Folha de S. Paulo / O Globo
Se o Itamaraty cuidar, ele será evitado
Faltam três dias para a ida de Jair Bolsonaro à reunião do G-20 de Roma e mais um para o começo, no domingo, da reunião da ONU sobre mudanças climáticas, a COP-26. Se a conduta das delegações brasileiras for conduzida por profissionais do Itamaraty, será possível evitar que o Brasil saia satanizado de Glasgow. Se a orientação sair da copa do presidente Bolsonaro, arma-se um vexame. Essa preocupação é legítima quando se sabe que, em setembro, a copa do Alvorada deu o tom do discurso pedestre do capitão na abertura da Assembleia Geral da ONU.
A entrega da chefia da delegação brasileira
ao ministro Joaquim Leite, do Meio Ambiente, foi um mau sinal. Não só pelo
currículo e pela falta de experiência dele em assembleias internacionais, mas
também pelo desconhecimento dos antecedentes históricos da encrenca em que se
meteu. Ele disse que a proposta da Comissão Europeia de criar uma taxa de
carbono sobre produtos importados seria “uma forma de proteger as indústrias
europeias de concorrentes estrangeiros que não cumprem os mesmos padrões de
redução das emissões de gases de efeito estufa”.
Traduzindo: os europeus usam a proteção ao
meio ambiente para proteger suas economias. Essa ideia é compartilhada pelo
ministro da Economia, doutor Paulo Guedes. Vá lá que haja um fator econômico na
querela. Mesmo assim, acreditar que a preocupação mundial com o clima seja um
joguinho de papeleiros “revela um despreparo enorme”, para usar uma expressão
do próprio Guedes detonando a fantasia de um Plano Marshall diante da Covid-19.
O pelotão palaciano viajou no tempo para
escorregar numa casca de banana do século XIX. Quando o Império defendia a
escravidão e o contrabando negreiro, argumentava, quase em surdina, que o
abolicionismo era um ardil dos ingleses para proteger sua produção. Em
benefício da elite da época, esse argumento nunca foi vocalizado por ministros.
O Barão de Penedo, embaixador em Londres, nunca disse essas tolices por lá.
Passou o tempo e, novamente em surdina, a
ditadura dizia que a política de defesa dos direitos humanos do presidente
Jimmy Carter era uma nova face do imperialismo americano.
Omitiam-se dois fatos essenciais: o Império
assentava-se na escravidão, e a ditadura amparava-se na tortura. Hoje, tenta-se
embaralhar a questão climática reciclando a ignorância. É perda de tempo
porque, salvo na cabeça dos agrotrogloditas, as queimadas da Amazônia estão na
agenda do mundo.
Se o Brasil for para a reunião do G-20 de
Roma e para Glasgow oferecendo um vago projeto verde, falando em protecionismo
e cobrando recursos dos países ricos, pagará um mico. Em situações semelhantes,
defendendo posições escalafobéticas, a diplomacia brasileira soube deixar o
país fora da vitrine. Foi assim quando defendeu a insana política de reserva de
mercado na informática, aquela que proibia a importação de computadores. Depois
de um surto nacionalista, deixou o Acordo Nuclear com a Alemanha ir para a
sepultura sem muxoxos.
Um presidente que não toma vacina e divulga a mentira de que ela provoca reações letais pode ser um ícone para seus convertidos, mas suas ideias em relação ao meio ambiente não são produto de exportação.
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