sábado, 6 de novembro de 2021

Dora Kramer - Trava no abuso

Revista Veja

O TSE já se arma para evitar que ‘recados’ sobre punições mais severas caiam no vazio

O Tribunal Superior Eleitoral desde já se prepara para que a sinalização de tolerância zero em relação ao uso abusivo dos meios de comunicação (notadamente os digitais) na eleição de 2022 não caia no vazio e, assim, reduza o risco de a campanha ocorrer em ambiente de terra sem lei.

Para isso estão sendo renovadas sob normas mais rígidas as parcerias firmadas em 2020 pelo presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, com as plataformas de internet e discutidas com elas novas ferramentas para facilitar a identificação da ilegalidade, permitir o banimento ou a redução do alcance das postagens e possibilitar a produção de provas contra os infratores.

É uma preocupação pertinente, pois uma coisa é a disposição de aplicar punições severas. Outra é a existência de condições objetivas para transformar a intenção em gesto.

Quando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal — e presidente do TSE em 2022, para considerável falta de sorte de alguns —, diz que os infratores estarão sujeitos a “ir para a cadeia”, suscita dúvidas sobre os instrumentos que poderiam levar à prisão um candidato cujo registro, ou mandato, viesse a ser cassado.

Arcabouço legal para isso existe. Reforçado por uma modificação legal feita em 2019, que incluiu as notícias falsas no crime de denunciação caluniosa, com penas previstas de dois a oito anos de prisão. Há ainda as possíveis e prováveis consequências de inquéritos em curso em tribunais superiores, envolvendo o presidente Jair Bolsonaro e seus militantes digitais.

O xis da questão está na possibilidade efetiva de punições devido a deficiências de estrutura país afora, da disposição real de candidatos adversários denunciarem mutuamente seus ilícitos, da robustez comprobatória fornecida à Justiça e do efeito inibidor (ou não) que os “recados” do TSE tenham sobre os políticos.

A despeito das dificuldades e da longa distância entre as intenções e os gestos, o advogado Oscar Luís de Morais acha que as posições adotadas pelo tribunal eleitoral na absolvição da chapa Jair Bolsonaro-­Hamilton Mourão e na cassação do mandato de um deputado estadual foram pedagógicas.

Talvez não tanto quanto seria o ideal no combate aos abusos generalizados que, pela experiência do advogado, são cometidos em maior ou menor grau por todas as campanhas eleitorais, mas exemplares o suficiente para dar um travo na ousadia dos infratores. O problema não será resolvido na próxima nem na eleição seguinte, mas foi dado um passo largo.

“Posso até não concordar com alguns aspectos daqueles julgamentos, mas o freio de arrumação era necessário”, diz Oscar de Morais. Ele lembra outro ponto que motivou as manifestações dos juízes eleitorais: “A disseminação nunca vista de ataques à instituição judicial e à desqualificação pessoal dos ministros. Era preciso um ato de contenção”.

Esse ato, posto por escrito pelo TSE e com repercussão sobre as futuras decisões dos 27 tribunais regionais, terá o condão de, digamos, amedrontar candidatos, partidos e marqueteiros da campanha? Na opinião de Oscar de Morais, mais ou menos.

Os assessores jurídicos reforçarão os alertas, “mas candidato quando põe como prioridade ganhar a eleição, e este é o interesse geral, tem a tendência de pagar para ver”. Ele considera que os que já andavam relativamente na linha em princípio tomarão cuidados, mas os mais atrevidos continuarão testando limites.

Importante na análise da possibilidade de êxito nos planos de impor maior rigor ao enfrentamento de ilegalidades é o controle das expectativas. Não se pode achar que décadas de práticas abusivas de um lado e de atitudes algo condescendentes de outro serão modificadas num repente ou por obra de mera vontade, por mais forte que seja.

Os ataques ao sistema de votação têm mais chance de ser combatidos com efetividade porque, além de os ministros estarem com sangue nos olhos devido às agressões recebidas, a Justiça Eleitoral pode e tem agido de ofício, por iniciativa própria.

No caso das ações tidas como deletérias entre candidatos é mais difícil por causa da linha tênue entre crime e liberdade de expressão. Acrescente-se o costume dos partidos de evitar denúncias mútuas mais cabulosas, a fim de preservar um pacto implícito garantidor da impunidade coletiva.

Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2021, edição nº 2763

Governismo de ocasião

Votos de oposicionistas na PEC dos Precatórios não significa apoio a Bolsonaro

Soa rasa e apressada a interpretação de que os (muitos) votos dados por deputados de partidos de oposição em favor da PEC dos Precatórios, na madrugada da última quinta-feira, 4, demonstre a “infiltração” de bolsonaristas nas legendas que se dispõem a impedir a reeleição do presidente em 2022.

Esses parlamentares favoreceram o governo sim, pois ajudaram o Planalto a abrir o caminho para ter uma dinheirama (mais de R$ 90 bilhões) para gastar no ano eleitoral. Do ponto de vista da política macro, bobearam. Mas, no panorama “micro” dos interesses imediatos, foram mais oportunistas que propriamente governistas.

Ficaram com receio de ficar com o ônus de terem se recusado a proporcionar a renovação do programa Bolsa-Família o valor de R$ 400, mas, sobretudo, puseram os olhos nas gordas verbas prometidas a estados e municípios, nos recursos das emendas parlamentares e nos bilhões previsto para o fundo eleitoral.

Com a repercussão extremamente negativa e os questionamentos na Justiça, o segundo turno da votação marcado para a próxima terça-feira, 9, pode não seguir a tradição de confirmação do já aprovado na primeira rodada.

Se passar, a batalha no Senado será difícil para o governo que, no mínimo, terá de aceitar modificações profundas no texto original.

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