Valor Econômico
Arroubos contra a democracia de Bolsonaro
afetam negativamente o ambiente econômico
O resultado desapontador do PIB do segundo
trimestre deixou evidenciado os obstáculos enfrentados para a recuperação da
economia brasileira ao longo de 2021, após a queda livre da atividade no ano
passado.
Vários fatores estão por trás da frustração
das expectativas de crescimento, mas os erros na gestão macroeconômica e as
turbulências políticas provocadas pelo próprio governo são os responsáveis
maiores por tais dificuldades.
Os recorrentes arroubos antidemocráticos do
presidente Bolsonaro são a face mais grave das preocupações e incertezas que
afetam negativamente o ambiente econômico. A estabilidade das instituições é
fundamental numa economia de mercado, porém essa obviedade parece ser ignorada
por muitos integrantes da administração Bolsonaro, a começar pelo próprio
presidente da República.
Declarações suas ameaçando o pleito de
2022, por exemplo, mesmo que meros surtos de retórica, trazem um clima de
incerteza sobre o cenário político que sem dúvida já afeta, em maior ou menor
grau, as decisões dos agentes econômicos e a precificação dos ativos
brasileiros.
Além disso, a condução caótica da agenda legislativa também é fonte de incertezas que atrapalha as decisões de investimento. A proposta de mudanças no Imposto de Renda apresentada pelo governo ao Congresso Nacional é um exemplo de como gerar turbulências desnecessárias. Em vez de buscar simplificar o sistema tributário e reformar os tributos que incidem sobre o consumo, o Ministério da Economia patrocina um projeto que, com as alterações aprovadas de forma atabalhoada na Câmara dos Deputados, agrava as distorções e aumenta os custos de compliance para as empresas.
Além disso, o projeto, da forma como foi
aprovado na Câmara, pode provocar um rombo adicional nas contas públicas, tendo
a Instituição Fiscal Independente (IFI) estimado uma perda de arrecadação de R$
28,9 bilhões em 2022 e de R$ 23,3 bilhões no biênio 23-24.
Um outro exemplo de proposta que tumultua o
ambiente econômica é aquela que escalona o pagamento dos precatórios judiciais.
Trata-se de um verdadeiro calote na dívida pública e a justificativa do aumento
inesperado com o gasto com precatórios não para de pé, já que o governo tem
ampla condições de acompanhar o andamento das ações judiciais em que é parte.
Para piorar a percepção negativa da proposta,
ela vem atrelada a iniciativas para aumentar o gasto público com transferências
às famílias às vésperas das eleições presidenciais, com vistas a aumentar o
capital eleitoral de Bolsonaro junto às camadas mais pobres da população. Como
apontam muitos analistas, seria perfeitamente possível acomodar o pagamento dos
precatórios sem ferir o teto de gastos e sem seu parcelamento.
A propósito, os riscos associados às contas
públicas têm sido um dos maiores responsáveis pelo desempenho negativo da moeda
brasileira em relação a seus pares desde o ano passado. Os gastos associados ao
combate à pandemia e a perda de arrecadação derivada da abrupta queda da
atividade econômica fragilizaram ainda mais a situação fiscal que já era
estruturalmente preocupante. O comportamento do Congresso Nacional durante a
apreciação do Orçamento e as várias propostas de exclusão de despesas do teto
de gastos agravaram a percepção negativa da trajetória das contas públicas,
contribuindo também para o clima de pessimismo a paralisia na tramitação das
reformas que poderiam trazer alívio para as contas públicas no médio prazo.
A desvalorização do Real - uma das
consequências mais palpáveis do aumento da percepção de risco em relação ao
Brasil - contribuiu para o surto inflacionário recente no contexto do aumento
do preço internacional das commodities, exigindo que o Banco Central iniciasse
um processo de aperto na política monetária que, embora necessário e em linha
com o regime de metas de inflação, deve também prejudicar a recuperação da economia
em 2021 e seu desempenho no próximo ano. Vale mencionar que o aumento da
inflação tem contribuído para a queda do rendimento real das famílias,
prejudicando o consumo e a atividade econômica.
Por outro lado, deve-se considerar que a
recente aceleração inflacionária tem também outras causas, entre as quais a
crise hídrica que provocou o aumento das tarifas de energia e que ameaça a
economia com apagões e racionamento nos próximos meses, caso a situação das
chuvas não se normalize. A delicada situação da oferta de energia prejudica
obviamente as decisões de investimento nos próximos meses, sendo mais um fator
de incerteza na conjuntura atual.
Tendo em vista os fatores acima apontados,
parece inevitável que as expectativas de crescimento econômico para o restante
do ano e para 2022 sejam revistas para baixo, muito embora o avanço da
vacinação esteja permitindo a normalização de muitos negócios. Mais uma vez o
Brasil vai se descolar do ritmo da recuperação global, entrando num período
eleitoral com perspectivas negativas para o desempenho da economia.
*Gustavo Loyola, doutor em
Economia pela EPGE/FGV e ex-presidente do Banco Central, é sócio-diretor da
Tendências Consultoria Integrada.
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