segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Bruno Carazza* - A matemática da crise

Valor Econômico

Política brasileira se tornou um jogo de soma zero

A se confirmarem os prognósticos, o feriado da Independência terá temperatura elevada em todo o território nacional. Insuflados pelo presidente da República, os bolsonaristas vêm se preparando para tomar as ruas do país e realizar uma demonstração de sua potência máxima.

Desde pelo menos os protestos de junho de 2013, a cada evento político as divisões entre a população brasileira se intensificam. Das eleições de 2014, cujo resultado foi contestado pelo PSDB de Aécio Neves, passando pelo impeachment (ou golpe, na visão dos petistas) de Dilma Rousseff e chegando à vitória de Jair Bolsonaro em 2018 - sem falar no fator Lava-Jato -, a paz foi subtraída das discussões políticas.

Olhando à frente, o embate entre Lula e Bolsonaro nas urnas em 2022 promete ser o nosso máximo divisor comum, num encontro entre os líderes políticos mais amados e odiados de nossa história recente. A praticamente um ano das eleições, o país parece estar resignado a esperar a definição do próximo pleito para então decidir qual rumo tomar.

Enquanto isso, os números do PIB divulgados na semana passada pelo IBGE sugerem que, apesar do avanço da vacinação, a derivada da retomada econômica mudou de sinal. A despeito do crescimento das exportações (9,4% em relação ao trimestre anterior), o consumo das famílias ficou estagnado (0,0%) e os investimentos das empresas caíram 3,6% na mesma base de comparação.

Comparada ao fundo do poço da pandemia, nossa recuperação pode ter até tido o formato de V anunciado pelo ministro Paulo Guedes, com a produção atingindo o mesmo patamar, em números-índices, vigente antes do aparecimento do novo coronavírus. Contudo, com todas as indefinições políticas e um cenário que combina inflação em alta, ameaça de apagões e gargalos na economia internacional, o mais provável é que nos manteremos presos à armadilha de baixo crescimento que prevalecia desde o fim da grande recessão de 2015-2017.

Nesse sentido, o 0,1% negativo de variação trimestral pode ser um sinal de que, na melhor das hipóteses, o V de Paulo Guedes vai se converter num símbolo de raiz quadrada - ou seja, depois da queda intensa, até conseguimos voltar ao mesmo nível, mas tudo indica que permaneceremos estagnados no mesmo platô de antes.

E por falar em PIB, na semana passada seus principais representantes tentaram viabilizar uma união em torno de mais um manifesto em favor da pacificação política no país. Intitulado de “A Praça é dos Três Poderes”, em referência ao epicentro das manifestações marcadas para amanhã em Brasília, o chamamento à harmonia havia reunido mais de duas centenas de entidades empresariais dos mais variados setores da economia. Noves fora a boa intenção, porém, viu-se que não havia intersecção política e o resultado foi um conjunto vazio entre segmentos pró e contra o governo.

Mas quando o dinheiro entra no cálculo da equação política, a união empresarial se mostra viável. Há cerca de dois meses, 120 associações entregaram ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), uma carta cobrando alterações no texto da reforma tributária.

A soma de esforços, nesse caso, restou positiva: em mais uma votação atribulada, com substitutivos apresentados na última hora, sem nenhuma clareza quanto ao impacto das reformas, a proposta foi aprovada com diversos alívios no Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e a prorrogação de benefícios fiscais.

É difícil imaginar saídas para resolver os problemas do desenvolvimento brasileiro se, num sistema de múltiplas equações - política, econômica, social, ambiental, ética -, cada grupo social impõe suas próprias restrições, o que torna impossível chegar a uma solução. De um lado, a elite empresarial brasileira não abre mão de maximizar seus lucros de curto prazo. Se não conseguem atingir um denominador comum para assinar um simples manifesto pedindo paz na política, o que dirá reunirem-se para apresentar ao país uma proposta de reforma em que cada segmento cede parte de seus ganhos e benefícios fiscais em prol de um sistema tributário simplificado, justo e progressivo.

Enquanto cada setor investe na minimização de suas eventuais perdas, deixamos escapar múltiplas oportunidades no médio e longo prazos. Reclamam dos impasses entre os três Poderes da República, mas as lideranças do agronegócio, da indústria e dos serviços são incapazes de se sentarem na mesma mesa e apresentarem ao país um projeto de simplificação tributária, um cronograma de abertura comercial responsável ou uma política de investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico que não seja subsidiada pelo Estado. Criticam tanto a paralisia do governo, mas não se mobilizam em apresentar soluções privadas.

A sociedade civil brasileira, por sua vez, se encaminha para o terceiro ciclo eleitoral em que impera a radicalização. A política brasileira se tornou um jogo de soma zero em que cada um dos lados pretende anular o outro. Em vez de potencializarmos a riqueza da diversidade de visões a respeito do país, cada fração do eleitorado pretende eliminar aqueles que se apresentam com o sinal contrário.

É preciso entender quais são os temores e aspirações dos brasileiros que irão às ruas amanhã defender um governo que até agora entregou tão pouco em termos de crescimento econômico e emprego. Da mesma forma, é preciso respeitar os outros que anseiam a volta dos bons tempos do respeito à diversidade e à inclusão social, assim como dos outros tantos que receiam o retorno de práticas de corrupção e de gestão econômica temerária.

Enquanto a sociedade se dividir no perde e ganha das diferentes correntes políticas, deixamos de perseguir os nossos mínimos múltiplos comuns. Não é possível calcular a resultante das diferentes diretrizes da política brasileira se a função-objetivo de cada uma das partes for zerar as forças contrárias.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.

 

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