EDITORIAIS
Estado de calote
Folha de S. Paulo
Câmara deveria derrubar em 2º turno PEC que
destrói bases da confiança econômica
Beira a imoralidade o argumento de que a
União teria de corromper princípios basilares da cautela orçamentária e do
respeito a decisões judiciais para pagar um benefício médio de R$ 400 mensais a
17 milhões de famílias mais pobres.
A despesa anual com o programa, de R$ 80
bilhões, representa só 5% do que a União poderia gastar se a maioria dos
deputados não estivesse empenhada em arrebentar o limite de gastos federal.
Separar o equivalente a 18 dias de
dispêndios num ano para proteger os vulneráveis —e deixar os outros 347 livres
para as demais obrigações— não representaria esforço extraordinário. Nada perto
do que qualquer família ou empresa está acostumada a fazer.
Esse é o tamanho do engodo que tenta
impingir à sociedade um consórcio de políticos alienados da realidade, liderado
pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Poderiam renunciar às suas próprias emendas
pouco transparentes, nada eficientes e eleitoreiras.
Poderiam reduzir a montanha de subsídios —estimada em mais de R$ 350 bilhões anuais— que contempla toda sorte de parasitismo orçamentário. Políticas sociais ruins, dispendiosas e que aumentam as desigualdades poderiam dar lugar ao programa de transferência direta aos mais desprotegidos.
Nenhuma dessas hipóteses foi efetivamente
considerada porque os pobres, na verdade, não estão entre as preocupações
principais da maioria dos deputados que votaram a favor da PEC do Calote. A sua
prioridade é não contrariar os interesses, incluindo o deles próprios, que
abocanham o dinheiro dos impostos para fins particulares.
A sem-cerimônia com que se põem a destruir
o teto de gastos apenas não supera a volúpia para inscrever na Constituição
que, doravante, o Estado brasileiro não se comprometerá a quitar dívidas
reconhecidas na Justiça e contra as quais não existe recurso.
Rasgam-se, com toques de casuísmo e
tramoias regimentais, instituições que norteiam as decisões econômicas mais
corriqueiras. Fica comprometida a retomada dos investimentos com os juros
maiores que credores desconfiados cobrarão dos ativos brasileiros, a começar
dos papéis do Tesouro.
Ainda há tempo de reverter essa sandice
derrotando a PEC, ademais flagrantemente inconstitucional, na segunda votação
na Câmara.
Que os parlamentares comecem a atender à
necessidade flagrante de socorrer os pobres com o corte das emendas, inclusive
as "de relator", uma excrecência que cria uma casta de mandachuvas.
Que renunciem ao nababesco fundo eleitoral
e só parem quando tiverem recursos para proteger aqueles que mais necessitam da
solidariedade nacional.
Rumo à normalidade
Folha de S. Paulo
Flexibilização do uso de máscaras exige
cuidado, mas há razões para otimismo
Quase um ano e oito meses depois da
primeira morte por Covid-19 no Brasil, o avanço da vacinação permite vislumbrar
o início do fim de uma das práticas que se tornaram símbolo da pandemia —o uso
de máscaras protetoras.
Os dados positivos de casos, internações e
mortes pelo vírus têm feito com que autoridades locais decretem que o acessório
não seja mais obrigatório ao ar livre, desde que não haja aglomerações.
Na semana passada, a cobertura facial foi
tornada opcional em ambientes abertos na cidade do Rio; em Fernando de Noronha,
o mesmo passará em 17 de novembro.
Em São Paulo, o governo de João Doria
(PSDB) planeja a flexibilização
a partir de 1º de dezembro. De fato, a tendência dos números dá
razão ao otimismo: 69% da população tem o esquema vacinal completo, índice que
chega a 88% quando se consideram apenas os adultos.
O estado tinha nesta sexta (5) 3.161
pessoas internadas em leitos de enfermaria e UTI por Covid, a menor quantidade
desde abril de 2020, tendo registrado 115 mortes.
Como deveria ser desnecessário dizer, é
preciso cautela na transição. Ainda que o risco de transmissão do coronavírus
se mostre muito menor em ambientes ao ar livre ou bem ventilados, existe a
possibilidade de contrair a doença se houver contato próximo sem máscara com
alguém infectado.
Também é muito importante que as pessoas
que apresentarem sintomas gripais fiquem em casa sempre que possível e, caso
precisem sair, usem máscaras adequadas para proteger os demais, em especial
aqueles que ainda não puderam se vacinar, como as crianças.
Em lugares fechados, sem bom arejamento ou
com aglomeração de pessoas, o melhor a fazer é manter a cobertura facial.
Também faz-se necessário que a população se
comprometa a retomar o uso do acessório e mesmo conviver com a volta temporária
de certas restrições no caso de repique da doença, como aconteceu em países
como Reino Unido, Holanda e Rússia.
A boa adesão dos paulistas ao pacto
coletivo da vacinação permite a esperança de que em alguns meses as máscaras
não sejam mais necessárias na maioria dos locais, quando as taxas de imunização
se aproximarem da cobertura completa e as crianças também receberem suas doses.
Que a população do estado mantenha a responsabilidade e o cuidado ao dar mais
esse passo rumo à vida pós-pandemia.
Vem aí o 5G, mas falta o G de governo
O Estado de S. Paulo
O potencial de modernização será em grande parte desperdiçado se continuar faltando uma política para conduzir o País a uma nova etapa de crescimento
Com o leilão do 5G, o Brasil se prepara
para incorporar mais uma grande mudança tecnológica, porta de ingresso para
novas condições de produtividade, competitividade, crescimento econômico e
bem-estar. O sucesso do leilão, com ágio de quase 250% sobre os valores mínimos
das faixas ofertadas, no primeiro dia, foi a melhor notícia econômica da semana
– de fato, uma das poucas novidades positivas. No mesmo dia foi divulgado o
recuo da produção industrial em setembro, a quarta queda mensal consecutiva e a
sétima em nove meses. A persistente fraqueza da indústria denuncia, juntamente
com a inflação elevada, o aumento da pobreza e a desordem fiscal, o fracasso de
uma Presidência sem gestão, sem projeto de trabalho e sem rumo para o País.
O enorme potencial da tecnologia 5G
contrasta, no Brasil de hoje, com a carência do G de governo, indispensável às
sociedades ditas civilizadas. Essa carência ficou clara já em 2019. Facilitar o
acesso às armas foi o primeiro grande esforço do novo presidente. A única
inovação importante, a reforma da Previdência, havia amadurecido no mandato
anterior. A economia perdeu impulso, depois de dois anos de recuperação da
crise de 2015-2016. Depois, afundou em 2020, com a pandemia, reage
moderadamente em 2021 e as projeções mais confiáveis apontam um desempenho
miserável nos próximos anos.
A agropecuária foi o primeiro setor
mencionado pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria, ao comentar, em
entrevista ao Estado, as possibilidades de crescimento com base na nova
tecnologia. “O agronegócio”, disse o ministro, “a gente estima que cresça pelo
menos 10% com o 5G.” Se isso ocorrer, acrescentou, só esse desempenho deverá
garantir uma expansão de 2,6% para o Produto Interno Bruto (PIB).
Pode-se discutir se esses números são
corretos, mas estão fora de dúvida alguns pontos muito importantes. O
agronegócio tem-se mantido, há muitos anos, como o setor mais dinâmico, mais
competitivo, mais inovador da economia brasileira e mais vigoroso em fases de
crise internacional. Tem sido a principal fonte de receita comercial externa,
seguido pela indústria extrativa mineral. Além disso, experiências com 5G – no
uso de drones, por exemplo – têm sido realizadas na agropecuária. Esse
interesse pioneiro foi mostrado em reportagens de imprensa. É fácil perceber
por que foi o primeiro setor mencionado pelo ministro nessa entrevista.
Para a indústria, especialmente para a
manufatureira, a nova tecnologia poderá ser um caminho seguro de recuperação,
depois de longo declínio. O 5G poderá proporcionar, entre outros benefícios,
melhores condições de competição internacional. Mas o investimento depende
ainda, e poderá continuar dependendo por algum tempo, das perspectivas do
mercado interno. Essas perspectivas continuam pouco estimulantes.
Além disso, entraves internos à
competitividade internacional, incluídos no chamado custo Brasil, continuam
intactos. As propostas federais de reforma tributária são insuficientes, além
de muito mal concebidas, e a mera redução de direitos trabalhistas, grande
solução defendida pelo ministro da Economia, é uma resposta indigente, quando
confrontada com os fatores de competitividade de outros grandes emergentes.
O potencial de modernização, de eficiência
e de competitividade inscrito no 5G será em grande parte desperdiçado se
continuar faltando uma política para conduzir o País a uma nova etapa de
crescimento. A confusão sobre o teto de gastos e sobre a origem de recursos
para ajuda aos pobres alimenta a insegurança quanto às contas públicas,
favorece a alta do dólar, produz inflação e conduz a novos aumentos de juros.
Tudo isso é incompatível com mais investimentos produtivos. Insuficientes no
setor privado, esses investimentos já desapareceram, ou quase, do setor
público. Na área federal, os gastos mais previsíveis, além dos obrigatórios,
são os destinados a saciar a fisiológica base de apoio do presidente Jair
Bolsonaro. Nenhuma tecnologia da informação compensa, pelo menos até agora, o
desgoverno.
A PEC do Calote e a miséria nacional
O Estado de S. Paulo
O caso da PEC dos Precatórios mostra não
apenas a irresponsabilidade crônica do governo Bolsonaro, mas a falta de
identidade e caráter da maioria dos partidos
Anovela dos precatórios é uma coleção de
absurdos. O governo Bolsonaro pretende não honrar em 2022 suas dívidas
reconhecidas pela Justiça. Como esse calote fere a ordem jurídica, o Executivo
federal apresentou ao Congresso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
23/21, que limita unilateralmente o valor das despesas anuais com os
precatórios, modifica a forma de correção dos juros dessas dívidas e ainda
altera o teto de gastos. Ou seja, numa só tacada, o governo dito liberal deseja
constitucionalizar o calote e driblar a responsabilidade fiscal.
A manobra encontrou resistência. Não é nada
republicano que o Executivo ignore as dívidas reconhecidas pelo Judiciário,
pagando apenas o que bem entender. Na tentativa de superar essas dificuldades,
o governo Bolsonaro atribuiu uma suposta conotação social à PEC do Calote. A
mudança das regras constitucionais seria condição para os programas sociais de
2022.
Acrescia-se, assim, novo absurdo: sem
cumprir o dever de casa, o governo recorre a um argumento sabidamente
incorreto. Tivesse estudado o tema com seriedade, o governo Bolsonaro saberia
que, para ter programa de transferência de renda em 2022, não é preciso dar
calote em credor, tampouco desrespeitar o teto de gastos. A PEC dos Precatórios
é uma escolha do governo federal pela irresponsabilidade.
Agora, há um novo capítulo dessa história.
Para aprovar a PEC 23/21, o governo Bolsonaro intensificou o uso das chamadas
emendas de relator-geral, que servem para o repasse não transparente de verbas
públicas para finalidades indicadas pelos parlamentares. É o chamado orçamento
secreto, que encobriu, por exemplo, o escândalo da compra de tratores sem os
devidos controles.
Como o Estado revelou, o governo Bolsonaro,
desde a chegada do texto da PEC 23/21 ao plenário da Câmara, empenhou R$ 1,2
bilhão das chamadas emendas de relator-geral. Com isso, outubro foi o mês de
maior valor de emendas liberadas, alcançando a cifra de R$ 2,95 bilhões.
Nessa história, a cronologia das emendas é
importante. No dia 27 de outubro (quarta-feira), houve uma tentativa frustrada
de votar a PEC dos Precatórios no plenário da Câmara. Nos dois dias seguintes,
28 e 29, foi liberada a maior parte das emendas: R$ 909 milhões para as emendas
de relator-geral. Na semana seguinte, no dia 4 de novembro, a Câmara aprovou,
por 312 votos contra 144, o texto-base da proposta. Para concluir a votação da
matéria em primeiro turno, falta ainda analisar os destaques apresentados pelos
partidos.
Segundo relatos colhidos pelo Estado, o
valor oferecido por interlocutores do Palácio do Planalto pelo voto de cada
parlamentar foi de até R$ 15 milhões. A coordenação das negociações coube ao
presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al). Também houve, nos dias
prévios à votação da PEC 23/21, aumento do ritmo do pagamento de outras
emendas, como as individuais e de bancadas.
Nessa história, não fica mal apenas o
presidente Bolsonaro, que, para dar o calote no País, não tem pudores de
recorrer às práticas mais daninhas na relação entre Executivo e Legislativo.
Houve muitos parlamentares que, de forma absolutamente incompreensível,
apoiaram a PEC dos Precatórios. Por exemplo, deputados do PSDB, PDT, MDB e
Podemos deram aval à irresponsabilidade bolsonarista de mudar a Constituição
para não pagar aos credores e ainda obter autorização para ignorar a principal
âncora fiscal do País. A votação da PEC 23/21, no dia 4 de novembro, confirma a
situação lamentável da maioria dos partidos, sem identidade, sem conteúdo
programático e – não é figura de linguagem – sem caráter.
A PEC dos Precatórios mostra, portanto, não
apenas um governo incoerente com suas promessas de campanha. Sem compromisso
fiscal e sem transparência, Jair Bolsonaro faz as piores manobras da crônica
política. Revela também a existência de parlamentares mais afeitos a emendas
que a princípios cívicos. Para que haja uma operação de compra, alguém tem de
estar disposto a vender. No caso, disposto a vender-se.
Próximo passo para STF é extinguir a emenda
do relator
O Globo
Foi oportuna e acertada a decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal
Federal (STF), de suspender os pagamentos determinados pela nefasta “emenda do
relator”, rubrica identificada pela sigla RP9 no Orçamento da União. Diante do
festival de chantagens e negociatas ao redor dessas verbas opacas — usadas para
criar o “orçamento secreto” dos caciques do Centrão —, era preciso tomar uma
atitude. Espera-se que o plenário da Corte referende a liminar da ministra e
acabe em definitivo com essa excrescência.
Recriada em 2019, a emenda do relator
ressuscitou um mecanismo extinto após o escândalo dos Anões do Orçamento em
1993. Devolveu ao autor da peça orçamentária o poder de destinar recursos para
onde bem entender, sem que estejam sujeitos aos organismos de controle e
fiscalização. Foi um recuo no caminho que tentava dar transparência às emendas
parlamentares.
No presidencialismo de coalizão, é esperado
que o Executivo negocie apoio no Parlamento em troca de projetos ou espaço no
governo. As emendas parlamentares foram concebidas como forma legítima de
destinar recursos a projetos locais. Com o tempo, porém, se tornaram moeda de
troca num balcão de negociatas obscuras. “O Orçamento deve tutelar o bem
público, por isso deve ser impessoal, transparente e eficiente. A principal
motivação não pode ser comprar apoio político”, afirma Georges Abboud,
professor de Direito Constitucional da PUC-SP.
Desde 2015, três mudanças na Constituição
impuseram novas regras para estabelecer critérios equânimes e transparentes na
distribuição das emendas. A RP9 serviu para driblar essas exigências,
conferindo ao grupo que controla essa rubrica — comandado pelo presidente da
Câmara, Arthur Lira — um poder sem paralelo. Nas palavras da colunista do GLOBO
Vera Magalhães, “trata-se de um modelo de cooptação de apoio no Congresso sem
precedentes em matéria de volume de recursos e efetividade”. Sem intermediários
nem fiscalização, o dinheiro vai para prefeituras ou empresas ligadas aos
parlamentares. Em 2020, R$ 20 bilhões escoaram por aí. A previsão para este ano
é de R$ 18,5 bilhões (as emendas individuais, regidas por regras de
transparência, somam R$ 9,7 bilhões).
Antes da RP9, deputados e senadores
indicavam o destino de suas emendas (individuais ou de bancada), com direito a
exatamente o mesmo valor, fossem da oposição ou governistas. O Executivo não
tinha como discriminar a ordem de pagamento. Isso mudou. Com a RP9, quem passou
a seguir os desígnios de Lira e do Planalto ganhou acesso à quantia acertada e
a uma via de entrega rápida. Até o ministro-chefe da Controladoria-Geral da
União (CGU), Wagner Rosário, aliado de Bolsonaro, criticou a prática por não
identificar os beneficiários (daí o caráter secreto).
“Por meio do identificador RP9, recai o
signo do mistério”, escreveu a ministra Rosa em sua decisão. Ela determinou a
identificação transparente dos recursos distribuídos e dos beneficiários em
plataforma eletrônica em 30 dias. Nada mais razoável. A emenda do relator açula
a sanha dos congressistas, distribui dinheiro sem amparo em critérios técnicos,
favorece a corrupção, cria risco de abuso de poder e, como demonstrou a
aprovação em primeiro turno da PEC dos Precatórios, se tornou o principal meio
para comprar o voto de parlamentares. Em resumo, representa um risco à
democracia. É urgente extingui-la.
As lições das eleições americanas aos países
que enfrentam populistas
O Globo
O desempenho sofrível dos democratas nas
eleições locais da última semana nos Estados Unidos traz recados a todo o
planeta, inclusive ao Brasil. Em redutos fiéis, estados em que o presidente Joe
Biden derrotara Donald Trump com tranquilidade no ano passado, a maré virou. O
Partido Democrata perdeu o governo da Virgínia (dez pontos de vantagem para
Biden em 2020) e por pouco não perdeu Nova Jersey (16 pontos). A ala mais à
esquerda sofreu reveses em Buffalo, Nova York, e em Minneapolis, epicentro dos
protestos antirracistas depois da morte de George Floyd.
É razoável atribuir o movimento a questões
nacionais, como a inflação e o desemprego renitentes, a queda de popularidade
de Biden depois da saída do Afeganistão e os danos da pandemia — nada disso é
bom para nenhum governo no poder, e todo candidato democrata sofreria as
consequências. Mas os republicanos souberam aproveitar a oportunidade. A
estratégia deles traz lições para países que enfrentam populistas como Trump ou
Jair Bolsonaro.
A principal vem da Virgínia, onde o
republicano Glenn Youngkin derrotou o rival democrata com um equilíbrio tênue o
bastante para não perder os eleitores trumpistas e, ao mesmo tempo, atrair
descontentes moderados que haviam votado em Biden, em particular o público
feminino que mora nos subúrbios. A vitória de Youngkin aponta um caminho que
certamente outros republicanos — assim como políticos do mundo todo — tentarão
desbravar.
O primeiro ingrediente da estratégia de
Youngkin foi a ambivalência em relação a Trump. Ao mesmo tempo que contou com o
apoio dele e começou a campanha batendo na tecla mentirosa da “integridade
eleitoral”, manteve uma distância profilática e evitou falar no ex-presidente
na campanha. Ex-CEO de um fundo de investimentos, Youngkin tem por natureza um
perfil mais sóbrio, de executivo competente e bem-sucedido, que lhe permitiu
descolar sua imagem de Trump.
Mesmo assim — e aí entra o segundo
ingrediente —, entendeu e aproveitou o ressentimento que projetou Trump. Encontrou
sua principal bandeira nas guerras culturais, em particular na educação.
Dirigiu seu discurso aos pais revoltados com o fechamento das escolas na
pandemia, com a obrigação de usar máscaras e com o que veem como exagero no
tratamento das questões identitárias de gênero ou cor. Aproveitou a declaração
desastrada do adversário sugerindo que pais não “deveriam dizer às escolas o
que ensinar” para pintar um quadro fantasioso, em que as salas de aula haviam
se tornado focos de doutrinação ideológica. Assumiu a dor dos pais e prometeu
que seriam ouvidos sobre o que é ensinado aos filhos.
A vitória de Youngkin demonstra que,
independentemente do que se ache das ideias estapafúrdias ou das mentiras
disseminadas por líderes como Trump ou Bolsonaro, parcela do público sempre
estará disposta a acreditar nelas e a ser manipulada. E que um candidato de
personalidade menos tóxica e mais civilizada também pode se aproveitar das
guerras culturais para conquistar o poder.
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