quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Míriam Leitão - As sombras na economia em 2022

O Globo

O ano econômico de 2022 já começou. O país vai crescer pouco, os juros subirão em pleno ano eleitoral. A inflação prevista para o fim de 2021 aumentou e fechou o espaço fiscal no Orçamento, a crise hídrica deixará custos que continuarão pesando nas contas de luz de 2022. A turbulência política crônica criada por Jair Bolsonaro elevou a incerteza a níveis inéditos desde a redemocratização. Somando tudo isso, os economistas estão voltando aos seus cálculos para reduzir as projeções do PIB.

O chamado espaço fiscal é o que daria ao governo a chance de aumentar os gastos com apelo eleitoral. É dado pela diferença entre a inflação em 12 meses até junho e a de dezembro. O teto de gastos é corrigido pela IPCA até junho, mas as despesas obrigatórias são corrigidas pelo INPC do ano inteiro. Quando o IPCA em junho chegou a 8,35% o governo se animou. Calculava que a taxa do ano ficaria em 6,5%. Isso faria o teto subir mais do que as despesas. Portanto, haveria uma sobra líquida de R$ 33 bilhões. Mas a inflação subiu mais do que se imaginava e vai desacelerar menos nestes meses finais. Nos cálculos de Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco Alfa, esse espaço está praticamente zerado.

— Pelas minhas contas, a diferença entre os dois índices será de apenas 0,3 ponto percentual. O espaço é irrisório agora — diz Leal.

O problema é que o Orçamento foi para o Congresso com parâmetros completamente errados. Prevê um crescimento de 2,5% em 2022, o que não ocorrerá, e uma inflação este ano de 6,5%, que será superada. Para fechar esse Orçamento e ainda sobrar dinheiro para os gastos que Bolsonaro quer fazer no ano eleitoral só haveria uma saída: não pagar integralmente os precatórios. Por isso, o ministro Paulo Guedes foi ontem bater na porta do ministro Luiz Fux. Ele queria um aval do Conselho Nacional de Justiça para não pagar integralmente as dívidas judiciais. E ouviu do ministro Fux que ele tem que ir ao Congresso aprovar a PEC dos precatórios.

O governo Bolsonaro está ficando sem espaço para o seu objetivo de populismo econômico. Será um ano difícil e em grande parte isso é resultado dos erros sequenciais do presidente na condução do país. Na política, criou conflitos, na área institucional, fez ameaças, na saúde, gastou tempo e dinheiro público para sabotar as melhores práticas sanitárias. Isso aumentou o número de mortes e prejudicou a economia. Bolsonaro é inflacionário. Suas crises batem no dólar, que contamina outros preços.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, avisou que fará “o que for necessário” para cumprir a meta de inflação. É isso que se ouve também dentro do Banco Central quando se fala sobre a possibilidade de ter que subir juros mesmo em ano eleitoral. Esse remédio amargo será inevitável porque o ano terminará com a inflação alta.

A crise hídrica deixará herança maldita para o ano que vem. A térmicas caras que estão sendo usadas agora geram um déficit que está sendo passado para as contas e continuarão no ano que vem. Houve uma discussão dentro do governo. A Aneel queria aumentar em 100% a bandeira vermelha, mas esse acréscimo valeria só este ano. A área econômica discordou e acabou vencendo a discussão. A alta foi menor, mas a sobretaxa valerá por mais tempo, entrando inclusive em 2022. Quando as chuvas vierem elas não vão recompor os reservatórios.

A boa notícia é que tem energia nova entrando no sistema, de leilões que foram feitos no governo Temer. Serão 7 gigawatts a mais de potência instalada, principalmente eólica, solar e biomassa, segundo a consultoria PSR. Isso dá um reforço. Quanto menos energia não hidrelétrica houver no sistema, melhor. Mesmo assim é inescapável que a crise alcance o ano que vem com preços altos e o esforço de recomposição dos reservatórios.

A pior sombra que paira sobre 2022 é resultado do governo Bolsonaro. Com seu projeto retrógrado em todas as áreas, como a ambiental, com suas omissões em setores decisivos, como educação, com projetos de reforma que já chegam distorcidos no Congresso, como a reforma do IR, o governo reduziu o horizonte do país. Agora a economia está em “modo defesa” como me disse o economista José Roberto Mendonça de Barros ao definir a atitude dos investidores neste momento. E, quando investidores da economia real congelam investimentos, o resultado é menos crescimento e menos criação de emprego.

 

Nenhum comentário: