Valor Econômico
O presidente usa o ministro para regatear
que lhe cobra o Centrão e se vale do bloco para tirar de Guedes o que precisa
para turbinar sua reeleição
O presidente Jair Bolsonaro usa o ministro
Paulo Guedes para regatear o preço do resgate cotidiano que lhe é cobrado pelo
Centrão. E se vale do bloco para tirar do ministro da Economia o que precisa
para turbinar sua reeleição. Não é um casamento de papel passado porque tem que
ser renovado a cada ano no Orçamento. Tampouco é uma união estável. Trata-se de
uma relação a três, eivada de infidelidades mútuas e que se sustenta na
dependência crescente que cada um tem dos outros dois.
O embate orçamentário que hoje se assiste é
uma demonstração de que o teto que os abriga, não bastasse o material de
segunda com que foi feito, se desgastou na cobertura de tão atribulada relação.
Como o teto já não comporta mais tantas claraboias, chaminés e remendos, eis
que os três parecem ter concluído que é hora de derrubá-lo. O problema é que,
ao longo desse tempo, acumularam-se desconfianças e ressentimentos, além de
flertes extraconjugais. Se não há como sustentar o teto, tampouco se sabe como
preservar uma relação exposta às intempéries dos próximos 14 meses.
Depois de convencer Guedes a abrir mão do teto, Bolsonaro busca a cumplicidade de seu ministro para resguardar um abrigo para si sem se importar se o Centrão pode acabar na chuva. Que indícios dá disso? Quisesse apenas viabilizar o auxílio emergencial o presidente poderia tentar fazê-lo via crédito extraordinário. É bem verdade que a calamidade que o justificaria é mais da ordem da inépcia do que do inevitável, mas esta relação já expôs outros tantos pecados públicos que ninguém se escandaliza mais. Bolsonaro vale-se do expediente porque quer trazer outras prebendas para seu abrigo, dos agrados a caminhoneiros a tantos quantos forem necessários para continuar a ser o eixo desta relação.
Estivesse interessado apenas em matar a
fome dos miseráveis teria deixado prosseguir o projeto de lei de autoria do
senador Eduardo Braga (MDB-AM), que teve a relatoria do senador Antonio
Anastasia (PSD-MG) e entrou na terça-feira na pauta do Senado. Este projeto
compatibiliza um benefício de R$ 120 a R$ 600 para os que têm uma renda
familiar per capita de até ½ salário mínimo. E o faz a partir da revogação da
isenção do IR sobre dividendos e da elevação da CSLL de instituições
financeiras. Vale-se ainda da rubrica do abono salarial e do salário-família
com uma compensação para os beneficiários mais vulneráveis desses programas. É
uma proposta que tem a simpatia da Rede Brasileira de Renda Básica mas não
serve aos propósitos do presidente, tanto que suas lideranças manobraram para
tirá-lo de pauta.
O presidente da Câmara farejou o que o
parceiro pretendia lá atrás quando começou essa conversa de destelhar a morada.
Afinal, também quer muito mais do que o auxílio emergencial. Como disse em seu
artigo semanal (FSP), Delfim Netto, testemunha de muitos casamentos desfeitos
ao longo da República, “não é pelos R$ 400” que brigam. Acordos recentes já se
desfazem. Haviam concordado, por exemplo, em chutar pra cima o fundo eleitoral,
em R$ 6 bilhões, para que Bolsonaro vetasse e a prebenda ficasse em R$ 4 bi.
Agora o Centrão quer subir o fundo para R$ 5 bi e, por óbvio, manter R$ 16 bi
para as emendas de relator, que, em outros tempos, vinham embaladas em plástico
opaco e ficavam longe do alcance das crianças. A lista ainda tem um caminhão de
obras e desejos inconfessáveis. Quem nunca?
O stress foi tanto que no início da semana
Arthur subiu o tom como nunca se havia visto naquele lar. “Ele vai pagar por
isso”, disse, com cara de paisagem, sobre a declaração do parceiro na live da
semana passada. É óbvio que Jair aloprou ao relacionar aids, vacina, aspirina e
urubus. Mas Arthur descobriu agora que o parceiro mente? É compreensível o
nervosismo. O presidente ameaça trocá-lo por Valdemar Costa Neto. Sabe-se que
não é por boniteza mas por precisão.
O terceiro integrante da parceria está
longe de ficar neutro na história. Se tiver que escolher um, é claro, Paulo
fica com Jair. Afinal, (ainda) é dele o molho de chaves. E se um dia a casa
vier abaixo é ao seu lado que precisa estar. E não é para salvar as obras
completas (e na língua original) de Milton Friedman. É que ninguém sabe onde
foi parar o extrato daquela conta perdida no paraíso fiscal. Ninguém sabe,
ninguém viu. Mas os colegas do Arthur vão perguntar. No dia e na hora que ele
marcar. O stress chegou ao ponto de Paulo se queixar em público que alguém foi
bater à porta de outro amigo, o André, para saber se ele podia emprestar um de
seus funcionários para colocar no seu lugar. Como o sócio do BTG confidenciou
(para 40 pessoas) que vive de mexerico com Arthur, todo mundo ficou sabendo
quem era esse alguém.
A relação que hoje é cheia de
ressentimentos e decepções no início era de encantamentos quase idílicos. Em
setembro de 2019 o ministro Paulo Guedes foi à Comissão Mista de Orçamento e lá
abriu seu coração. Ele tinha acabado de chegar mas já percebera que seria
difícil fechar as contas. O presidente da Câmara ainda era Rodrigo Maia, um
companheiro de armas que se afastaria com a queixa de que Paulo traíra seus
velhos ideais. Arthur já era a noiva prometida e a ela Paulo dedicou suas mais
puras intenções.
O ministro se queixava de que o Orçamento
estava comprometido com os carimbos da Constituição de 1988. E se os
constituintes haviam feito história com aquela decisão, era chegada a hora de
voltar ao panteão fazendo o inverso. “Controlar o Orçamento público é o grande
desafio que pode levar este Congresso para a história”, conclamou o ministro.
“A classe política não tem que andar atrás de ministro pedindo verba. Que
história é essa? São os representantes da população, foram eleitos, as verbas
têm que ser descentralizadas e exercidas, sem ser preciso um esforço enorme
para tentar uma [emenda] impositiva para cada deputado poder ter 10 milhões ou
15 milhões de reais. Não! Há R$ 1,5 trilhão no governo”.
Paulo achou que podia contar com o novo
parceiro, mas Arthur tinha outros planos. Queria mais era carimbar o que
restava do Orçamento. Não bastasse o carimbo das emendas individuais, impôs o
das emendas de bancada e, para o orçamento do próximo ano, ampliou a
impositividade para as emendas de trator, ou melhor, de relator. Bolsonaro
vetou, mas a turma de Arthur vai pra cima. Afinal, como disse o próprio Paulo
naquela inesquecível tarde, “representar o povo é controlar os orçamentos
públicos”. E no fim, burro é o astronauta.
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