Folha de S. Paulo
Teme-se que a leitura do relatório da CPI o
faça dormir. Mas, desta vez, Aras pode perder o sono
Sim, nós sabemos que Augusto Aras,
procurador-geral da República, passa o dia ocupado ignorando ou
indeferindo pedidos de investigação dos crimes do governo, inclusive os
praticados por apoiadores como políticos, médicos e advogados de aluguel,
pistoleiros condecorados e incansáveis newsfakers ou, em faria-limês,
influencers. Donde será demais exigir que se debruce durante o expediente sobre
as 1.287 páginas do relatório do
CPI da Covid, que pede o indiciamento de seu chefe Jair Bolsonaro
por mais crimes que uma única vida seria capaz de pagar.
Mas nada impede que Aras, dedicado cumpridor das funções que lhe garantem o salário, leve a papelada para ler na cama. Muita gente lê antes de dormir, e Aras poderá pedir a um membro de sua equipe para organizar o material em blocos que lhe facilitem a leitura. Uma ideia seria separá-lo por tópicos, cada qual tratando de um dos nove crimes atribuídos a Bolsonaro: contra a saúde pública, incitação à morte, prevaricação, charlatanismo etc.
Depois de vestir o pijama de alamares e
tomar sua gemada noturna, Aras afofará os travesseiros e, certificando-se de
que está com os óculos na ponta do nariz, mergulhará na documentação. Muito do
que lerá certamente lhe será novidade —as aglomerações que Bolsonaro provocou
para induzir ao contágio do vírus, a pregação contra o distanciamento, a
aversão à mascara e a compra maciça de cloroquina em vez de vacina, ajudando a
matar, até agora, 606 mil brasileiros.
De nada disso Aras tomou conhecimento
quando estava acontecendo. Até mesmo a fabulosa afirmação recente de Bolsonaro,
de que a vacina provoca Aids, deverá surpreendê-lo. É normal —um
procurador-geral não é obrigado a saber tudo o que acontece, bolas.
Teme-se que Aras durma no segundo
parágrafo, vire para o canto e ronque. Eu não. Para mim, desta vez ele lerá
algo que o fará perder o sono, e será bem feito.
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