EDITORIAIS
Muito mais que uma ‘conversinha’
O Estado de S. Paulo
Desmandos fiscais do presidente Bolsonaro e de sua equipe reforçam o pessimismo das projeções econômicas para o próximo ano
O Brasil do ministro da Economia, Paulo
Guedes, será o novo país dos sonhos dos brasileiros dispostos a emigrar, se
descobrirem onde fica essa terra maravilhosa. Depois de uma recuperação em V,
esse Eldorado continuará prosperando, com muita oferta de emprego e fartura
para todos, sob o cuidado de um governo eficiente, prudente e atento aos mais
vulneráveis. Quem prevê estagnação ou recessão repete a “conversinha” de
sempre, disse o ministro, ao comentar a piora das projeções para 2022. Essa piora
se acentuou diante da disposição do presidente, com apoio de Guedes, de
arrebentar o teto de gastos federais, num claro rompimento com os padrões da
responsabilidade fiscal.
A economia brasileira terá contração de 0,5% no próximo ano, segundo a nova projeção do Banco Itaú. A estimativa anterior, já muito sombria, indicava expansão de 0,5%. O Banco JP Morgan reduziu de 0,4% para zero o resultado previsto para 2022, revisão igual àquela anunciada pela consultoria MB Associados. O recuo das expectativas tem ocorrido de modo amplo, no mercado, como tem mostrado a pesquisa
Focus, semanalmente realizada pelo Banco
Central (BC). Em quatro semanas passou de 5,04% para 4,97% a mediana das
projeções do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021. No mesmo intervalo,
o desempenho esperado para 2022 diminuiu de 1,57% para 1,40%.
A tal “conversinha” envolve, portanto, mais
do que um par de grandes bancos e umas poucas consultorias. As expectativas
captadas na pesquisa vêm piorando há meses. Nessa mudança, aumenta a inflação
prevista e diminui o crescimento econômico estimado. Os novos ataques ao teto
de gastos e à disciplina fiscal deram aos analistas novos argumentos para
tornar mais sombrios os seus cenários.
A gestão mais irresponsável das finanças
públicas, argumentam esses analistas, aumentará a insegurança dos investidores,
favorecerá a instabilidade cambial, tornará mais cara a dívida pública,
alimentará a inflação e prejudicará o crescimento econômico. A aceleração da
alta de preços aparece tanto nas projeções quanto na experiência cotidiana e
nos dados oficiais. Divulgada um dia depois do pronunciamento ministerial sobre
a “conversinha”, a prévia da inflação de outubro confirmou o desajuste
crescente no varejo de bens e serviços.
Apurado entre 15 de setembro e 13 de
outubro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) subiu 1,20%. Foi a
maior alta para outubro desde 1995 e o maior aumento mensal desde fevereiro de
2016, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 12
meses a variação chegou a 10,34%. Pressionadas pelas péssimas condições de
emprego e pela erosão de sua renda, agravada pelo crescente custo de vida, as
famílias serão incapazes de manter o consumo necessário para sustentar uma
produção robusta de bens industriais e de serviços.
O desarranjo dos preços é mais um forte
argumento a favor do pessimismo nas projeções para 2022. Não há sinal de
abrandamento desse desarranjo. Ao contrário: a incerteza dos investidores, a
insegurança dos empresários e a instabilidade cambial tenderão a realimentar a
alta de preços, mantendo os consumidores sob pressão. Na terçafeira, a
divulgação do IPCA-15 reforçou as apostas numa forte alta dos juros ao longo
dos próximos meses, com prejuízo para o crescimento do PIB.
O aumento do Bolsa Família, com benefício
elevado a R$ 400 e estendido a 17 milhões de pessoas, será insuficiente para
mudar o quadro. A inflação reduzirá o poder de compra desse dinheiro. Além
disso, esse programa, rebatizado como Auxílio Brasil, alcança um conjunto muito
menor que o dos beneficiários da ajuda emergencial. As perspectivas, por
enquanto, são muito ruins para a maior parte dessa população.
O apoio aos pobres, citado pelo ministro
Guedes como bom motivo para a ruptura do teto, poderia ser mais amplo e mais
compatível com a boa gestão fiscal. Haveria dinheiro para isso, se o presidente
pudesse tocar sua vida política sem depender do apoio do Centrão, um sumidouro
de dinheiro público.
Os imprudentes pressionam Senado
O Estado de S. Paulo
É grande a pressão para que o Senado tolere
e contribua com o desgoverno de Jair Bolsonaro. Que o compromisso da Casa
continue a ser com a Constituição e com o País
Em 2021, o Senado notabilizou-se não apenas
pela instauração da CPI da Covid, mas também por colocar, em várias ocasiões,
os devidos freios a ações do Executivo federal e da Câmara dos Deputados. Em
tempos conturbados como os atuais, a Casa tem sido importante elemento
moderador, seja por recordar limites institucionais, seja por assegurar um
mínimo de cuidado na tramitação de propostas legislativas controvertidas.
Naturalmente, esse papel de prudência e
responsabilidade do Senado encontra oposição em quem não deseja prudência,
tampouco responsabilidade. Nos últimos dias, governo federal e presidência da
Câmara aumentaram o tom das críticas contra o Senado, em descarada tentativa de
atribuir à Casa a culpa pelo descumprimento do teto dos gastos, na jogada para
viabilizar o aumento do valor do Auxílio Brasil. É grave essa manobra para
inverter responsabilidades.
Na segunda-feira passada, o presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), explicitou o discurso diversionista. “Eu preferia
que o Senado tivesse votado o Imposto de Renda (IR), que nós tivéssemos feito
hoje um programa permanente dentro do teto”, disse Lira, referindo-se ao
projeto de lei que altera a cobrança do Imposto de Renda. Na semana anterior, o
presidente da Câmara já tinha reclamado que o Senado “não quer taxar quem ganha
muito e não paga nada”.
O projeto de reforma do IR tem impacto
direto sobre a atividade econômica, os investimentos privados e a receita dos
três níveis da Federação. É assunto que merece especial cuidado. A tramitação
na Câmara foi atabalhoada, para dizer o mínimo. No momento em que foi votado, o
texto final do projeto nem sequer era conhecido pelos deputados, que votaram
sem saber o que seu voto representava para o Estado e para os cidadãos. Só
depois os parlamentares descobriram que a redação aprovada na Câmara
significava perda de receita de R$ 21,8 bilhões para a União e de R$ 19,3
bilhões para Estados e municípios.
Não corresponde aos fatos, portanto, dizer
que o Senado é o responsável pelo descumprimento do teto dos gastos em razão da
não aprovação da reforma do IR. Ora, não votar atropeladamente o texto aprovado
pelos deputados é rigorosa manifestação de responsabilidade fiscal. Se tivessem
simplesmente chancelado o que veio da Câmara, os senadores teriam complicado
ainda mais as finanças públicas.
A tática de responsabilizar o Senado pela
atual situação fiscal também foi usada pelo governo federal. No domingo
passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, comentou a respeito do
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG): “Ele precisa avançar com a
reforma (administrativa), ele precisa nos ajudar a fazer as reformas. Ele não
pode fazer militância”.
O governo Bolsonaro é esquisito.
Não trabalha para aprovar nenhuma reforma.
Seu objetivo explícito é apenas prover instrumentos para a reeleição de Jair
Bolsonaro. No entanto, quando pressionado sobre suas incongruências, reclama
dos outros. O ministro da Economia, que descumpriu desavergonhadamente seu
compromisso de respeitar o teto de gastos, tenta agora iludir a população com novos
diversionismos. Além de não ser uma reforma administrativa – chamá-la assim é
enganoso –, a atual PEC propondo alterações do funcionalismo não alivia as
contas públicas de 2022, uma vez que suas propostas atingem apenas novos
funcionários.
A especial relevância política do Senado
neste ano não se deu por se curvar aos interesses do Palácio do Planalto. Sua
contribuição ao País veio precisamente por meio do cumprimento independente de
suas atribuições institucionais. Foram vários os episódios de responsabilidade
do Senado. Por exemplo, a não votação às pressas da nova legislação eleitoral,
a rejeição liminar do pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de
Moraes e a devolução da MP 1.068/2021, que alterava o Marco Civil da Internet.
É grande a pressão para que o Senado tolere
e contribua com o desgoverno de Jair Bolsonaro. Que o compromisso da Casa
continue a ser com a Constituição e com o País.
Centrão universitário
Folha de S. Paulo
Plano do MEC para criação de universidades
em redutos de aliados do governo é um disparate
O Ministério da Educação parecia já ter vivido
o pior com as gestões excêntricas de Ricardo Vélez Rodríguez e Abraham
Weintraub, primeiros ocupantes da pasta sob Jair Bolsonaro. Aí veio Milton
Ribeiro, que cumulou o desvario ideológico com um disparate
administrativo, a serviço da argentária base parlamentar do presidente.
Na semana passada, em audiência na Câmara
dos Deputados, Ribeiro apresentou projeto para criar cinco
universidades e seis institutos federais. Pode parecer pouco, diante
de 18 universidades e 173 campi inaugurados por governos petistas de 2003 a
2014. Na realidade, trata-se de exorbitância sem paralelo.
As instituições criadas por Luiz Inácio
Lula da Silva e Dilma Rousseff permitiram aumentar de 500 mil para 932 mil o
número de estudantes matriculados em universidades federais entre 2002 e 2014.
As 11 unidades pretendidas por Ribeiro, em contraste, não acrescentam nenhuma
vaga ao sistema.
Na realidade, não se trata de universidades
e institutos novos, mas de desmembramento de instituições que já existem. Não
haverá ingresso de estudantes, mas sim 2.912 cargos para preencher, a um custo
anual que pode ficar entre R$ 147 milhões, segundo o MEC, e R$ 500 milhões, nas
contas do Ministério da Economia.
Pistas sobre as razões verdadeiras do plano
tresloucado surgem quando se consideram os locais contemplados. Despontam
estados como o Piauí, base eleitoral do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira
(PP), e Goiás, que não constava do projeto original e acabou incluído para
afagar o deputado Vitor Hugo (PSL).
Maringá (PR), a cidade da qual já foi
prefeito o líder do centrão e do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP), nem
mesmo dispõe de campus para ser desmembrado. O município ganharia, entretanto,
um instituto federal. Decerto não faltarão interessados em auferir rendimentos
com a oferta de terrenos para o estabelecimento.
Não há previsão de
recursos para executar tal plano na proposta de Orçamento para
2022. Ainda no malfadado 2021, faltam R$ 124 milhões para a Capes honrar o
pagamento de bolsas de formação de professores já concedidas. Cerca de 60 mil
beneficiários arriscam ficar a ver navios.
Este é o governo que palavreia sobre
contenção de gastos de pessoal com a mesma desfaçatez com que Bolsonaro propaga
mentiras sobre as vacinas que oferecem proteção contra a Covid-19.
Este é o governo que mantém à frente da
pasta da Educação Milton Ribeiro, agachado diante dos próceres do centrão: sem
vagas para estudantes e professores, mas com dinheiro para comprar a omissão do
Congresso diante das atrocidades bolsonaristas.
Agitador silenciado
Folha de S. Paulo
STF impõe censura ampla a bolsonarista ao
ordenar prisão e bloqueio de contas na internet
Dono de um canal de vídeos com mais de 1
milhão de seguidores na internet, o jornalista Allan dos
Santos destacou-se nos últimos anos como um dos mais
estridentes apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
Na semana passada, ele foi silenciado pelo
ministro Alexandre de
Moraes, que conduz no Supremo Tribunal Federal investigações sobre uma
rede de bolsonaristas que usa as plataformas digitais para espalhar
desinformação e fomentar ódio e descrédito na democracia.
Santos vive nos Estados Unidos desde o ano
passado, quando virou alvo de outro inquérito conduzido pelo magistrado, o que
apurou o envolvimento de bolsonaristas com a organização de manifestações
de caráter antidemocrático.
Moraes também mandou bloquear todos os
canais do agitador nas redes sociais, congelou suas contas bancárias e
determinou que o governo peça aos EUA sua extradição para que seja trancafiado
no Brasil.
Para a Polícia Federal, que pediu ao STF a
prisão do jornalista, Santos precisa ser contido porque tem usado seu poder de
comunicação para atacar as instituições, desacreditar o processo eleitoral e
gerar animosidade na sociedade.
Seguida dias depois pela decisão do
Facebook de remover o vídeo infame em que Bolsonaro atacou as vacinas contra a
Covid, a ordem judicial mostra que se estreita cada vez mais o espaço do
mandatário para envenenar o debate público.
Há diferenças, porém. O Facebook justificou
a derrubada do vídeo acusando o presidente de violar os termos de uso da
empresa, que proíbe os usuários de disseminar falsidades sobre vacinas na
plataforma.
A censura imposta a Allan dos Santos
é mais ampla,
e por isso mais inquietante. Ela impede que ele continue a se manifestar nas
redes e barra o acesso de seus seguidores a tudo que ele publicou no passado,
sem distinguir banalidades de ofensas e atos criminosos.
Moraes também determinou que o Google e
provedores de internet forneçam dados de todos os seguidores que fizeram contribuições
financeiras a Santos durante as transmissões do seu canal de
vídeos.
Cabe aos investigadores desvendar o funcionamento da engrenagem odiosa que sustenta os bolsonaristas nas redes sociais e identificar os que abusam da liberdade de expressão garantida pela Constituição para sabotar a democracia. Cumprirá ao plenário do STF definir com nitidez os limites que separam o exercício desse direito fundamental e a prática de delitos.
Rejeição da PEC dos precatórios pode
resgatar teto de gastos
Valor Econômico
Condições econômicas piorarão
substancialmente com a aprovação das manobras
As perspectivas da economia já eram
medíocres e se deterioraram de vez depois que o governo decidiu furar o teto de
gastos e, em uma só PEC, elevar a margem para despesas em R$ 94,9 bilhões
(cálculo da Instituição Fiscal Independente do Senado) com dois truques da
cartola do ministro Paulo Guedes: calote nos precatórios e mudanças no sistema
de correção do teto.
Foram manobras péssimas em hora errada, com
o presidente incriminado pela CPI da Covid e crescente desconfiança na
estabilidade fiscal do país - e envoltas em uma coreografia de falsidade
chocante. Guedes disse que furava o teto para proteger os que têm fome, sem
mencionar que grande parte dos recursos irá para os que têm fome de verbas - os
partidos do Centrão, beneficiados pelas ocultas emendas do relator. A única
coisa que move Bolsonaro é a reeleição e Guedes tornou-se seu cabo eleitoral.
Os artifícios desmoralizantes para destruir
o teto, sancionados pelo ministro que havia jurado defendê-lo, já pioram todos
os indicadores da economia. A inflação vinha em uma escalada perigosa, com o
IPCA acima de 10% em 12 meses. A expectativa de que o nível de preços começaria
a apontar para baixo em outubro deve ser frustrada. O IPCA-15 de outubro foi de
1,20%, acima das previsões dos analistas e resultado do mês anterior. Com isso,
a inflação poderá fechar o ano bem perto dos dois dígitos.
A inflação está sendo puxada em grande
parte pelo dólar. Os aumentos das cotações do petróleo são maiores em reais
porque a moeda brasileira, que perdera 28,5% de seu valor em 2020, ganhou novo
impulso de desvalorização com a mudança do regime fiscal. Com isso, os preços
de dois insumos vitais para a produção e os serviços, a energia e combustíveis,
dispararam. Nas bombas, o óleo diesel subiu 34,15% no ano e a gasolina, 39,34%.
Com a bandeira vermelha 2 e reajustes de energia (11,38% em São Paulo), a
energia subiu 5% no IPCA-15 do mês. Boa parte da demanda é sustentada por
termelétricas a gás e diesel, que respondem ao dólar e à evolução dos preços
externos.
As agressões à democracia, os conflitos
institucionais e o estancamento das reformas, por falta de rumos e empenho do
governo, levaram o dólar a caminhar rumo aos R$ 6. No ano, valorizou-se 7,12%
até segunda-feira (comercial mercado). O CDS, que mede o risco de calote,
aumentou 64,5% no ano. A instabilidade cambial, já agendada para 2022 no
calendário de uma eleição muito disputada, veio antes, o que é péssimo sinal.
Sem trégua na desvalorização do real, levar a inflação para a meta exigirá uma
dose maior de juros - e a política monetária está sozinha nesta tarefa depois
da manobra do teto. O Copom se vê diante da necessidade de aumentar a dose
mensal de juros e a encerrar o ciclo com uma taxa maior do que a antevista.
Antes de destruírem o teto, a perspectiva era de uma Selic de até 8,75% em
2022. Agora, as estimativas encostam nos 11% ou as ultrapassam. O ponto médio
dos top 5 do boletim Focus, as instituições que mais acertam, saltou de 9,5%
para 11,5% e ainda assim para uma inflação de 4,9% em 2022, longe dos 3,5% do
centro da meta.
A combinação da pressão inflacionária, da
desvalorização do real e da reação dos juros resultará em uma economia em
retração. As revisões para 2022 apontam crescimento em direção ao zero ou a uma
recessão. O alívio fiscal, com forte ajuda da inflação, tem vida curta. Um
aumento de dois pontos na Selic por um ano - e o aperto deve ser maior - aumenta
a dívida bruta em R$ 64 bilhões, mais do que o dinheiro destinado ao Auxílio
Brasil. Um aumento de 1 ponto percentual na inflação impacta a dívida em R$
13,4 bilhões. O IPCA na fronteira dos 10% no fim do ano, diante de estimativa
de 8,5% no orçamento, trará 0,32 pontos percentuais do PIB a mais no
endividamento bruto, enquanto que os dois pontos da Selic, mais 0,74 pontos
percentuais do PIB.
A conta da dívida bruta vai longe e o
resultado primário, de novo deficitário, reforçará a trajetória ascendente. Há
uma maneira de evitar a piora acentuada das condições econômicas - o Senado
rejeitar a PEC do calote dos precatórios e da manipulação do teto. Como mostra
a IFI do Senado, é possível pagar todos os precatórios e ainda ampliar o número
de atendidos pelo Bolsa Família com um benefício um pouco maior sem calote ou
rombos no teto. Isso significa, porém, retirar o poder absoluto que os partidos
do Centrão passaram a ter sobre o orçamento diante do desgoverno Bolsonaro.
BC precisa demonstrar senso de urgência
para domar inflação
O Globo
O termômetro será o anúncio da Selic, taxa
atualmente em 6,25% que serve de referência aos demais juros da economia
Num governo com capacidade fora do comum
para triturar biografias, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central
(BC), e os demais diretores do banco têm hoje a chance de mostrar que pretendem
escapar da vala comum. Os integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom)
precisam deixar claro que não deixarão o populismo irresponsável do presidente
Jair Bolsonaro contaminar o controle da inflação.
O termômetro será o anúncio da Selic, taxa
atualmente em 6,25% que serve de referência aos demais juros da economia. O BC
tem o dever de sinalizar um aumento robusto, acima do prometido anteriormente.
Precisa deixar claro que novas altas da magnitude necessária virão até que o
objetivo de baixar a inflação seja atingido. Qualquer mensagem diferente será o
fim da credibilidade dos que hoje respondem pela estabilidade dos preços.
O BC é a última trincheira de sanidade no
front econômico. Bolsonaro e seus aliados do Centrão querem implodir o teto de
gastos para aumentar o valor do Auxílio Brasil até o final do ano que vem. Não
há dúvida de que ajudar os mais pobres deveria ser uma das principais
prioridades do governo. O problema é como Bolsonaro decidiu fazer isso. Em vez
de cortar a farra de gastos promovida pelo Centrão, prefere erodir a
credibilidade fiscal do país — um desatino (mais um).
Contaminado pelo risco da gestão mais
difícil da dívida pública, o dólar já ficou mais caro em relação ao real. Câmbio
depreciado eleva ainda mais a inflação, pois encarece produtos importados. É
por isso que a reunião de outubro do Copom que termina hoje é crucial.
O objetivo do BC para 2022 (já que 2021
está perdido) é um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de
3,50%, com um intervalo de 1,5 ponto para cima ou para baixo. O mercado já não
acreditava que se atingiria o centro da meta no ano que vem, mas agora as
expectativas de inflação pioraram.
A decisão do BC pode parecer difícil. Juros
maiores terão efeitos negativos sobre investimentos, endividamento e consumo.
Refrearão a retomada da economia, com a possibilidade de nova recessão em 2022.
Mas optar por uma política monetária mais branda é pior. Pedir um “waiver” —
para empregar a palavra ao gosto do ministro da Economia, Paulo Guedes — para
adotar um caminho pretensamente suave criará problemas de proporções
gigantescas mais adiante. Não há dúvida disso.
Uma inflação descontrolada com um BC sem credibilidade é certeza de economia em frangalhos e desemprego alto por longo tempo. É voltar várias casas para trás do ponto de vista institucional, social e econômico. Mesmo um governo acostumado a dar tiros no próprio pé não pode sabotar o futuro do país desse jeito. A hora de Campos Neto e dos demais integrantes do Copom mostrarem independência é agora. O mandato do BC é claro: seu objetivo fundamental é assegurar a estabilidade dos preços.
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