O Globo
Paulo Guedes se gaba de ter lido Keynes
três vezes — “no original”, faz questão de dizer. Não se sabe se dedicou a
mesma atenção à obra de Freud, já traduzida para o português.
Depois de furar o teto de gastos, o
ministro precisou encontrar um novo secretário do Tesouro. Na hora do anúncio,
confundiu o escolhido Esteves Colnago com o banqueiro André Esteves.
A plateia deu risada, e o ministro disse
ter cometido um ato falho. Na teoria psicanalítica, o termo representa mais que
um deslize. É uma manifestação involuntária do inconsciente. Pode revelar algo
que se gostaria de esconder.
No domingo, o portal Brasil 247 divulgou um
áudio em que Esteves, o banqueiro, exibe influência na corte bolsonarista. O
dono do BTG Pactual começa narrando um telefonema do presidente da Câmara.
Ele se refere a figurões da República com intimidade, pelo primeiro nome. O deputado Arthur Lira é só “Arthur”. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, é o “Roberto”. Guedes é o “Paulo” — aos olhos do banqueiro, um injustiçado que “apanha todo dia”.
Preso na Lava-Jato, Esteves ressurge no
papel de oráculo da República. “Roberto” liga para consultá-lo sobre a taxa de
juros. “Arthur” pede opinião sobre as baixas na equipe econômica. Sem modéstia,
o banqueiro diz que sua tarefa é “ensinar” e “educar” os políticos.
Segundo Esteves, ministros do Supremo
também pediram conselhos antes de julgar a autonomia do BC. “O cara não é
obrigado a nascer sabendo, né?”, justifica, em tom condescendente. Ele
considera ter influenciado a decisão do tribunal, que coincidiu com os
interesses do mercado financeiro. “Precisa chegar algum de nós lá e explicar,
botar o guizo no gato”, jacta-se.
À vontade, Esteves arrisca piadas e
disserta sobre a história do país. Na contramão dos fatos, descreve o golpe de
1964 como um acontecimento pacífico. “Não teve nenhum tiro, ninguém foi preso,
as crianças foram à escola, o mercado funcionou”, sentencia.
Ele reclama de Jair Bolsonaro pelo “excesso
de besteiras”, mas mostra não se importar com as ameaças à democracia. Para o
banqueiro, a “melhor analogia” com 1964 é o impeachment de Dilma Rousseff. A
comparação sugere que o golpe não precisa mais ser dado porque já ocorreu.
Ao comentar o cenário eleitoral, o
bilionário parece misturar análise com torcida. Aponta Bolsonaro como favorito,
desde que aceite “ficar calado” para trazer “tranquilidade institucional ao
establishment”.
Se o capitão empacar, ele indica
preferência pelo PSDB. “Eduardo Leite é um produto eleitoral com mais
novidade”, elogia. Líder nas pesquisas, Lula pode ser engolido em certas
condições. Precisa se aliar à centro-direita e confinar os companheiros nos
cercadinho da cultura e do meio ambiente.
O banqueiro fala a língua dos donos do poder.
Representa o pensamento de quem manda no país, ajudou o capitão a subir a rampa
e agora avalia opções na prateleira da terceira via.
Esteves controla um banco que teve Guedes
como fundador. Fora da mesa de operações, o ministro anda ressentido com críticas
de setores que o tratavam como unanimidade. No sábado, desqualificou Affonso
Celso Pastore, ex-presidente do BC, por ter “servido ao governo militar”. “Ele
tinha que ficar quieto e ter uma velhice digna”, atacou.
Guedes serve ao governo Bolsonaro, tem 72
anos e gosta mais de falar que de ouvir. Seria um bom objeto de estudo para o
doutor Freud.
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