quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Malu Gaspar – Bolsonaro não está morto

O Globo

Todas as pesquisas de opinião disponíveis no Brasil mostram que, se as eleições presidenciais fossem hoje, teríamos um segundo turno entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. As projeções indicam ainda que o petista ganharia do presidente por larga margem. Nos últimos meses, os índices de popularidade de Bolsonaro têm derretido.

Esses fatores estão orientando a estratégia da esquerda, que, assim como parte da opinião pública, calcula seus movimentos para 2022 baseando-se na presunção de que Bolsonaro já era. Parando para analisar com mais calma os fatos dos últimos dias, porém, a coisa muda de figura.

A CPI da Covid aprovou na terça-feira seu relatório pedindo o indiciamento de Bolsonaro por nove crimes, mas encontrará na Procuradoria-Geral da República uma barreira sólida — Augusto Aras, que já está bolando formas de postergar qualquer iniciativa a respeito.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, deu sinais de que não pretende fazer avançar nenhum eventual pedido de impeachment decorrente da CPI.

Tudo indica que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) arquivará o pedido de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por disparo em massa de mensagens na campanha eleitoral de 2018.

No STF, o ministro Kassio Nunes Marques, nomeado por Bolsonaro, acaba de reconduzir ao cargo o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Domingos Brazão, ex-deputado estadual investigado na CPI das Milícias e afastado por suspeita de corrupção. 

Isso depois de uma semana em que Paulo Guedes perdeu quatro auxiliares-chave, numa debandada contra a mudança de regras que permitirá ao governo extrapolar o teto de gastos. A saída fez o dólar registrar sua maior alta desde abril e a Bolsa, a maior queda em um ano.

Para completar, na noite de domingo vazou um áudio em que o controlador do BTG, André Esteves, se gabava de dar conselhos a Arthur Lira sobre como lidar com a crise na economia e contava, na maior naturalidade, sua troca de ideias com o presidente do Banco Central sobre o patamar ideal para a taxa de juros.

Em qualquer país sério, o episódio teria causado um furdunço. No Brasil, foi o contrário. O dólar e a Bolsa estabilizaram, no que observadores mais irônicos interpretaram como reação favorável do mercado ao constatar quem de fato está no comando. 

Com tudo isso acontecendo, os líderes dos principais partidos do Centrão, PL e PP, estão disputando a tapas a filiação de Jair Bolsonaro e sua trupe em suas legendas.

O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, divulgou um vídeo anunciando ter convidado Bolsonaro e seus filhos “e fiéis seguidores da causa brasileira”, esperando que o presidente da República anunciasse a filiação no dia seguinte, mas o PP de Lira e Ciro Nogueira atravessou a negociação.

Os dois prometeram a Bolsonaro mais espaço para seus candidatos e ouviram dele que tinham voltado ao primeiro posto na fila de suas preferências.

Lira, Nogueira e Costa Neto não são neófitos na política, nem consta que se movam por paixões ideológicas. Quem abrigar Bolsonaro em seu partido terá de ir até a urna com ele. Portanto, se estão cortejando Bolsonaro com tamanha sofreguidão, é porque entendem que, mesmo com os péssimos prognósticos na economia e o cenário desanimador das pesquisas, estar colado ao presidente da República ainda vale mais que abandoná-lo e pular de canoa no meio da corrida eleitoral.

Para esses caciques, o jogo é usar as verbas e o apelo eleitoral que Bolsonaro ainda tem para engordar suas bancadas no Congresso no pleito de 2022 e ingressar com mais força no novo governo em 2023, qualquer que seja ele.

Isso mostra que as pesquisas estão erradas? Não necessariamente.

Mas sugere que é muito cedo para considerar que Bolsonaro já era. O presidente ainda é forte na disputa. E se tornará um adversário ainda mais difícil de bater se souber usar a seu favor os R$ 5 bilhões previstos para o fundo eleitoral, mais os quase R$17 bilhões ainda disponíveis no orçamento secreto.

No fundo, a disputa para filiar o presidente é uma demonstração de que, para o Centrão, ele pode representar um risco à democracia, uma tragédia para a saúde pública e uma temeridade para a economia.

Mas, enquanto esses caciques e suas necessidades estiverem bem contemplados, a sobrevivência política de Bolsonaro está assegurada. Por aí se calcula quanto custará mantê-lo vivo até o final de 2022. Será uma conta que todos vamos pagar.

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