O Estado de S. Paulo
Atual desgoverno inventou polarização entre vida e economia na pandemia e populismo contra o povo na política
Apesar de ter participado das maiorias de
três quintos da Câmara dos Deputados para depor presidentes legitimamente
eleitos pelo povo como ele – Collor e Dilma –, Bolsonaro agora apela à compra
do voto popular como argumento de peso para manter a Bic do poder em 2022. Nada
surpreendente para um capitão-terrorista que obteve a cumplicidade de oito
contra quatro juízes do Superior Tribunal Militar (STM) e foi inocentado num
julgamento em que apresentou como provas a seu favor dois laudos sem conclusão.
Está escrito no livro O Cadete e o Capitão, de Luiz Maklouf de Carvalho:
atestada por dois laudos sua autoria do plano de bombardear quartéis e a adutora
do Guandu, a culpa foi negada com base no princípio de Direito romano de que a
dúvida inocenta o réu. A decisão estapafúrdia o manteve na dependência do
erário para garantir mandatos e foro privilegiado para ele (por 33 anos e dez
meses) e três descendentes.
Parlamentar por 30 anos, ele desfraldou a bandeira do aumento de soldo. Na eleição de 2018, agregou à retórica sindicalista a favor de assassinos de farda (excludente de ilicitude, armamentismo e privilégios de carreira) três bandeiras de apelo majoritário nestes oito anos: o antipetismo, o combate à corrupção e o neoliberalismo econômico. Para tanto, teve de incorporar dois estranhos a seu ninho de filhotes amestrados: o ex-juiz Sérgio Moro e o economista, em teoria da escola de Chicago, Paulo Guedes. No projeto de broca sem plantio e ganho sem trabalho, esmerou-se em expelir o acréscimo ao discurso do “se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão” do atual fâmulo general Augusto Heleno, golpista desde o penúltimo governo militar. Sua escalada de traições começou pela substituição na pasta da Justiça do símbolo da Lava Jato por um delegado de estimação da famiglia. Livrando-se de Moro, achou que garantiria o favoritismo em 2022 e facilitaria o adversário ideal para o hipotético segundo turno, Lula.
Mas, em vez da pedra de Drummond, no meio
de seu caminho tinha um vírus. E este se encarregou de embaralhar as cartas do
buraco. Escolado no papel de camelô de óleo de cobra em feira livre, que
treinou com a pílula do câncer e aperfeiçoou com a cloroquina, criou a
polarização entre economia e vida, como se produção e consumo dependessem de
robôs. A exemplo das redes de intrigas, insultos e mentiras manipuladas pelo
filhote zero-dois, Carlos, no “gabinete do ódio” do Palácio do Planalto, onde
este exerce mandato de vereador no Rio.
Em tal mister, contou com a ajuda do
economista Paulo Guedes, tido e havido em suas hostes como o introdutor de Moro
na cúpula federal. O “Posto Ipiranga” da economia se acostumou a seduzir
incautos com a retórica neoliberal da moda para limpar o currículo de serviçal
do maior tirano da América Latina em todos os tempos, o general chileno Augusto
Pinochet. A dupla fez picadinho do sedutor e fugaz slogan marqueteiro da
política tupiniquim, o “mais Brasil e menos Brasília”. Depois dos fuzilamentos
do Estádio Nacional, os 606 mil mortos da covid no 17.º mês da pandemia podem
ser comparados com balanço de almoxarife.
Na quinta-feira 21, Bolsonaro, em sua
descida ao último degrau da infâmia, conforme definiu o relator da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado, Renan Calheiros, no Nêumanne
entrevista, do Blog do Nêumanne no portal
do Estadão, condicionou aumento de aidéticos à imunização contra a covid no
Reino Unido. No fim de semana, deu a mão ao economista da escola do “não existe
almoço grátis” em passeio sem máscaras pela capital federal. Aí Guedes, o
solícito, caprichou no falatório: “O presidente não é populista. Ele é popular.
É diferente. Ele tem a sensibilidade de saber, olha, chegou a hora que nós
temos que atender. Tem brasileiro comendo osso, passando fome. A mídia mesmo
ficou falando isso aí três meses, tem brasileiro passando fome, comendo ossos.
Como é que um presidente da República vai fazer? Ele fica num difícil
equilíbrio”. Foi, assim, criado o neoliberalismo selvagem, que engana o povo
fingindo alimentá-lo, ao comprar milhões de votos para garantir a proximidade
das tetas da mamata.
Mentir atinge com Bolsonaro o estado da
arte. Ao atribuir um surto de aids à imunização na semana em que se vota o
relatório da CPI que o indicia em nove crimes, Sua Excelência parte do
pressuposto de que qualquer eventual punição será sempre placebo, se comparada
com o tamanho de sua perversidade. O Facebook bloqueou sua live. E daí? A CPI o
indiciou, mas o procuradorgeral da República que ele nomeou duas vezes, Augusto
Aras, mandará arquivar o relatório verdadeiro. Os bilhões que compram os votos
do Congresso com emendas do relator, o orçamento clandestino e os abomináveis
fundos partidário e eleitoral cospem no apelo demagógico do furo do teto de
gastos para matar a fome dos desvalidos. O calote infame nos precatórios é a
outra face do descontrole inflacionário que tornará ínfimos os R$ 400 do
“Auxílio Brasil”, esmola no popular. “Minha modalidade é matar”, avisou o
artilheiro. Só não entendeu quem não quis.
*Jornalista, poeta e escritor
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