O Globo
O procurador-geral da República, Augusto
Aras, começou a conversa num estilo “Rolando Lero”, na definição de um senador.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz, encurtou a conversa e disse:
“procurador, o deputado Ricardo Barros está dizendo por aí que o senhor vai arquivar
esse relatório em 30 dias. A gente espera que isso não seja premonição.” O dia
começou nessa cena “constrangendo Aras”, continuou com a Câmara às voltas com a
PEC que fura o teto de gastos e terminou com uma grande alta da taxa de juros.
A Selic foi para 7,75%, com aumento de 1,5%.
O grupo dos parlamentares que liderou a mais competente CPI dos últimos tempos decidiu que vai entregar a cada autoridade responsável a cópia do documento. Começou, claro, por Aras. Os senadores e as senadoras trabalharam para não ligar o forno de pizza. Por isso, a CPI produziu durante os seus trabalhos inúmeros efeitos que ajudaram a salvar vidas. É difícil imaginar o que teria sido do Brasil sem a CPI e sem o STF reforçar a autoridade de os governadores adotarem medidas protetivas. Mesmo assim há um duro caminho à frente, segundo fontes do Ministério Público.
— O mais promissor está nos crimes contra a
saúde. Crime de agravamento de epidemia com resultado de morte pode ser o mais
forte, mas é preciso mostrar o nexo causal. Não adianta ser óbvio, o MP tem que
provar. Precisamos de provas e não de convicções —disse um procurador,
lembrando uma frase que ficou famosa na Lava-Jato.
Um dos fatos que parece fácil provar é
prevaricação na compra de vacinas, explicou o procurador. Mas, nesse caso, a
prescrição ocorre rapidamente. E qual será a estratégia de Aras? Segundo fontes
do MP, a tendência de Aras é ganhar tempo para nada decidir:
— Ganhar tempo é vital para ele na disputa
da cadeira do STF.
Outro procurador avaliou que há provas de
todos os crimes, ainda que seja incerto o caminho na PGR:
— Poder ele pode (arquivar o relatório)
porque é titular exclusivo da ação penal contra o presidente da República. Por
outro lado, eu li o relatório e acho que as provas são abundantes.
Os senadores da CPI dizem que vão marcar em
cima, e no Supremo já há sinais de irritação com o método do PGR de não
decidir.
A economia do governo Bolsonaro atravessou
ontem um marco. Passou a ter uma taxa de juros mais alta do que a que recebeu.
Quando o governo começou, a taxa estava em 6,5% e com o terreno preparado para
continuar caindo. Ontem foi para 7,75%. E já prometeu mais 1,5 ponto na próxima
reunião, isso significa que terminará o ano em 9,25%.
Era necessário o Banco Central apertar o
passo. A inflação passou de 10% no acumulado de 12 meses, pelo IPCA, diante de
uma meta que é 3,75%. Nesse contexto, o governo promove uma mudança
constitucional casuística para ampliar gastos. E, como já disse aqui, nunca foi
pelos pobres. A pobreza está sendo usada como biombo. O governo quer ter espaço
para gastos eleitoreiros e para compra de apoio no Congresso que o blinde de um
processo de impeachment.
A PEC dos precatórios é um completo
absurdo. Mesmo assim recebeu elogios do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
que prometeu levá-la diretamente ao plenário quando estiver aprovada na Câmara.
Técnicos do Câmara dizem que o espaço a ser
aberto com a manobra da mudança do teto de gastos e o adiamento do pagamento
dos precatórios pode ser maior do que os R$ 83 bilhões. Isso porque o governo
vai ter vantagem com a inflação. Quanto mais ela subir, maior será o valor no
teto de gastos com a transferência da data de reajuste. Em vez de 12 meses até
junho, será de 12 meses de janeiro a dezembro. A inflação está acelerando e
isso ampliará o teto. Claro que os benefícios também serão corrigidos por esse
valor, mas o correto, se o objetivo fosse a sincronização, era passar também as
despesas para serem corrigidas com o índice de julho a junho.
O governo está fazendo uma sucessão de
pedaladas nesta PEC. O crime fiscal usado como acusação contra a ex-presidente
Dilma agora é incluído na Constituição. A economia, contudo, reage com elevação
da inflação, que provoca a alta de juros. Nesse cenário, o país caminha para a
recessão no ano que vem. Com estouro de teto, inflação, juros altos, recessão,
chegaremos ao último ano de mandato de um presidente acusado pela CPI de ter
cometido nove crimes.
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