Folha de S. Paulo
As ameaças de violência no 7 de Setembro e ainda
mais depois fazem parte da Grande Involução
Suponha-se que no 7 de Setembro
bolsonarista não aconteçam quebra-quebras, mortes, quarteladas
ou motins. Admita-se que uma nova promessa golpista de Jair Bolsonaro seja
tratada mais uma vez com covardia conivente. Para por aí?
Provavelmente, virá mais do mesmo, a
mistura de golpismo tateante com o programa reacionário da Grande Involução.
Bolsonaro não é um raio em dia de céu azul.
Parece que a extrema direita vai juntar
gente bastante para incutir em parte do país o receio de que pode promover
baderna subversiva nas ruas. Bolsonaro terá sido então capaz também de fazer
propaganda para reanimar o rebanho.
Parece não ser o suficiente para um ataque frontal, decisivo, contra a democracia, mesmo degradada. Mas ao menos Bolsonaro mostrará capacidade de ao menos manter sua guerra de posição, uma tentativa improvável, tosca e avacalhada, mas perigosa, de conseguir hegemonia, como se fora um Gramsci influencer em molho de TV mundo cão, para citar o comunista que é anátema para o semiletrado bozismo.
Bolsonaro tem trincheiras bem cavadas,
ocupadas por setores sociais animados por um projeto reacionário de longo
alcance. Quanto às escaramuças, à luta mais cotidiana na Justiça, na economia
ou no Congresso, Bolsonaro ainda tem meios de evitar derrotas maiores ou de
empatar os jogos.
A esquerda ingênua, abilolada ou apenas
ignorante diz que houve “apagão” na economia, quando há uma recuperação, de
fato socialmente perversa e menos do que medíocre em 22, mas que pode dar
pontos a Bolsonaro, assim como favores do Congresso podem ajudá-lo a comprar
votos com planos sociais demagógicos. A Justiça apenas ameaça o presidente com
processos letais, jamais concluídos, contra ele ou a família, acusada de ser
uma quadrilha sórdida.
Bolsonaro ainda tem grande apoio
empresarial, em especial de “homens novos” (ou novos-ricos). Empresários
“críticos” não querem bater de frente com o governo e estão divididos; muitos
toleraram o programa bolsonarista quase inteiro, reagindo enfim apenas à ameaça
explícita de ditadura.
Os donos das grandes igrejas evangélicas
estão quase todos com ele, assim como o agro ogro, os militares dinheiristas e
adeptos do porão, as polícias quase milicianas, os revoltados com a diversidade
humana etc. Mudanças socioeconômicas e demográficas, entre outras, engordaram
muitos desses grupos, que agora querem poder político real e prestígio.
Esses grupos apoiam o projeto reacionário
que Bolsonaro aproveitou para encarnar em 2018, a Grande Involução. No “tipo
ideal”, são adeptos de uma espécie de guerra de todos contra todos (que chamam
de “liberdade”), supervisionada por um déspota. São a favor de armas; Bolsonaro
afirma que é adepto da guerra civil, da tortura e do estupro como instrumento
político.
São avessos a regulações estatais
civilizatórias, das trabalhistas às ambientais, passando pelas regras de
trânsito. Acham, muitos com bons motivos, que o Estado é apenas estorvo e
espoliação, sentimento que, no entanto, se traduz apenas em empreendedorismo
selvagem, desejo de Justiça com as próprias mãos e o desprezo pelo debate
racional na esfera pública (e pela ciência, pela universidade etc.). Alguns
tantos são machistas e racistas.
Outros são pobres ressentidos pela
frustração das promessas de uma breve e precária democracia social. O colapso
econômico e estatal multiplicou um lumpesinato sem remédio, um precariado
autoritário e uma população periférica que vive entre a cruz evangélica e a
espada policial-miliciana.
O bolsonarismo é uma ilusão ainda com grande futuro.
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