quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Aylê-Salassié F. Quintão* - Reeleição, com desincompatibilização

Esse precoce carnaval sucessório dos mais de trinta partidos em atividade legais no País e outro tanto sem registro no Tribunal Eleitoral dá mostras de que, em nome da democracia, todos caminham sobre um vazio de sentido e de compromissos explícitos com a verdade (Pondé) ou um comprometimento com a eficiência das políticas e programas sob a responsabilidade da máquina pública, senão em conveniências pessoais específicas.

Por conta da fragilidade do pacto pela governabilidade, a corrida eleitoral, comanda pela reeleição, deve agravar o cenário econômico em 2022.  O Banco Central projeta para o próximo ano a possibilidade do brasileiro ter de conviver com uma inflação e taxas de juros de dois dígitos; gasolina e dólar acima de R$ 6,00; 15 milhões ou mais de desempregados; expansão de 0,5 por cento do PIB; e um rombo nos limites fiscais para os gastos públicos acima de R$ 100 bilhões.

A realidade mostra que boa parte dos indicadores econômicos negativos tem sido produzida, desde já, pela força desproporcional dos embates eleitorais, cujo pleito acontecerá daqui a um ano. O País tornou-se um caldeirão de retóricas, promessas vazias, confusas, de interesses pessoais, até vingativos. Tudo improdutivo.  O sistema econômico e as políticas públicas são quase ignorados. Cada empreendedor se vira como pode à luz da imobilidade das reformas em tramitação no Congresso. Algo bárbaro e selvagem acontece. O professor e ex-deputado constituinte Elias Murad conclui que “O Brasil progride à noite, enquanto os políticos estão dormindo”.

Esse ambiente discursivo irresponsável, ao invés de trazer soluções, sem qualquer autocrítica, carismatiza absurdos e ocupa o tempo e   apoios a pessoas presas moralmente às imputações corruptivas, como se inocentes fossem. Afloram por todos os lados   interesses e oportunismos.  Convive-se, inconscientemente, com sábios e sabidos emergidos de espaços de transgressões.

 O atual Presidente, apesar de defendido pelos correligionários como incorruptível, virtude incomum no campo da política, com sua indiferença administrativa e seu amorfismo escatológico, tem culpa direta na configuração desse cenário indigesto e sem qualquer futuro para a sociedade. Ao assumir o cargo, em 2019, iludido pelas formulações abstratas de seu ministro da Fazenda, economista Paulo Guedes, declarou provocativamente que a política macroeconômica que ele formulava iria lhe garantir “uma reeleição tranquila”. 

Assim, Bolsonaro vem atravessando esses anos de governo, manipulando interpretações falseadas e programas públicos em direção à inoportuna visão da reeleição, mesmo sob o fogo cruzado de uma oposição moralmente pouco qualificada. São candidatos prematuros e, todos, desde São Paulo e até ao interior do Nordeste, são vaiados por uma opinião pública invisível.

No presente contexto, a governabilidade voltada para a reeleição dos atuais dirigentes ou para o retorno de velhos caciques, atingiu um dos níveis mais baixos. A desilusão com a política, a alta do desemprego e da inflação atemorizam o cidadão comum, assustado já com a rapidez e com a sucessão de eventos transgressores aflorados no seio do  Estado. A população vai assim se alienando em um estado letárgico, patologicamente angustiado, com total indiferença. Mas, não dá. A deterioração dos indicadores vai bater, mais cedo ou mais tarde, às portas dos cidadãos, na sua mesa.

O País está mergulhado em um realismo fantástico. FHC, uma das vozes contemporâneas aparentemente mais lúcidas no campo da política, depois de cumprir dois mandatos de quatros anos, ponderou.

“ ...foi um erro a reeleição: se quatro anos são insuficientes, seis parecem muito tempo. Ao invés de pedir que no quarto ano o eleitorado dê um voto tipo “plebiscitário” (de reconhecimento da eficiência ou não do governo) seria preferível uma mandato de cinco anos”.

Sarney fez isso: esticou-o por cinco anos, e se deu mal. JK eternizou-se em cinco anos.

Paradoxalmente, foi FHC quem criou a reeleição que iria proporcionar desajustes econômicos logo depois ao se cultivar, ao longo de 16 anos ininterruptos, a ideia de que o Estado podia tudo. Fantasiosamente, defendia-se “uma contabilidade criativa”. Bolsonaro deve acreditar nisso. Mas Guedes e seus assessores demissionários não parecem ter a mesma convicção para sustentar uma reeleição.

Daí que, com o ambiente político gerado artificialmente, o ano eleitoral de 2022, no entender dos economistas de plantão, será propício para a total desestabilização da economia. Poderá haver desarranjos incontornáveis decorrentes da manipulação inadequada dos recursos públicos, com consequências graves para o governo que vier a ser eleito e para a população.  

Pelos custos que representam para a Nação, devia haver um mandato curto (seis meses) de transição para os vices daqueles titulares que, nos respectivos cargos, candidatam-se à reeleição. É preciso proteger a máquina pública dos financiamento das campanhas de quem está em exercício em cargos como o de presidente da República, governador ou de prefeito. É, sim, uma desincompatibilização. Os vices substitutos cumpririam o papel de evitar a paralização de programas governamentais – se existirem - e de resguardar os recursos públicos da sanha da reeleição. Caberia a ele encerrar aquele mandato, sem se envolver nas eleições.

Precisa-se dar um fim á reeleição inventada por FHC, que inspirou trampolins contábeis dentro do Tesouro Nacional. É uma festa de gastos com dinheiro público, sem qualquer retorno para o sistema produtivo. Como se prevê, constitui em ameaça a economia nacional em 2022.

*Jornalista e professor: autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018

 

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