Valor Econômico
Missão é recuperar a confiança dos agentes
econômicos
Deve-se recorrer ao “best seller”
internacional “Sapiens - Uma Breve História da Humanidade” para obter uma visão
interessante dos momentos vividos nos últimos dias pela equipe econômica. Mais
especificamente, folhear o capítulo 16, intitulado “O credo capitalista”.
Vale a pena. É dica de uma autoridade que
acompanhou de perto a crise entre a cúpula da pasta da Economia e a ala
política do governo, a qual culminou em mais uma debandada de técnicos
subordinados ao ministro Paulo Guedes.
As baixas foram lamentadas dentro do
ministério. O ambiente interno vinha melhorando e havia a expectativa de que o
trabalho desenvolvido, além de sinalizar o compromisso com a responsabilidade
fiscal, ajudaria a recolocar o país na rota do crescimento. Confirmado esse
cenário, naturalmente o presidente da República e seus aliados seriam
beneficiados na campanha eleitoral de 2022.
Achava-se que o governo, com ajuda do Congresso, já havia destinado um volume considerável de dinheiro para o combate à pandemia e, também, para o enfrentamento dos efeitos da crise. Reconhecia-se, no entanto, que o país passa por um momento difícil e um reforço nas políticas sociais precisava ser discutido.
De pronto, encontrou-se margem para ampliar
o valor mensal recebido por milhões de famílias para R$ 300, mas a quantia não
foi considerada suficiente por Bolsonaro e pelo seu entorno político. Era
preciso abrir espaço para a concessão de benefícios de R$ 400 mensais, o que
acabou provocando a recente turbulência.
Diante da pressão, a equipe econômica não
conseguiu construir a tempo um discurso claro e transparente de que a
iniciativa não deveria ser vista como um “furo” no teto de gastos. A elevação
de emendas parlamentares ao Orçamento seria inevitável, é verdade, mas havia
disposição de não abrir a porteira para qualquer investimento em
infraestrutura, por exemplo. Sob essa ótica, tratava-se de uma concessão
pontual a ser compensada pela arrecadação e pelo avanço da agenda de reformas
no Legislativo.
A mensagem que o governo pretendia passar
era que ocorreria, isso sim, apenas um “ajuste” no teto. E ele se daria por
meio da mudança de critérios de sua aferição. Ou seja, em vez de corrigi-lo
pela variação do IPCA de junho a julho, a ideia era considerar a inflação do
ano-calendário: uma adaptação metodológica que se fazia necessária por causa do
aumento da fome no país.
Contudo, não se obteve sucesso na
empreitada. Até hoje integrantes da equipe econômica tentam explicá-la e
assegurar que a responsabilidade fiscal não ficará apenas no discurso. Há,
portanto, um déficit de confiança a ser enfrentado. E é exatamente este o
aspecto da importância da confiança sublinhado por Yuval Noah Harari naquele
trecho de “Sapiens”.
Ao tratar do “credo capitalista” no
capítulo 16, ele destaca que é preciso ter em mente uma só palavra para
entender a história econômica moderna: crescimento. Isso porque durante a maior
parte da história a economia permaneceu mais ou menos do mesmo tamanho, e o que
mudou essa característica foi a capacidade do ser humano de criar engenharias
financeiras que proporcionam a alavancagem da economia. “É um tributo às
capacidades incríveis da imaginação humana”, disse, acrescentando que o crédito
é o que permite a construção do presente à custa do futuro. Em outras palavras,
por meio do pressuposto de que os recursos futuros de determinada pessoa
física, empresa ou sociedade serão mais abundantes do que os recursos
presentes. “O que permite que os bancos - e toda a economia - sobrevivam e floresçam
é nossa confiança no futuro. Essa confiança é a única garantia para a maior
parte do dinheiro do mundo.”
No “credo capitalista”, diz o autor, o mais
sagrado mandamento é que os lucros da produção sejam reinvestidos para o
aumento da própria produção. Isso pode - e deve - ser feito tanto pelas pessoas
quanto pelos governos. Estes o fazem quando, por exemplo, decidem direcionar
recursos para a redução de gargalos de infraestrutura ou educação.
Em geral, a ciência é outro destino comum
dessas verbas. Não no Brasil. O país teima em fugir à regra, talvez porque quem
tem a chave do cofre não acredita que o orçamento cortado do Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação possa ter impacto direto no crescimento
econômico.
Ao tratar da doutrina do livre mercado, a
mais comum e influente variante do credo capitalista, Harari aponta que seus
defensores condenam aventuras militares no exterior com tanto fervor quanto
criticam os programas nacionais de bem-estar social. “Eles oferecem aos
governos o mesmo conselho que os mestres zen oferecem aos iniciantes:
simplesmente não faça nada”, anota o autor, frisando a importância de não se
esquecer da interação entre capital e política.
“Capitalistas convictos costumam alegar que
o capital deveria ter a liberdade de influenciar a política, mas a política não
deveria ter a liberdade de influenciar o capital. Alegam que quando os governos
interferem nos mercados, interesses políticos ocasionam com que façam
investimentos pouco sensatos, que por sua vez resultam num crescimento mais
lento”, diz Harari, concluindo ainda que a crença na forma extrema do livre
mercado deve ser considerada ingênua. “Simplesmente não existe um mercado
completamente isento de interesses políticos. O recurso econômico mais
importante é a confiança no futuro, e esse recurso é constantemente ameaçado
por ladrões e charlatães.”
Leitura oportuna. Facilita a compreensão de
um dos lados da história. Leva à conclusão que equipe econômica e políticos
podem até ter firmado uma trégua passageira, mas a disputa pelo Orçamento e o
controle da máquina está longe de um fim. As cadeiras vagas na Economia foram
preenchidas por pessoas experientes, preparadas e bem vistas em outras
repartições da capital, mas será árdua a missão do governo de recuperar a
confiança dos agentes econômicos.
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