e
coletivos. Para outros, uma falsa consciência das relações de domínio entre as
classes.Assim como o socialismo defende a extinção das desigualdades com a
crença de que as políticas de Estado são suficientes para isso, o liberalismo
sublima o livre mercado e o Estado mínimo como soluções para os problemas do
desenvolvimento, em quaisquer circunstâncias. Entretanto, a mudança da
realidade social e econômica não é tão simples.
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