O Globo
Após aprovação de Mendonça para o STF,
vamos saber se o PGR Augusto Aras e João Otávio de Noronha, do STJ, eram mesmo
leais ao presidente ou apenas atendiam à sua própria ambição
Terminou na quarta-feira com
a aprovação de André Mendonça o poder inabalável do presidente Jair Bolsonaro
sobre aspirantes a uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Seus aguerridos
aliados Augusto Aras, procurador-geral da República, e João Otávio de Noronha,
ministro do Superior Tribunal de Justiça, podem se julgar livres a partir de
agora, a menos que acreditem em Papai Noel ou na reeleição de Bolsonaro. Vamos
saber em breve se os dois homens eram mesmo leais e confiavam cegamente no
presidente, a ponto de colocarem a mão no fogo por ele, ou apenas atendiam à
sua própria ambição.
Nenhum cenário é bom para
eles. Mas, suspender a blindagem de Bolsonaro e de seus filhos, tarefa que Aras
e Noronha vêm cumprindo com excelentes resultados até aqui, pelo menos os
dignificaria diante do Brasil e dos brasileiros. Ficaria provado que antes
agiam de olho no cargo que acabou com aprovação de Mendonça, mas aos dois
sempre restaria a desculpa de que é melhor corrigir o rumo do que seguir
errando em direção ao precipício.
Por isso, de modo a manter o controle sobre potenciais aspirantes ao posto, para Bolsonaro seria melhor dispor do cargo do que efetivamente preenchê-lo. Talvez tenha sido esta a razão da displicência do presidente em defender no Congresso o seu indicado. Na verdade, Bolsonaro ganharia se Davi Alcolumbre mantivesse Mendonça em banho-maria por mais alguns meses. Se adiasse outras duas ou três semanas, a sabatina do indicado só iria ocorrer depois do recesso. Enquanto isso, os candidatos à vaga que ainda sonhavam com a desistência de Mendonça ou um recuo do presidente permaneceriam de mãos amarradas. E leais.
A verdade é esta e serve para
todos os governantes, melhor ter o cargo disponível e disputado do que ocupado.
Até porque, depois de sabatinados e aprovados, ministros do Supremo normalmente
sentem-se à vontade para agir de acordo com as suas próprias convicções, mesmo
que sejam opostas às do presidente que os indicaram. Da mesma forma que pode
ter mentido na sabatina da CCJ para ser aprovado, Mendonça pode ter jurado em
falso a tal lealdade permanente a Bolsonaro. De agora em diante, não haverá
nada que o capitão possa fazer para impedir que o novo ministro siga no cargo
até completar 75 anos.
À exceção de Nunes Marques,
todos os demais ministros do STF são independentes dos presidentes que os
nomearam e do seu grupo político. Mas, de acordo com quem acompanha as
atividades do Supremo, até mesmo Nunes Marques mais cedo ou mais tarde vai
surpreender. O exemplo mais clássico desta independência foi conhecido no
julgamento do mensalão. O relator e todos os demais indicados por Lula e Dilma
votaram em algum momento (quase todos) ao longo do processo contra o PT e seus
aliados. A “traição” da criatura ao criador vai sempre ocorrer, é apenas uma
questão de tempo.
Tempo, aliás, é o que não
faltará a Marques e Mendonça. Ambos serão ministros até 2047, ou mais 26 anos.
Terão sete mandatos presidenciais pela frente e conviverão com pelo menos
quatro presidentes, se todos se reelegerem. É quase uma eternidade em política.
Nenhuma fidelidade dura tanto. Mais fácil e provável que o pastor ministro
permaneça fiel ao Evangelho do que à pauta reacionária de Bolsonaro. Neste
caso, faz parte do jogo e as cartas já foram dadas. Como disse o ministro do
Supremo Luís Roberto Barroso sobre a aprovação de André Mendonça, “na
democracia tem lugar para conservadores e progressistas, no STF também”.
Congresso forte
São poucos os parlamentos em regimes
presidencialistas com o poder que detém o Congresso brasileiro. Governos podem
funcionar bem sem apoio parlamentar, há inúmeros casos de convivência harmoniosa e produtiva entre
executivos e legislativos antagonistas políticos. No Brasil, entretanto, nenhum
presidente consegue governar sem negociar permanentemente com o Congresso. O
melhor exemplo do poder parlamentar no Brasil são os dois impeachments
produzidos por aqui e os outros dois abortados. Em pouco menos de 40 anos, o Congresso
cassou os mandatos de Fernando Collor e Dilma Rousseff e poupou os de Michel
Temer e Jair Bolsonaro. E, atenção, os incontáveis crimes de Bolsonaro são
muito mais graves do que os de Collor e Dilma. Por isso também, todos os
presidentes acabam se sentando, compondo e se desfigurando com o Centrão. No
caso de Bolsonaro, este desfiguramento foi até positivo, tirando
temporariamente o presidente do extremo.
Direita extrema
Nenhuma dúvida de que a extrema direita
cresceu no Brasil. Quem acompanhou as manifestações de 2013 e as de repúdio a
Dilma Rousseff, três anos depois, percebeu como eram minúsculos e
insignificantes os grupos que pediam intervenção militar. Estavam sempre no fim
da fila, no fundo do pacote, merecedores
de pouca atenção e até de algum deboche. Com a subida de
Bolsonaro, foram recebendo agregados a ponto de ameaçarem invadir o STF em
algumas ocasiões, especialmente no 7 de Setembro. Mesmo assim, os verdadeiros
fascistas, os ideológicos, são grupos menores que não ganhariam uma eleição
majoritária. A multidão que os acompanha pode até ser de direita, mas não quer
uma ditadura. É formada por ignorantes políticos que estão prontos para mudar de
orientação, mesmo sem perceber, e seguir com um candidato de centro viável na
eleição presidencial. Já a direita inteligente abandonou Bolsonaro e seus
extremistas há muito tempo.
Moro e o Congresso
A maior dificuldade de Sergio Moro, se
conseguir se eleger presidente, será conviver com o Congresso. E não por causa
de deputados e senadores porventura ressabiados com a saga justiceira do ex-juiz da
Lava-Jato, estes se adaptam a qualquer um. De Lula a Bolsonaro, não importa, os
parlamentares brasileiros seguem seu curso. Se eleito, Moro terá de suportar a
pressão, que não será pequena, do PT e da esquerda, e se entender com a gula
cada vez maior da turma do Centrão. Pode até ser presidente, mas perderá a
identidade. Não será mais Moro, muito menos justiceiro.
Leite derramado
O governador do Rio Grande do Sul não
esperou sequer uma semana depois de derrotado na convenção do PSDB para iniciar
o processo de fritura de João Doria, o rival vitorioso. Na primeira entrevista,
concedida a Bianca Gomes e Sérgio Roxo, do GLOBO, Eduardo Leite disse que o seu
partido precisa “ajudar o país a encontrar uma alternativa à polarização” entre
Lula e Bolsonaro. Em outras palavras, sugeriu que Doria busque um candidato a
presidente. Será que Leite produziria o mesmo raciocínio se fosse ele o
vencedor da convenção? Em seguida, marcou almoço com Sergio Moro, embora tenha
dito que não pretende ter protagonismo na campanha. Parece que Eduardo é leite
derramado no PSDB.
Aras irritado
Quem viu disse que Augusto Aras ficou
furioso com a aprovação de André Mendonça para a vaga no STF. Parecia uma noiva abandonada no altar,
tamanha a surpresa que teve. Aras acreditou que Davi Alcolumbre tinha mesmo
tudo sob controle. Faltou ao procurador um pouco mais de visão sobre a planície
por onde transita muito bem Jair Bolsonaro, coisa que sobrava a antecessores da
estatura de Aristides Junqueira.
Escola intimada
A intimação da escola municipal Getulio
Vargas, em Resende, é um escândalo. Não pela denúncia absurda feita pela turma
de Damares Alves, de que a escola estaria ministrando “conceitos comunistas” e
“ideologia de gênero” aos seus alunos, mas por ter sido acatada pela polícia
que intimou o seu diretor para prestar esclarecimentos. Segundo reportagem de
Arthur Leal, a autoridade policial que ouviu o diretor da escola informou que
“queixas como esta se multiplicam no país”. São denúncias sem substância, disse
o diretor, que leu a queixa. Mesmo assim, a polícia intimou a escola. Lembra a
história do cabo na ditadura.
Caso Henry
A editora Máquina de Livros lança na semana
que vem o livro “Caso Henry - Morte anunciada”, da jornalista Paolla Serra.
Trata-se de uma grande reportagem que expõe de maneira ainda mais clara a frieza dos assassinos condenados
pela Justiça, o padrasto, Dr. Jairinho, e a mãe do menino, Monique Medeiros. O
livro traz a única entrevista de Monique, concedida a Paolla dentro do
Instituto Penal Ismael Pinheiro, onde ela está recolhida.
50 anos
No intervalo de 50 anos em que o Atlético Mineiro ficou sem ganhar um título nacional, o Brasil se livrou de uma ditadura, escreveu nova Constituição, teve um presidente morto antes de tomar posse e afastou outros dois do cargo.
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