Valor Econômico
Alteração do clima é um multiplicador
global de riscos
Representantes de 197 países são esperados
na Conferência do Clima em Glasgow, que começa no dia 31 em meio à constatação
crescente de que a crise climática é uma ameaça para a segurança coletiva -
alimentar, energética ou física. Certos analistas preveem que as tensões vão
aumentar em todos os continentes à medida, por exemplo, que alguns países
ampliarem movimentos para controlar terras aráveis, estoques de pescado e
recursos em água doce, que vão diminuir com o aquecimento climático num
contexto marcado pelo crescimento demográfico.
Discussões sobre a relação entre mudança
climática, paz e segurança internacional entraram na agenda do Conselho de
Segurança das Nações Unidas. Certos analistas militares falam de “novo
inimigo”, sem bandeira, sem dirigente, sem combatente, mas que desestabiliza
sociedades inteiras e pode ser uma catástrofe para a segurança mundial.
Antecedendo Glasgow, o governo dos EUA tomou a iniciativa de liberar na semana passada vários relatórios sobre o tema elaborados por suas agências da área de informação. O documento mais amplo é o do Conselho de Segurança Nacional, projetando tendências para 2040 que diz serem baseadas em consenso de estudos científicos, modelos e projeções do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), do US National Climate Assessment e do conjunto de agências oficiais americanas.
A avaliação é de que as cobranças crescem
para reduções mais ambiciosas das emissões de gases de efeito estufa, mas que
as políticas e promessas atuais são insuficientes para cumprir as metas do
Acordo de Paris, e a temperatura global poderá superar a meta de 1,5ºC. Os EUA
acreditam que o debate vai se centrar sobre quem tem mais responsabilidade de
agir e de pagar, e com que rapidez, ao mesmo tempo em que competem para
controlar os recursos e dominar as novas tecnologias necessárias para a
transição para energia limpa. A sinalização é de piora de conflitos entre
nações, grande deslocamento de populações fugindo dos efeitos físicos do
aquecimento, batalhas sobre quem pagará pelos custos da mudança climática, mais
tensões militares.
China e Índia, primeiro e quarto maiores
emissores mundiais de gases-estufa, terão papel crítico na determinação da
trajetória do aumento da temperatura global. Segundo os EUA, ambos estão
aumentando as emissões per capita, enquanto EUA e União Europeia, segundo e
terceiro maiores emissores, estão declinando. China e Índia estão incorporando
mais energia de fonte renovável e baixo carbono, mas vários fatores limitam a
eliminação do uso de carvão.
A competição vai aumentar pela aquisição e
processamento de minerais e recursos usados em tecnologias-chave de energia
renovável. A China está em forte posição para competir e controla hoje mais da
metade da capacidade de processamento de várias commodities importantes, como
terra rara para turbinas eólicas, polisilício para painéis solares, além de
cobalto, lítio, manganês e grafite para baterias de carros elétricos. Para os
EUA, os chineses têm a vantagem de processar com custo reduzido justamente em
razão de baixos padrões ambientais, por exemplo.
Os EUA preveem também maior competição no
desenvolvimento de tecnologias de energia renovável pela liderança nas
exportações e ganhar fatias de mercado quando a transição energética se acelerar.
Notam que companhias e governos na China, UE, Japão, Rússia e EUA estão
turbinando gastos em pesquisa e desenvolvimento nessa área.
Os relatórios americanos apontam 11 países
como particularmente vulneráveis às mudanças climáticas e incapazes de enfrentar
seus efeitos. Cinco estão na Ásia - Índia, Paquistão, Coreia do Norte (os três
com armas nucleares), Afeganistão e Mianmar-; quatro na América Central e
Caribe - Guatemala, Haiti, Honduras e Nicarágua. Colômbia e Iraque completam a
lista.
Na avaliação americana, Brasil e México têm
maior capacidade para adaptar aos efeitos da mudança climática. Um relatório do
Departamento de Defesa, ao analisar potencial impacto de missões militares
americanas, menciona que seu U.S. Southern Command, ou comando sul, que fica na
Flórida, poderá ter crescente demanda na América do Sul para assistência
humanitária e instabilidade em outros países, por causa de calor e seca na
região.
As agências americanas consideram que os
EUA e alguns países desenvolvidos têm maior capacidade tecnológica e evidentes
recursos financeiros para se adaptar às mudanças climáticas e é provável que
tenham alguns benefícios em termos de competitividade tecnológica e
agricultura. Com temperaturas mais quentes, alguns ganhadores estarão nas altas
latitudes, como o Canadá e os países escandinavos.
Mais de 20 países dependem de combustíveis
fósseis em mais de 50% de suas receitas de exportações e vão ter dificuldades
para diversificar suas vendas por causa de interesses políticos, corrupção
endêmica e falta de instituições. Para os EUA, a Argélia, Chade, Iraque e
Nigéria são os que correm mais risco com uma queda de preço do petróleo.
A maioria dos países enfrentará escolhas
econômicas difíceis. O Pentágono estima que escassez de alimentos pode levar a
tumultos e conflitos entre países sobre água. Outro relatório menciona que
milhões de pessoas poderão ser deslocados até 2050 por causa da mudança
climática, incluindo até 143 milhões de pessoas na Ásia do Sul, África
subsaariana e América Latina.
Os EUA projetam também crescente competição
estratégica no Ártico, à medida que a região se torne mais acessível em razão
do aquecimento das temperaturas e da redução do gelo. Isso aumentará o acesso
para rotas de navegação que podem reduzir o tempo de transporte entre Europa e
Ásia em cerca de 40% para alguns navios. Além disso, depósitos de gás e óleo
natural, e metais e minerais preciosos estimados em US$ 1 trilhão se tornarão
mais disponíveis. Além dos EUA e da Rússia, a China, França, Índia, Japão, Coreia
do Sul e Reino Unido definiram estratégias focadas em oportunidades econômicas
no Ártico. Para os americanos, atividades militares e econômicas contestadas
vão aumentar os riscos de “erros de cálculo” na região.
Ou seja, a mudança climática é um multiplicador
de riscos.
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