segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Gustavo Loyola* - Incertezas afetam recuperação econômica

Valor Econômico

Arroubos contra a democracia de Bolsonaro afetam negativamente o ambiente econômico

O resultado desapontador do PIB do segundo trimestre deixou evidenciado os obstáculos enfrentados para a recuperação da economia brasileira ao longo de 2021, após a queda livre da atividade no ano passado.

Vários fatores estão por trás da frustração das expectativas de crescimento, mas os erros na gestão macroeconômica e as turbulências políticas provocadas pelo próprio governo são os responsáveis maiores por tais dificuldades.

Os recorrentes arroubos antidemocráticos do presidente Bolsonaro são a face mais grave das preocupações e incertezas que afetam negativamente o ambiente econômico. A estabilidade das instituições é fundamental numa economia de mercado, porém essa obviedade parece ser ignorada por muitos integrantes da administração Bolsonaro, a começar pelo próprio presidente da República.

Declarações suas ameaçando o pleito de 2022, por exemplo, mesmo que meros surtos de retórica, trazem um clima de incerteza sobre o cenário político que sem dúvida já afeta, em maior ou menor grau, as decisões dos agentes econômicos e a precificação dos ativos brasileiros.

Além disso, a condução caótica da agenda legislativa também é fonte de incertezas que atrapalha as decisões de investimento. A proposta de mudanças no Imposto de Renda apresentada pelo governo ao Congresso Nacional é um exemplo de como gerar turbulências desnecessárias. Em vez de buscar simplificar o sistema tributário e reformar os tributos que incidem sobre o consumo, o Ministério da Economia patrocina um projeto que, com as alterações aprovadas de forma atabalhoada na Câmara dos Deputados, agrava as distorções e aumenta os custos de compliance para as empresas.

Além disso, o projeto, da forma como foi aprovado na Câmara, pode provocar um rombo adicional nas contas públicas, tendo a Instituição Fiscal Independente (IFI) estimado uma perda de arrecadação de R$ 28,9 bilhões em 2022 e de R$ 23,3 bilhões no biênio 23-24.

Um outro exemplo de proposta que tumultua o ambiente econômica é aquela que escalona o pagamento dos precatórios judiciais. Trata-se de um verdadeiro calote na dívida pública e a justificativa do aumento inesperado com o gasto com precatórios não para de pé, já que o governo tem ampla condições de acompanhar o andamento das ações judiciais em que é parte.

Para piorar a percepção negativa da proposta, ela vem atrelada a iniciativas para aumentar o gasto público com transferências às famílias às vésperas das eleições presidenciais, com vistas a aumentar o capital eleitoral de Bolsonaro junto às camadas mais pobres da população. Como apontam muitos analistas, seria perfeitamente possível acomodar o pagamento dos precatórios sem ferir o teto de gastos e sem seu parcelamento.

A propósito, os riscos associados às contas públicas têm sido um dos maiores responsáveis pelo desempenho negativo da moeda brasileira em relação a seus pares desde o ano passado. Os gastos associados ao combate à pandemia e a perda de arrecadação derivada da abrupta queda da atividade econômica fragilizaram ainda mais a situação fiscal que já era estruturalmente preocupante. O comportamento do Congresso Nacional durante a apreciação do Orçamento e as várias propostas de exclusão de despesas do teto de gastos agravaram a percepção negativa da trajetória das contas públicas, contribuindo também para o clima de pessimismo a paralisia na tramitação das reformas que poderiam trazer alívio para as contas públicas no médio prazo.

A desvalorização do Real - uma das consequências mais palpáveis do aumento da percepção de risco em relação ao Brasil - contribuiu para o surto inflacionário recente no contexto do aumento do preço internacional das commodities, exigindo que o Banco Central iniciasse um processo de aperto na política monetária que, embora necessário e em linha com o regime de metas de inflação, deve também prejudicar a recuperação da economia em 2021 e seu desempenho no próximo ano. Vale mencionar que o aumento da inflação tem contribuído para a queda do rendimento real das famílias, prejudicando o consumo e a atividade econômica.

Por outro lado, deve-se considerar que a recente aceleração inflacionária tem também outras causas, entre as quais a crise hídrica que provocou o aumento das tarifas de energia e que ameaça a economia com apagões e racionamento nos próximos meses, caso a situação das chuvas não se normalize. A delicada situação da oferta de energia prejudica obviamente as decisões de investimento nos próximos meses, sendo mais um fator de incerteza na conjuntura atual.

Tendo em vista os fatores acima apontados, parece inevitável que as expectativas de crescimento econômico para o restante do ano e para 2022 sejam revistas para baixo, muito embora o avanço da vacinação esteja permitindo a normalização de muitos negócios. Mais uma vez o Brasil vai se descolar do ritmo da recuperação global, entrando num período eleitoral com perspectivas negativas para o desempenho da economia.

*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV e ex-presidente do Banco Central, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada.

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