Folha de S. Paulo
Direito a um ambiente protegido da
devastação propiciará novas formas de ação política
Às vésperas da COP-26, o Conselho de
Direitos Humanos das Nações Unidas incluiu entre aqueles sob a sua guarda o de
viver em um ambiente limpo, saudável e sustentável. Além disso, designou um
relator especial para tratar dos impactos da degradação da natureza sobre tais
direitos —forma prática de dar à questão a importância apropriada.
Na origem de ambas as decisões está uma ideia de há muito defendida pela ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson, que também chefiou o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos. É o tema de seu livro "Justiça Climática", recém-lançado no Brasil pela editora Record. A autora argumenta que a mudança climática representa uma crise de justiça por afetar de modo desproporcional os países de baixa renda e, em toda parte, os direitos básicos dos mais vulneráveis: homens e (especialmente) mulheres pobres, minorias étnicas e populações indígenas ou tradicionais. Gera ainda injustiça entre gerações, as mais novas pagando a imensa fatura do desastre semeado pelos seus predecessores.
Os realistas dirão que essa é uma conversa
sobre valores: sem lugar, portanto, nas arenas onde recursos mais palpáveis de
poder e considerações geopolíticas acabarão por definir os rumos da concertação
mundial em defesa do planeta. Falso. Na origem de cada política governamental
inovadora sempre estiveram ideias poderosas o bastante para transformar o que
parecia natural e imutável em problema público, iluminar a busca dos
instrumentos aptos a dele tratar e fornecer argumentos para quem pressionasse
por soluções.
Foi assim, tipicamente, com a construção
dos sistemas contemporâneos de proteção social. Eles resultaram de mudanças nas
formas de perceber a pobreza, não como sina inescapável, mas como produto da
operação do sistema econômico e do mando político. Foram também consequência de
ideias embebidas em valores que, desde o final do século 19, estabeleceram a
noção de direitos sociais —à previdência, proteção contra o desemprego,
educação, saúde, habitação digna, garantia de renda mínima— associadas à
cidadania e, enfim, à própria condição humana.
Incorporada aos direitos humanos e tratada
como questão de justiça, a aspiração a um ambiente protegido da devastação
poderá arrimar novas modalidades de ação nas ruas, no Judiciário e junto às
instituições multilaterais.
No Brasil, se prosperar a sua percepção como alicerce de direitos sociais básicos, talvez sensibilize aqueles setores progressistas que, de tanto valorizar o petróleo e as grandes barragens, não conseguem incorporar a sustentabilidade climática à sua agenda política.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap
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