Valor Econômico
Política brasileira se tornou um jogo de
soma zero
A se confirmarem os prognósticos, o feriado
da Independência terá temperatura elevada em todo o território nacional.
Insuflados pelo presidente da República, os bolsonaristas vêm se preparando
para tomar as ruas do país e realizar uma demonstração de sua potência máxima.
Desde pelo menos os protestos de junho de
2013, a cada evento político as divisões entre a população brasileira se
intensificam. Das eleições de 2014, cujo resultado foi contestado pelo PSDB de
Aécio Neves, passando pelo impeachment (ou golpe, na visão dos petistas) de
Dilma Rousseff e chegando à vitória de Jair Bolsonaro em 2018 - sem falar no
fator Lava-Jato -, a paz foi subtraída das discussões políticas.
Olhando à frente, o embate entre Lula e
Bolsonaro nas urnas em 2022 promete ser o nosso máximo divisor comum, num
encontro entre os líderes políticos mais amados e odiados de nossa história
recente. A praticamente um ano das eleições, o país parece estar resignado a
esperar a definição do próximo pleito para então decidir qual rumo tomar.
Enquanto isso, os números do PIB divulgados na semana passada pelo IBGE sugerem que, apesar do avanço da vacinação, a derivada da retomada econômica mudou de sinal. A despeito do crescimento das exportações (9,4% em relação ao trimestre anterior), o consumo das famílias ficou estagnado (0,0%) e os investimentos das empresas caíram 3,6% na mesma base de comparação.
Comparada ao fundo do poço da pandemia,
nossa recuperação pode ter até tido o formato de V anunciado pelo ministro
Paulo Guedes, com a produção atingindo o mesmo patamar, em números-índices,
vigente antes do aparecimento do novo coronavírus. Contudo, com todas as
indefinições políticas e um cenário que combina inflação em alta, ameaça de
apagões e gargalos na economia internacional, o mais provável é que nos
manteremos presos à armadilha de baixo crescimento que prevalecia desde o fim
da grande recessão de 2015-2017.
Nesse sentido, o 0,1% negativo de variação
trimestral pode ser um sinal de que, na melhor das hipóteses, o V de Paulo
Guedes vai se converter num símbolo de raiz quadrada - ou seja, depois da queda
intensa, até conseguimos voltar ao mesmo nível, mas tudo indica que
permaneceremos estagnados no mesmo platô de antes.
E por falar em PIB, na semana passada seus
principais representantes tentaram viabilizar uma união em torno de mais um
manifesto em favor da pacificação política no país. Intitulado de “A Praça é
dos Três Poderes”, em referência ao epicentro das manifestações marcadas para
amanhã em Brasília, o chamamento à harmonia havia reunido mais de duas centenas
de entidades empresariais dos mais variados setores da economia. Noves fora a
boa intenção, porém, viu-se que não havia intersecção política e o resultado
foi um conjunto vazio entre segmentos pró e contra o governo.
Mas quando o dinheiro entra no cálculo da
equação política, a união empresarial se mostra viável. Há cerca de dois meses,
120 associações entregaram ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), uma
carta cobrando alterações no texto da reforma tributária.
A soma de esforços, nesse caso, restou
positiva: em mais uma votação atribulada, com substitutivos apresentados na
última hora, sem nenhuma clareza quanto ao impacto das reformas, a proposta foi
aprovada com diversos alívios no Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e a
prorrogação de benefícios fiscais.
É difícil imaginar saídas para resolver os
problemas do desenvolvimento brasileiro se, num sistema de múltiplas equações -
política, econômica, social, ambiental, ética -, cada grupo social impõe suas
próprias restrições, o que torna impossível chegar a uma solução. De um lado, a
elite empresarial brasileira não abre mão de maximizar seus lucros de curto
prazo. Se não conseguem atingir um denominador comum para assinar um simples
manifesto pedindo paz na política, o que dirá reunirem-se para apresentar ao
país uma proposta de reforma em que cada segmento cede parte de seus ganhos e
benefícios fiscais em prol de um sistema tributário simplificado, justo e progressivo.
Enquanto cada setor investe na minimização
de suas eventuais perdas, deixamos escapar múltiplas oportunidades no médio e
longo prazos. Reclamam dos impasses entre os três Poderes da República, mas as
lideranças do agronegócio, da indústria e dos serviços são incapazes de se
sentarem na mesma mesa e apresentarem ao país um projeto de simplificação
tributária, um cronograma de abertura comercial responsável ou uma política de
investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico que não seja subsidiada
pelo Estado. Criticam tanto a paralisia do governo, mas não se mobilizam em
apresentar soluções privadas.
A sociedade civil brasileira, por sua vez,
se encaminha para o terceiro ciclo eleitoral em que impera a radicalização. A
política brasileira se tornou um jogo de soma zero em que cada um dos lados
pretende anular o outro. Em vez de potencializarmos a riqueza da diversidade de
visões a respeito do país, cada fração do eleitorado pretende eliminar aqueles
que se apresentam com o sinal contrário.
É preciso entender quais são os temores e
aspirações dos brasileiros que irão às ruas amanhã defender um governo que até
agora entregou tão pouco em termos de crescimento econômico e emprego. Da mesma
forma, é preciso respeitar os outros que anseiam a volta dos bons tempos do
respeito à diversidade e à inclusão social, assim como dos outros tantos que
receiam o retorno de práticas de corrupção e de gestão econômica temerária.
Enquanto a sociedade se dividir no perde e
ganha das diferentes correntes políticas, deixamos de perseguir os nossos
mínimos múltiplos comuns. Não é possível calcular a resultante das diferentes
diretrizes da política brasileira se a função-objetivo de cada uma das partes
for zerar as forças contrárias.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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