quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Vinicius Torres Freire - País derrete com juros de Jair e Guedes

Folha de S. Paulo

Mutreta no teto faz com que juros deem salto mortal em poucos dias

Quem olhar as taxas de juros no mercado de atacado de dinheiro verá que estamos fritos no curto prazo. Mais adiante, ainda sendo otimista, verá uma névoa de incerteza com cheiro de fumaça de recessão. As taxas para empréstimos de curto prazo deram um salto, uma previsão de inflação alta e de que o Banco Central vai aumentar a Selic mais rápido, bidu.

A taxa de juros de um ano no atacadão de dinheiro foi para perto de 11,4%, patamar para onde a Selic deve migrar até o início do ano que vem, segundo apostas, pressões e chutes informados no mercado desta terça-feira (faz duas semanas, estava em 8,9%). As taxas "mais longas" ficam altas a perder de vista, uma mistura de sinais de incerteza espessa com recessão. Não é um assunto esotérico. Essa coisa vai estourar nas nossas fuças já machucadas, que dirá na dos mais pobres.

Jair BolsonaroPaulo Guedes e o centrão envenenaram de vez um cenário que já azedara desde meados do ano, por culpa deles também. Sim, o sururu recente foi causado pela gambiarra, pelo casuísmo e pela incompetência do plano de derrubar o teto de gastos, tal como o fizeram. Era previsível que fosse dar besteira. Mas deu muita besteira e rápido. Agora, está na conversa até um "choque de juros".

Por incrível que pareça, quem sabe a esquerda ajude a aliviar essa barra, derrubando na Câmara os planos de Bolsonaro, Guedes e Arthur Lira. O pessoal que passava pano para o tiozão do Zap econômico dado a mentiras lunáticas talvez tenha de mandar um telegrama de felicitações para PSOL e PT. Mas isso é ainda muito especulativo, "protesto".

No atacadão de dinheiro, de empréstimos entre bancos e para o governo, grosso modo, é que se fazem estimativas de juros de curto prazo, de quanto será a taxa Selic, aquela definida pelo Banco Central periodicamente, e de quanto vai custar para o governo tomar empréstimos a fim de cobrir seus déficits e rolar sua dívida. Nesta quarta-feira, vamos saber o tapa para o alto que o BC vai dar na Selic.

Em poucos dias, as taxas de juros "mais curtas" deram um salto mortal e ficaram mais parecidas com as "mais longas" (a curva está quase "flat", plana, em nível alto). As diferentes taxas de juros para diferentes prazos formam pontos da linha de um gráfico chamado "curva de juros". Interpretar a "curva de juros" por vezes é como ler o futuro na borra de café, nas folhas de chá ou nas entranhas dos urubus. Dado o contexto imediato, parece claro que a alta foi causada pela ruína promovida por Bolsonaro, Guedes e Lira. Regredimos a algum ponto do tumulto entre 2015 e 2016.

Caso não se invente um conserto rápido, que dê conta de parte do estrago, a inflação será mais alta porque acham que vai ser e porque o preço do dólar não vai cair. A perspectiva de que a dívida do governo volte a crescer sem controle vai também aumentar o custo de financiamento do governo e, por tabela, da economia inteira (crédito bancário, fundos que as empresas levantam no mercado de capitais etc.).

Parte do estrago já está feita. O que ainda pode ser salvo de 2022 ou 2023 viria por meio de uma solução que permita pagar auxílio aos pobres, necessária e inevitável, com a manutenção desse teto de gastos escorado com madeira podre —sim, seria possível inventar uma espécie de teto novo, mas essa escória no poder é incapaz de fazer isso.

É fácil perceber que não está se discutindo nada de sério a respeito do que fazer do país, mas apenas como conter os danos da nova ofensiva de destruição de Bolsonaro-Guedes.

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