EDITORIAIS
Estamos vencendo
Folha de S. Paulo
Vacinação se dissemina no Brasil como em
poucos países e permite retorno vigilante à normalidade
É uma lástima que a incompetência e a
ignorância do governo Jair Bolsonaro tenham
retardado a vacinação contra a Covid-19, contribuindo para dezenas de milhares
de mortes evitáveis no Brasil. A resistência da sociedade, entretanto, empurrou
a campanha para a frente e produziu resultados que já podem ser considerados
excelentes.
No estado de São Paulo, adiantado no
processo, 87 de cada 100 adultos completaram seu ciclo de imunização. Os indicadores
paulistas hoje são equiparáveis aos de nações desenvolvidas
como França e Itália, e melhores que os da Alemanha, do Reino Unido e dos Estados
Unidos.
A julgar pelos que tomaram ao menos uma
dose —praticamente todos com 18 anos ou mais—, a cobertura em São Paulo chegará
muito perto de abranger o conjunto das populações alvo em semanas.
Curvas parecidas se delineiam para o público de 12 a 17 anos, que começou a ser vacinado recentemente, e também no caso dos acima de 60 habilitados à dose de reforço. Em ritmo pouco inferior, as demais unidades da Federação convergem para resultados similares.
Em decorrência da imunização maciça, fruto
do trabalho de estados e prefeituras e da elevada confiança dos brasileiros nas
vacinas, a infecção pelo coronavírus entrou em declínio sustentado no país.
O número médio de mortes, embora ainda
elevado, baixou de mais de 3.000 por dia, no início de abril, para menos de
350. As internações
em UTIs paulistas caíram continuamente —1.700 hoje ante mais de
13.000 no pico—, regrediram a marcas do início da pandemia em 2020 e indicam
manutenção da tendência de queda nos óbitos.
Esse conjunto de dados sugere que a
sociedade brasileira, por suas próprias forças e a despeito da desídia do
governo federal, está vencendo a epidemia de coronavírus. A confiança para a
retomada de hábitos da vida normal, fundamental para o bem-estar individual e
coletivo, pode agora alimentar-se de fatos e conquistas concretas.
Quando faltavam vacinas, o distanciamento
não foi uma resposta ideológica, como apregoam os negacionistas do
bolsonarismo, mas uma questão de obedecer às melhores recomendações da ciência
para salvar vidas. Da mesma maneira, a volta à normalidade não deveria ser
obstaculizada por considerações de natureza subjetiva.
Decerto há que reforçar as vigilâncias
sanitárias por exemplo com a disseminação de testes rápidos, que se tornaram
mais eficazes e baratos. Se houver sinais de repique da doença, que se avaliem
as medidas cabíveis ao risco oferecido.
Mas é hora de olhar com mais segurança o
futuro imediato, de retomar com as cautelas devidas as relações pessoais que
dão mais sentido e frutos à vida humana.
Injustiça militar
Folha de S. Paulo
STF precisa concluir debate sobre limites
dos tribunais fardados no regime democrático
Em boa hora o Supremo Tribunal Federal
decidiu retomar o julgamento de duas ações que questionam os poderes da
Justiça Militar no país, pendentes há vários anos.
No primeiro caso, discute-se sua
competência para julgar civis
em tempos de paz. O Código Penal militar, vigente desde o período
autoritário, incluiu entre os crimes que poderiam ser julgados pelas cortes
fardadas o desacato a militares, mesmo se cometido por civis.
Definido vagamente pela legislação, o
delito tornou-se obsoleto com a redemocratização do país, por dar margem a
tentativas de cerceamento da crítica legítima —incabíveis numa sociedade
aberta.
No segundo caso, a questão é saber se
crimes cometidos por militares em operações de garantia da lei e da ordem, como
as ações na área de segurança pública, devem ser julgados pelas instituições
castrenses ou pela Justiça comum.
Em 2010, uma lei assinada pelo então
presidente Luiz Inácio Lula da Silva conferiu esta competência às cortes
militares. Em 2017, Michel Temer a
expandiu, transferindo para elas também os crimes dolosos contra a vida de
civis praticados por militares nas operações.
A Procuradoria-Geral da República
apresentou as duas ações ao STF nos idos de 2013. É injustificável a demora do
tribunal em enfrentar essas questões e decidi-las.
A que trata do julgamento de civis em
tempos de paz foi incluída na pauta do plenário nesta quarta (27), mas não
houve tempo de discuti-la. Espera-se que os ministros voltem a ela nesta quinta
(28).
O debate sobre as operações na segurança
pública começou há dois anos e foi interrompido. Três magistrados se
manifestaram a favor da Justiça Militar e um votou contra. A data em que o
julgamento será reiniciado permanece indefinida.
O que está em jogo nos dois casos é mais do
que as atribuições dos tribunais. Trata-se de definir a quais mecanismos de
responsabilização os membros das Forças Armadas devem estar submetidos num
regime democrático.
Passadas mais de três décadas desde o fim
da ditadura, o Brasil tornou-se ponto fora da curva ao expandir, em vez de
restringir, o alcance das cortes militares em tempos de paz, inclusive para
punir civis.
O Congresso faria bem em rever o desenho e
as competências desses tribunais. Na ausência de ação legislativa, caberá ao
STF definir os limites à luz das garantias constitucionais que oferecem
proteção a todos os cidadãos, fardados ou não.
A desfaçatez da PEC dos Precatórios
O Estado de S. Paulo
Com a PEC 23/21, o Congresso articula aumentar o Fundo Eleitoral para R$ 5 bilhões e incluir emendas de relator no valor de R$ 16 bilhões
O governo de Jair Bolsonaro tem tratado a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 23/21, que limita o pagamento dos
precatórios, como se fosse medida imprescindível para as finanças estatais e o
funcionamento dos serviços públicos. A realidade é, no entanto, muito
diferente. Enquanto o Executivo federal tenta vender a ideia de que seria
imprescindível dar um calote nas dívidas reconhecidas pela Justiça – afinal, é
disso que trata a PEC dos Precatórios –, o Congresso articula aumentar o Fundo
Eleitoral de R$ 2 bilhões para R$ 5
bilhões, além de incluir emendas de relator no valor de R$ 16 bilhões.
Eis a desfaçatez completa com o Direito e o
interesse público. O governo de Jair Bolsonaro acionou um meio
excepcionalíssimo (propõe mudar a Constituição) para que seja autorizado a não
cumprir obrigações reconhecidas pela Justiça. Pretende, assim,
institucionalizar da forma mais solene possível o calote. O descaramento, no
entanto, não termina aí. A ideia negociada no Congresso é usar o dinheiro
“poupado” pelo calote em campanhas eleitorais e emendas parlamentares.
Como se observa, a PEC dos Precatórios não
é ruim apenas em razão dos meios utilizados, ao dar autorização para que o
Estado não cumpra uma de suas obrigações mais básicas, que é pagar os credores.
A medida é profundamente equivocada também em razão de seus fins. A depender
das negociações em curso no Congresso, o dinheiro do calote servirá não somente
para distribuir dinheiro aos famintos – que é o pretexto oficial do drible nos
credores –, mas para saciar a voracidade eleitoreira de partidos e políticos
fisiológicos.
Trata-se de apropriação abusiva por parte
do Estado de recursos dos cidadãos e empresas. Deve-se recordar que o pagamento
de precatórios não está na esfera de decisão do poder público. É uma obrigação
reconhecida pela Justiça. Ou seja, um governo que se preocupa com fortalecer a
segurança jurídica – isto é, um governo que não ignora que a existência de um
ambiente de negócios com regras previsíveis é condição indispensável para o
desenvolvimento social e econômico do País – não propõe, tampouco faz qualquer
movimento para alterar o pagamento de precatórios.
Assim, com a PEC dos Precatórios, o
presidente Jair Bolsonaro contraria, da forma mais incisiva possível, seu
discurso de campanha, em que prometeu destravar a economia e dar um novo
dinamismo aos negócios. É impossível estimular a economia com alteração das
condições de pagamento de precatórios. No caso, não se pode sequer dizer que
seria uma alteração das regras com o jogo em andamento. Trata-se de mudança das
regras – e do resultado – com o jogo já finalizado. Perante um governo que
ignora suas responsabilidades, é preciso recordar a realidade mais básica: todo
precatório é resultado de decisão judicial transitada em julgado, sem
possibilidade de recurso.
Nessa história absurda – a tentativa de
criar na Constituição uma exceção para que o Estado não cumpra decisão
judicial, aproveitando o dinheiro “poupado” com o calote para campanha
eleitoral e emendas de relator –, há ainda outro grave defeito. Não é apenas
que o Estado deveria cumprir suas obrigações judiciais, que recurso público não
deveria ser destinado a partido político e que emenda de relator não deveria
existir. O pagamento de precatórios representa o retorno de dinheiro que estava
indevidamente nas mãos do Estado à sociedade – às pessoas físicas e jurídicas
credoras daquelas obrigações.
Além da evidente questão relacionada à
justiça – num Estado Democrático de Direito, o poder público não pode se
apropriar à margem da lei de recursos dos cidadãos e das empresas –, esse
movimento de retorno dos recursos financeiros à sociedade é de extrema
relevância para a economia, para os investimentos, para a produtividade
nacional. Não há nenhum sentido em literalmente queimar o dinheiro do credor privado
– que poderia usá-lo, por exemplo, para empreender ou investir – com campanha
eleitoral ou emenda de relator. A PEC dos Precatórios merece ser rejeitada.
Além de injusta, vai-se configurando como caminho para uma utilização
completamente irracional e contraproducente dos recursos nacionais.
A CPI da Covid cumpriu seu papel
O Estado de S. Paulo
Relatório final da comissão apresentou um
retrato muito bem delineado do que foi a tenebrosa condução do País nestes
tempos sofridos
Como era esperado, a Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) da Covid aprovou o relatório final do senador Renan
Calheiros (MDBAL) por 7 votos a 4. Entre outras medidas, a CPI da Covid
recomendou o indiciamento de 78 pessoas que, no entendimento da maioria dos membros
da comissão do Senado, teriam cometido crimes que contribuíram decisivamente
para transformar a emergência sanitária em uma tragédia sem precedentes na
história do País – a começar pelo presidente Jair Bolsonaro. Ao final da última
sessão da comissão, realizada no dia 26 passado, o Brasil havia ultrapassado a
marca de 606 mil mortes em decorrência do coronavírus.
A aprovação do relatório de mais de 1.200
páginas é o epílogo de uma CPI cujo objetivo inicial era organizar as profusas
evidências da inépcia de Bolsonaro e de outras autoridades para enfrentar a
pandemia de covid-19. Ao final de seis meses de trabalho, a CPI cumpriu o seu
papel ao demonstrar que, de fato, a irresponsabilidade de Bolsonaro ao lidar
com a crise e seu patológico desdém pelas aflições de seus governados, por si
sós, foram suficientemente graves por infligir à população um sofrimento muito
além do que seria esperado no contexto de uma pandemia. Contudo, a comissão de
inquérito foi além de suas pretensões originais e apurou fatos que, até sua
instalação, eram desconhecidos do grande público.
Graças às investigações da CPI da Covid,
por exemplo, tomou-se conhecimento das tramoias envolvendo servidores do
Ministério da Saúde, agentes políticos e lobistas para aquisição das vacinas
Astrazeneca/oxford e Covaxin por intermédio de empresas de fachada. É seguro
afirmar que as negociatas – urdidas para enriquecer uns poucos sem qualquer
garantia de que as vacinas, afinal, chegariam aos braços dos brasileiros – só
não foram concretizadas pela ação incisiva da CPI da Covid.
A comissão de inquérito também lançou luz
sobre a perigosa projeção que o chamado “gabinete paralelo” adquiriu no curso
da pandemia. A pretexto de “assessorar” o presidente da República, o grupo
formado por políticos, médicos e empresários sem cargo oficial no governo, como
apurou a CPI, serviu apenas para passar um verniz de cientificismo fajuto nas
mandingas que Bolsonaro receitou à população com o objetivo de falsear a
gravidade da crise sanitária e estimular a volta ao trabalho e a retomada da
atividade econômica. Agindo assim, o presidente sobrepôs seus interesses
particulares à saúde e à vida dos brasileiros.
As consequências jurídicas da CPI da Covid
dependem agora do tratamento que será dado ao relatório pela Procuradoria-geral
da República e pelo Ministério Público dos Estados, para os casos que envolvem
o indiciamento ou denúncia de pessoas sem foro especial por prerrogativa de
função. Que houve crimes, não resta dúvida. Milhões de brasileiros os
testemunharam. O País viu – e a CPI da Covid documentou – o atraso deliberado
do governo federal para adotar medidas que poderiam ter salvado muitas vidas,
como a aquisição das vacinas e o estímulo ao uso de máscara e ao distanciamento
social. Entretanto, à CPI da Covid, como a qualquer outra, não cabe se ocupar
dos desdobramentos jurídico-penais de seus achados. Naquilo que a concerne, ou
seja, a investigação eminentemente política dos fatos que ensejaram sua
instalação, a CPI da Covid foi muito bem-sucedida.
O relatório final da CPI da Covid é um
monumento político erigido pelo diligente trabalho de seus membros. Em que
pesem alguns tropeços dos senadores ao longo do caminho, como oitivas
desnecessárias, arroubos de vaidade ou recomendações estapafúrdias, como o
banimento de Bolsonaro das redes sociais, os parlamentares legaram ao Brasil um
documento histórico. No futuro, a leitura das 1.288 páginas do relatório dará
ao observador desapaixonado um retrato muito bem delineado do que foi a
tenebrosa condução do País por Bolsonaro nestes tempos sofridos.
Agora está definitivamente registrado, com
a força de um documento do Senado, que, durante um dos momentos mais dramáticos
de sua história, o Brasil foi governado por um presidente não só incapaz, como
nocivo. A despeito disso, o País começa a superar a pandemia – mas levará mais
tempo para superar Bolsonaro.
COP26 segue longe de metas para evitar
desastre climático
Valor Econômico
Governo brasileiro segue maquiando a
realidade ambiental
A COP26 começa com maus presságios para o
combate ao aquecimento global, da mesma forma que várias de suas antecessoras -
o que precisa ser feito continua muito além do que os 193 países ligados ao
Acordo de Paris estão dispostos a fazer. A melhor linha de resistência a um
futuro no qual o clima será cada vez mais hostil ao homem é evitar que a
temperatura suba 1,5o C - já se atingiu 1,1o. Para chegar lá seria preciso que
as emissões globais de gases de efeito estufa fossem cortadas em 55% até 2030.
No estágio seguinte, à beira do crítico, de 2o, a redução das emissões teria de
ser de 30%. Com as novas metas nacionais apresentadas, porém, chega-se a um
corte de apenas 7%.
“A menos de uma semana para a COP26
continuamos na rota do desastre climático mesmo com os mais recentes
compromissos que foram feitos”, resumiu o secretário geral da Organização das
Nações Unidas, Antonio Guterres. “A lacuna de emissões representa uma lacuna de
liderança”.
O impulso para a ação global melhorou de
forma significativa após a saída de cena do negacionista Donald Trump, que
retirou os EUA - o segundo maior poluidor do mundo -, e sua substituição por
Joe Biden. Biden tem compromissos firmes com a proteção do ambiente, embora
governe com um Senado dividido pela metade e oposição cerrada dos republicanos.
Ainda assim, os desafios continuam quase do mesmo tamanho.
Com a hostilidade de Trump, a China mostrou
maior ambição para se contrapor à posição americana sobre ambiente. Mas Joe
Biden manteve a pressão sobre Pequim e a tentativa dos dois países de
caminharem na mesma direção em Glasgow pode ter ficado no campo das boas
intenções diplomáticas. Agentes de emissões de 35% do total mundial, sem ações
decisivas dos EUA e China o pesadelo climático se materializará. A disputa
entre as duas potências, porém, pode retardá-las ou mesmo impedi-las.
Nos EUA, os planos bilionários de
investimentos verdes encontram também a oposição de um par de democratas
conservadores que provavelmente forçarão o governo a reduzir a abrangência do
pacote. Índia, tão ou mais dependente do carvão que a China, Rússia e
Indonésia, os outros três países do pelotão dos cinco maiores poluidores - que
somam metade das emissões mundiais- não parecem ter ampliado suas metas até
agora.
A China, campeã mundial de emissões com
(23,9% do total mundial), prometeu atingir o pico dos lançamentos de
gases-estufa até 2030, mas não melhorou sua meta até a véspera da reunião de
Glasgow, que se inicia domingo. Há esperança de que o faça até o fim da COP,
mas há obstáculos. O país vive uma crise energética e sua tentativa de reduzir
a produção de carvão, com grande peso em sua matriz energética, sofreu um
revés. Os estoques caíram, os preços dispararam e então o governo voltou atrás
e determinou produção a toda a carga das minas, após cortes de energia em boa
parte do país.
Do Brasil, o sexto maior poluidor (2,9% das
emissões globais), nada se espera. Segundo relatório do Pnuma, órgão da ONU
para o ambiente, o país foi o único do G-20 que recuou de suas promessas.
Comprometeu-se a cortar até o fim da década 43% das emissões sobre a base de
2005, mas a base foi revista e há um “extra” de emissões de 307 milhões de
toneladas de CO2.
A conduta da delegação não será tão nociva
quanto a do ministro Ricardo Salles na COP anterior. Mas o Brasil continua
dando alta prioridade ao pleito por dinheiro para proteger a Amazônia, isto é,
que recursos externos supram a mendacidade do governo Bolsonaro, que pôs à
mingua os órgãos de defesa do ambiente e os desestruturou.
Além da verba, interessa ao Brasil a
solução de outro dos pontos centrais da COP26, a regulamentação do artigo 6 do
Acordo de Paris, que trata da criação do mercado global de carbono. Idealmente,
pode carrear de US$ 16 bilhões a US$ 72 bilhões ao Brasil até 2030, segundo
cálculos do Cebds (Valor,
14-10).
No mais, o governo segue maquiando a realidade ambiental. Divulgou um Plano Nacional de Crescimento Verde recauchutado, com apenas R$ 12 bilhões de dinheiro novo. O desmatamento na Amazônia voltou a bater recordes. O trabalho de destruição de Bolsonaro é auxiliado por aliados no Congresso que, a poucos dias da COP aprovaram a lei que dá aos municípios o poder de decidir faixas de ocupação das margens de rios e córregos, eliminando o mínimo de 30 metros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário