quarta-feira, 27 de outubro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Muito mais que uma ‘conversinha’

O Estado de S. Paulo

Desmandos fiscais do presidente Bolsonaro e de sua equipe reforçam o pessimismo das projeções econômicas para o próximo ano

O Brasil do ministro da Economia, Paulo Guedes, será o novo país dos sonhos dos brasileiros dispostos a emigrar, se descobrirem onde fica essa terra maravilhosa. Depois de uma recuperação em V, esse Eldorado continuará prosperando, com muita oferta de emprego e fartura para todos, sob o cuidado de um governo eficiente, prudente e atento aos mais vulneráveis. Quem prevê estagnação ou recessão repete a “conversinha” de sempre, disse o ministro, ao comentar a piora das projeções para 2022. Essa piora se acentuou diante da disposição do presidente, com apoio de Guedes, de arrebentar o teto de gastos federais, num claro rompimento com os padrões da responsabilidade fiscal.

A economia brasileira terá contração de 0,5% no próximo ano, segundo a nova projeção do Banco Itaú. A estimativa anterior, já muito sombria, indicava expansão de 0,5%. O Banco JP Morgan reduziu de 0,4% para zero o resultado previsto para 2022, revisão igual àquela anunciada pela consultoria MB Associados. O recuo das expectativas tem ocorrido de modo amplo, no mercado, como tem mostrado a pesquisa

Focus, semanalmente realizada pelo Banco Central (BC). Em quatro semanas passou de 5,04% para 4,97% a mediana das projeções do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021. No mesmo intervalo, o desempenho esperado para 2022 diminuiu de 1,57% para 1,40%.

A tal “conversinha” envolve, portanto, mais do que um par de grandes bancos e umas poucas consultorias. As expectativas captadas na pesquisa vêm piorando há meses. Nessa mudança, aumenta a inflação prevista e diminui o crescimento econômico estimado. Os novos ataques ao teto de gastos e à disciplina fiscal deram aos analistas novos argumentos para tornar mais sombrios os seus cenários.

A gestão mais irresponsável das finanças públicas, argumentam esses analistas, aumentará a insegurança dos investidores, favorecerá a instabilidade cambial, tornará mais cara a dívida pública, alimentará a inflação e prejudicará o crescimento econômico. A aceleração da alta de preços aparece tanto nas projeções quanto na experiência cotidiana e nos dados oficiais. Divulgada um dia depois do pronunciamento ministerial sobre a “conversinha”, a prévia da inflação de outubro confirmou o desajuste crescente no varejo de bens e serviços.

Apurado entre 15 de setembro e 13 de outubro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) subiu 1,20%. Foi a maior alta para outubro desde 1995 e o maior aumento mensal desde fevereiro de 2016, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 12 meses a variação chegou a 10,34%. Pressionadas pelas péssimas condições de emprego e pela erosão de sua renda, agravada pelo crescente custo de vida, as famílias serão incapazes de manter o consumo necessário para sustentar uma produção robusta de bens industriais e de serviços.

O desarranjo dos preços é mais um forte argumento a favor do pessimismo nas projeções para 2022. Não há sinal de abrandamento desse desarranjo. Ao contrário: a incerteza dos investidores, a insegurança dos empresários e a instabilidade cambial tenderão a realimentar a alta de preços, mantendo os consumidores sob pressão. Na terçafeira, a divulgação do IPCA-15 reforçou as apostas numa forte alta dos juros ao longo dos próximos meses, com prejuízo para o crescimento do PIB.

O aumento do Bolsa Família, com benefício elevado a R$ 400 e estendido a 17 milhões de pessoas, será insuficiente para mudar o quadro. A inflação reduzirá o poder de compra desse dinheiro. Além disso, esse programa, rebatizado como Auxílio Brasil, alcança um conjunto muito menor que o dos beneficiários da ajuda emergencial. As perspectivas, por enquanto, são muito ruins para a maior parte dessa população.

O apoio aos pobres, citado pelo ministro Guedes como bom motivo para a ruptura do teto, poderia ser mais amplo e mais compatível com a boa gestão fiscal. Haveria dinheiro para isso, se o presidente pudesse tocar sua vida política sem depender do apoio do Centrão, um sumidouro de dinheiro público.

Os imprudentes pressionam Senado

O Estado de S. Paulo

É grande a pressão para que o Senado tolere e contribua com o desgoverno de Jair Bolsonaro. Que o compromisso da Casa continue a ser com a Constituição e com o País

Em 2021, o Senado notabilizou-se não apenas pela instauração da CPI da Covid, mas também por colocar, em várias ocasiões, os devidos freios a ações do Executivo federal e da Câmara dos Deputados. Em tempos conturbados como os atuais, a Casa tem sido importante elemento moderador, seja por recordar limites institucionais, seja por assegurar um mínimo de cuidado na tramitação de propostas legislativas controvertidas.

Naturalmente, esse papel de prudência e responsabilidade do Senado encontra oposição em quem não deseja prudência, tampouco responsabilidade. Nos últimos dias, governo federal e presidência da Câmara aumentaram o tom das críticas contra o Senado, em descarada tentativa de atribuir à Casa a culpa pelo descumprimento do teto dos gastos, na jogada para viabilizar o aumento do valor do Auxílio Brasil. É grave essa manobra para inverter responsabilidades.

Na segunda-feira passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), explicitou o discurso diversionista. “Eu preferia que o Senado tivesse votado o Imposto de Renda (IR), que nós tivéssemos feito hoje um programa permanente dentro do teto”, disse Lira, referindo-se ao projeto de lei que altera a cobrança do Imposto de Renda. Na semana anterior, o presidente da Câmara já tinha reclamado que o Senado “não quer taxar quem ganha muito e não paga nada”.

O projeto de reforma do IR tem impacto direto sobre a atividade econômica, os investimentos privados e a receita dos três níveis da Federação. É assunto que merece especial cuidado. A tramitação na Câmara foi atabalhoada, para dizer o mínimo. No momento em que foi votado, o texto final do projeto nem sequer era conhecido pelos deputados, que votaram sem saber o que seu voto representava para o Estado e para os cidadãos. Só depois os parlamentares descobriram que a redação aprovada na Câmara significava perda de receita de R$ 21,8 bilhões para a União e de R$ 19,3 bilhões para Estados e municípios.

Não corresponde aos fatos, portanto, dizer que o Senado é o responsável pelo descumprimento do teto dos gastos em razão da não aprovação da reforma do IR. Ora, não votar atropeladamente o texto aprovado pelos deputados é rigorosa manifestação de responsabilidade fiscal. Se tivessem simplesmente chancelado o que veio da Câmara, os senadores teriam complicado ainda mais as finanças públicas.

A tática de responsabilizar o Senado pela atual situação fiscal também foi usada pelo governo federal. No domingo passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, comentou a respeito do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG): “Ele precisa avançar com a reforma (administrativa), ele precisa nos ajudar a fazer as reformas. Ele não pode fazer militância”.

O governo Bolsonaro é esquisito.

Não trabalha para aprovar nenhuma reforma. Seu objetivo explícito é apenas prover instrumentos para a reeleição de Jair Bolsonaro. No entanto, quando pressionado sobre suas incongruências, reclama dos outros. O ministro da Economia, que descumpriu desavergonhadamente seu compromisso de respeitar o teto de gastos, tenta agora iludir a população com novos diversionismos. Além de não ser uma reforma administrativa – chamá-la assim é enganoso –, a atual PEC propondo alterações do funcionalismo não alivia as contas públicas de 2022, uma vez que suas propostas atingem apenas novos funcionários.

A especial relevância política do Senado neste ano não se deu por se curvar aos interesses do Palácio do Planalto. Sua contribuição ao País veio precisamente por meio do cumprimento independente de suas atribuições institucionais. Foram vários os episódios de responsabilidade do Senado. Por exemplo, a não votação às pressas da nova legislação eleitoral, a rejeição liminar do pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes e a devolução da MP 1.068/2021, que alterava o Marco Civil da Internet.

É grande a pressão para que o Senado tolere e contribua com o desgoverno de Jair Bolsonaro. Que o compromisso da Casa continue a ser com a Constituição e com o País.

Centrão universitário

Folha de S. Paulo

Plano do MEC para criação de universidades em redutos de aliados do governo é um disparate

O Ministério da Educação parecia já ter vivido o pior com as gestões excêntricas de Ricardo Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub, primeiros ocupantes da pasta sob Jair Bolsonaro. Aí veio Milton Ribeiro, que cumulou o desvario ideológico com um disparate administrativo, a serviço da argentária base parlamentar do presidente.

Na semana passada, em audiência na Câmara dos Deputados, Ribeiro apresentou projeto para criar cinco universidades e seis institutos federais. Pode parecer pouco, diante de 18 universidades e 173 campi inaugurados por governos petistas de 2003 a 2014. Na realidade, trata-se de exorbitância sem paralelo.

As instituições criadas por Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff permitiram aumentar de 500 mil para 932 mil o número de estudantes matriculados em universidades federais entre 2002 e 2014. As 11 unidades pretendidas por Ribeiro, em contraste, não acrescentam nenhuma vaga ao sistema.

Na realidade, não se trata de universidades e institutos novos, mas de desmembramento de instituições que já existem. Não haverá ingresso de estudantes, mas sim 2.912 cargos para preencher, a um custo anual que pode ficar entre R$ 147 milhões, segundo o MEC, e R$ 500 milhões, nas contas do Ministério da Economia.

Pistas sobre as razões verdadeiras do plano tresloucado surgem quando se consideram os locais contemplados. Despontam estados como o Piauí, base eleitoral do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), e Goiás, que não constava do projeto original e acabou incluído para afagar o deputado Vitor Hugo (PSL).

Maringá (PR), a cidade da qual já foi prefeito o líder do centrão e do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP), nem mesmo dispõe de campus para ser desmembrado. O município ganharia, entretanto, um instituto federal. Decerto não faltarão interessados em auferir rendimentos com a oferta de terrenos para o estabelecimento.

Não há previsão de recursos para executar tal plano na proposta de Orçamento para 2022. Ainda no malfadado 2021, faltam R$ 124 milhões para a Capes honrar o pagamento de bolsas de formação de professores já concedidas. Cerca de 60 mil beneficiários arriscam ficar a ver navios.

Este é o governo que palavreia sobre contenção de gastos de pessoal com a mesma desfaçatez com que Bolsonaro propaga mentiras sobre as vacinas que oferecem proteção contra a Covid-19.

Este é o governo que mantém à frente da pasta da Educação Milton Ribeiro, agachado diante dos próceres do centrão: sem vagas para estudantes e professores, mas com dinheiro para comprar a omissão do Congresso diante das atrocidades bolsonaristas.

Agitador silenciado

Folha de S. Paulo

STF impõe censura ampla a bolsonarista ao ordenar prisão e bloqueio de contas na internet

Dono de um canal de vídeos com mais de 1 milhão de seguidores na internet, o jornalista Allan dos Santos destacou-se nos últimos anos como um dos mais estridentes apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.

Na semana passada, ele foi silenciado pelo ministro Alexandre de Moraes, que conduz no Supremo Tribunal Federal investigações sobre uma rede de bolsonaristas que usa as plataformas digitais para espalhar desinformação e fomentar ódio e descrédito na democracia.

Santos vive nos Estados Unidos desde o ano passado, quando virou alvo de outro inquérito conduzido pelo magistrado, o que apurou o envolvimento de bolsonaristas com a organização de manifestações de caráter antidemocrático.

Moraes também mandou bloquear todos os canais do agitador nas redes sociais, congelou suas contas bancárias e determinou que o governo peça aos EUA sua extradição para que seja trancafiado no Brasil.

Para a Polícia Federal, que pediu ao STF a prisão do jornalista, Santos precisa ser contido porque tem usado seu poder de comunicação para atacar as instituições, desacreditar o processo eleitoral e gerar animosidade na sociedade.

Seguida dias depois pela decisão do Facebook de remover o vídeo infame em que Bolsonaro atacou as vacinas contra a Covid, a ordem judicial mostra que se estreita cada vez mais o espaço do mandatário para envenenar o debate público.

Há diferenças, porém. O Facebook justificou a derrubada do vídeo acusando o presidente de violar os termos de uso da empresa, que proíbe os usuários de disseminar falsidades sobre vacinas na plataforma.

A censura imposta a Allan dos Santos é mais ampla, e por isso mais inquietante. Ela impede que ele continue a se manifestar nas redes e barra o acesso de seus seguidores a tudo que ele publicou no passado, sem distinguir banalidades de ofensas e atos criminosos.

Moraes também determinou que o Google e provedores de internet forneçam dados de todos os seguidores que fizeram contribuições financeiras a Santos durante as transmissões do seu canal de vídeos.

Cabe aos investigadores desvendar o funcionamento da engrenagem odiosa que sustenta os bolsonaristas nas redes sociais e identificar os que abusam da liberdade de expressão garantida pela Constituição para sabotar a democracia. Cumprirá ao plenário do STF definir com nitidez os limites que separam o exercício desse direito fundamental e a prática de delitos.

Rejeição da PEC dos precatórios pode resgatar teto de gastos

Valor Econômico

Condições econômicas piorarão substancialmente com a aprovação das manobras

As perspectivas da economia já eram medíocres e se deterioraram de vez depois que o governo decidiu furar o teto de gastos e, em uma só PEC, elevar a margem para despesas em R$ 94,9 bilhões (cálculo da Instituição Fiscal Independente do Senado) com dois truques da cartola do ministro Paulo Guedes: calote nos precatórios e mudanças no sistema de correção do teto.

Foram manobras péssimas em hora errada, com o presidente incriminado pela CPI da Covid e crescente desconfiança na estabilidade fiscal do país - e envoltas em uma coreografia de falsidade chocante. Guedes disse que furava o teto para proteger os que têm fome, sem mencionar que grande parte dos recursos irá para os que têm fome de verbas - os partidos do Centrão, beneficiados pelas ocultas emendas do relator. A única coisa que move Bolsonaro é a reeleição e Guedes tornou-se seu cabo eleitoral.

Os artifícios desmoralizantes para destruir o teto, sancionados pelo ministro que havia jurado defendê-lo, já pioram todos os indicadores da economia. A inflação vinha em uma escalada perigosa, com o IPCA acima de 10% em 12 meses. A expectativa de que o nível de preços começaria a apontar para baixo em outubro deve ser frustrada. O IPCA-15 de outubro foi de 1,20%, acima das previsões dos analistas e resultado do mês anterior. Com isso, a inflação poderá fechar o ano bem perto dos dois dígitos.

A inflação está sendo puxada em grande parte pelo dólar. Os aumentos das cotações do petróleo são maiores em reais porque a moeda brasileira, que perdera 28,5% de seu valor em 2020, ganhou novo impulso de desvalorização com a mudança do regime fiscal. Com isso, os preços de dois insumos vitais para a produção e os serviços, a energia e combustíveis, dispararam. Nas bombas, o óleo diesel subiu 34,15% no ano e a gasolina, 39,34%. Com a bandeira vermelha 2 e reajustes de energia (11,38% em São Paulo), a energia subiu 5% no IPCA-15 do mês. Boa parte da demanda é sustentada por termelétricas a gás e diesel, que respondem ao dólar e à evolução dos preços externos.

As agressões à democracia, os conflitos institucionais e o estancamento das reformas, por falta de rumos e empenho do governo, levaram o dólar a caminhar rumo aos R$ 6. No ano, valorizou-se 7,12% até segunda-feira (comercial mercado). O CDS, que mede o risco de calote, aumentou 64,5% no ano. A instabilidade cambial, já agendada para 2022 no calendário de uma eleição muito disputada, veio antes, o que é péssimo sinal. Sem trégua na desvalorização do real, levar a inflação para a meta exigirá uma dose maior de juros - e a política monetária está sozinha nesta tarefa depois da manobra do teto. O Copom se vê diante da necessidade de aumentar a dose mensal de juros e a encerrar o ciclo com uma taxa maior do que a antevista. Antes de destruírem o teto, a perspectiva era de uma Selic de até 8,75% em 2022. Agora, as estimativas encostam nos 11% ou as ultrapassam. O ponto médio dos top 5 do boletim Focus, as instituições que mais acertam, saltou de 9,5% para 11,5% e ainda assim para uma inflação de 4,9% em 2022, longe dos 3,5% do centro da meta.

A combinação da pressão inflacionária, da desvalorização do real e da reação dos juros resultará em uma economia em retração. As revisões para 2022 apontam crescimento em direção ao zero ou a uma recessão. O alívio fiscal, com forte ajuda da inflação, tem vida curta. Um aumento de dois pontos na Selic por um ano - e o aperto deve ser maior - aumenta a dívida bruta em R$ 64 bilhões, mais do que o dinheiro destinado ao Auxílio Brasil. Um aumento de 1 ponto percentual na inflação impacta a dívida em R$ 13,4 bilhões. O IPCA na fronteira dos 10% no fim do ano, diante de estimativa de 8,5% no orçamento, trará 0,32 pontos percentuais do PIB a mais no endividamento bruto, enquanto que os dois pontos da Selic, mais 0,74 pontos percentuais do PIB.

A conta da dívida bruta vai longe e o resultado primário, de novo deficitário, reforçará a trajetória ascendente. Há uma maneira de evitar a piora acentuada das condições econômicas - o Senado rejeitar a PEC do calote dos precatórios e da manipulação do teto. Como mostra a IFI do Senado, é possível pagar todos os precatórios e ainda ampliar o número de atendidos pelo Bolsa Família com um benefício um pouco maior sem calote ou rombos no teto. Isso significa, porém, retirar o poder absoluto que os partidos do Centrão passaram a ter sobre o orçamento diante do desgoverno Bolsonaro.

BC precisa demonstrar senso de urgência para domar inflação

O Globo

O termômetro será o anúncio da Selic, taxa atualmente em 6,25% que serve de referência aos demais juros da economia

Num governo com capacidade fora do comum para triturar biografias, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central (BC), e os demais diretores do banco têm hoje a chance de mostrar que pretendem escapar da vala comum. Os integrantes do Comitê de Política Monetária (Copom) precisam deixar claro que não deixarão o populismo irresponsável do presidente Jair Bolsonaro contaminar o controle da inflação.

O termômetro será o anúncio da Selic, taxa atualmente em 6,25% que serve de referência aos demais juros da economia. O BC tem o dever de sinalizar um aumento robusto, acima do prometido anteriormente. Precisa deixar claro que novas altas da magnitude necessária virão até que o objetivo de baixar a inflação seja atingido. Qualquer mensagem diferente será o fim da credibilidade dos que hoje respondem pela estabilidade dos preços.

O BC é a última trincheira de sanidade no front econômico. Bolsonaro e seus aliados do Centrão querem implodir o teto de gastos para aumentar o valor do Auxílio Brasil até o final do ano que vem. Não há dúvida de que ajudar os mais pobres deveria ser uma das principais prioridades do governo. O problema é como Bolsonaro decidiu fazer isso. Em vez de cortar a farra de gastos promovida pelo Centrão, prefere erodir a credibilidade fiscal do país — um desatino (mais um).

Contaminado pelo risco da gestão mais difícil da dívida pública, o dólar já ficou mais caro em relação ao real. Câmbio depreciado eleva ainda mais a inflação, pois encarece produtos importados. É por isso que a reunião de outubro do Copom que termina hoje é crucial.

O objetivo do BC para 2022 (já que 2021 está perdido) é um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 3,50%, com um intervalo de 1,5 ponto para cima ou para baixo. O mercado já não acreditava que se atingiria o centro da meta no ano que vem, mas agora as expectativas de inflação pioraram.

A decisão do BC pode parecer difícil. Juros maiores terão efeitos negativos sobre investimentos, endividamento e consumo. Refrearão a retomada da economia, com a possibilidade de nova recessão em 2022. Mas optar por uma política monetária mais branda é pior. Pedir um “waiver” — para empregar a palavra ao gosto do ministro da Economia, Paulo Guedes — para adotar um caminho pretensamente suave criará problemas de proporções gigantescas mais adiante. Não há dúvida disso.

Uma inflação descontrolada com um BC sem credibilidade é certeza de economia em frangalhos e desemprego alto por longo tempo. É voltar várias casas para trás do ponto de vista institucional, social e econômico. Mesmo um governo acostumado a dar tiros no próprio pé não pode sabotar o futuro do país desse jeito. A hora de Campos Neto e dos demais integrantes do Copom mostrarem independência é agora. O mandato do BC é claro: seu objetivo fundamental é assegurar a estabilidade dos preços.

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