O Globo
A entrada de Sergio Moro e Deltan Dallagnol
na política tem suscitado dois tipos de interpretação.
Para a primeira, dos petistas, dos seus
advogados, dos políticos processados e de juízes como Gilmar Mendes, uma turma
só, o movimento demonstra que a Lava-Jato era desde sempre um partido político.
Embora não seja a regra no Brasil, partidos devem ter programa. E qual seria o
programa da Lava-Jato, segundo essa versão? Acabar com o PT, os políticos
tradicionais e o Judiciário a eles ligados de algum modo.
E colocar o que no lugar?
Aí já é querer demais dessa tese e desse
pessoal.
A segunda interpretação segue assim: Moro e
Dallagnol acharam que a corrupção era o maior problema político do país. Isso
mesmo: uma política feita à base de compra de favores do Estado e dos partidos
não pode nunca representar a vontade do povo. Logo, combater a corrupção é,
sim, uma ação política.
A Lava-Jato tentou isso pelas vias judiciais. E obteve grande sucesso. Ou por acaso nunca existiram R$ 54 milhões em dinheiro vivo num apartamento de Geddel Vieira Lima? Ou por acaso Antonio Palocci não devolveu milhões para os cofres públicos? Ou por acaso a Petrobras não recebeu de volta mais de R$ 6 bilhões, entregues pelos que a haviam roubado? E nem existia o departamento de propinas da Odebrecht, conforme confessaram seus donos e executivos?
Mas o pessoal da Lava-Jato não contava com
a capacidade de reação da Corte de Brasília — como denomino esse conglomerado
de políticos, membros variados do Judiciário, lobistas, donos de grandes
empresas e, como se viu no episódio das compras de vacina no governo Bolsonaro,
de um bando de picaretas de quinta categoria.
(Dia desses, depois de um artigo criticando
essa Corte, recebi telefonema de um juiz do STF me perguntando: “Você acha que,
por ser amigo de políticos, não tenho isenção para julgá-los”? Respondi: “Acho
sim”. Ficou ofendido.)
Começou o persistente trabalho de desmonte
não apenas da Lava-Jato, mas de todo o sistema de combate à corrupção, como o
fim da prisão após condenação em segunda instância.
Nesse momento, Sergio Moro cometeu um grave
erro de avaliação. Convidado pelo então presidente eleito Jair Bolsonaro para o
Ministério da Justiça, fez uma série de exigências: controle do Coaf, que
captava as operações financeiras suspeitas, autonomia total da Polícia Federal,
cujos chefes ele, Moro, escolheria, e a proposta de numa legislação de combate
à corrupção. A República de Curitiba se instalaria em Brasília.
Bolsonaro entregou tudo. Até dá para
entender a tentação de Moro. Mas não dá para entender que acreditasse na palavra
de Bolsonaro.
Atenção, não foi por falta de aviso,
inclusive deste colunista. Em 27 de setembro de 2018, antes do segundo turno,
publiquei aqui mesmo o artigo “Voto impossível”. Dizia: “Eleger Fernando Haddad
é absolver Lula e condenar a Lava-Jato; eleger Bolsonaro é absolver o capitão
da direita radical e populista e condenar a tolerância política e moral”.
Moro saiu a tempo do governo — e saiu
atirando. Mas terá de falar disso durante toda campanha em que vier a entrar.
Dallagnol, não. Vai direto para uma
provável candidatura a deputado federal.
Tudo considerado, os dois entenderam — e
esta me parece a visão correta — que, se estavam sendo destruídos pela velha
política, só restava um meio de defesa: entrar para a política partidária.
Sim, não basta entrar com a Lava-Jato.
Precisam apresentar programas e propostas para o país, além do combate à
corrupção, apesar de esse eixo ser fundamental.
Ou está certa essa descarada compra de
votos para a aprovação da PEC dos Precatórios?
Aliás, Moro já fez uma boa intervenção:
comentou, na revista Crusoé, que, depois de liquidar o combate à corrupção, o
governo Bolsonaro e o Centrão de Artur Lira querem acabar com o Plano Real.
Lulistas chegaram a dizer que Moro não tem condições éticas de se candidatar. Mas acham que políticos condenados, réus e processados podem gastar o dinheiro público e fazer leis de “improbidade”.
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