sábado, 4 de dezembro de 2021

Pablo Ortellado - 2022 vai ser pior do que 2018

O Globo

A lamentável campanha com a hashtag #NoivinhaDoAristides que vimos disparar nesta semana no Twitter é prenúncio nada auspicioso do jogo sujo que veremos nas eleições de 2022.

Se, em 2018, a campanha de Bolsonaro se destacou por ataques sórdidos e pelo uso do WhatsApp para esconder a origem de mensagens virais maliciosas, em 2022, sob condições tecnológicas e regulatórias semelhantes, são favas contadas que as forças políticas dominantes, da direita à esquerda, farão uso dos piores expedientes para tentar eleger seus candidatos.

No último sábado, um pouco antes de participar da cerimônia de formatura dos cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras, Bolsonaro foi até as margens da Dutra para acenar a motoristas — num gesto que vem sendo repetido desde setembro.

Uma motorista passou e xingou o presidente da República. Ela foi perseguida por uma viatura da Polícia Rodoviária, detida e levada a uma delegacia, acusada do crime de injúria. Lá, assinou termo circunstanciado e foi liberada.

Na manhã do dia 28, o termo “noivinha do Aristides” disparou no Twitter. Tudo parece ter começado com um tuíte da conta FelipeDOPT naquela mesma manhã 28 dizendo: “Bolsonaro mandou a PF prender a mulher pq ela gritou ‘noivinha do Aristides’. O sargento Aristides era instrutor de judô na Aman, no tempo em q genocida foi cadete”. O tuíte teve mais de mil retuítes.

Ainda naquela manhã, o site Antagonista publicou nota dizendo que “A mulher também teria chamado o presidente de ‘noivinha do Aristides’ ” e completou que “Aristides foi instrutor de judô de Bolsonaro quando ele estava no Exército”.

No Boletim de Ocorrência, a expressão utilizada pela motorista foi “filho da puta”. Em entrevista, ela disse que nunca usou a expressão “noivinha do Aristides”.

Mas era tarde demais. Mais de 200 mil tuítes foram publicados com a expressão, e ela esteve entre as mais buscadas no Google.

O senador Rogério Carvalho, do PT, escreveu: “Não chamem Bolsonaro de ‘noivinha de Aristides’ porque dá prisão! Precisamos desvendar o crime embutido nesta colocação”. O deputado Kim Kataguiri, do Democratas, gravou vídeo associando a expressão “noivinha do Aristides” a projeto de lei relatado pelo então deputado Bolsonaro que excluía menção à pederastia em artigo do Código Penal Militar sobre atos libidinosos praticados em quartéis.

No dia 29, começaram a circular fotos forjadas de Bolsonaro com Aristides, todas descartadas como falsas por agências de verificação. O expediente de difundir fotos falsas para reafirmar rumores tinha sido largamente usado contra Marielle Franco.

Logo após seu assassinato, fotos falsas foram difundidas para documentar de modo fraudulento um envolvimento atribuído a ela com o traficante Marcinho VP.

A campanha suja e homofóbica contra Bolsonaro se arrastou por toda a semana, mobilizando atores da oposição, à esquerda e à direita. Tudo isso não aconteceu nas profundezas do WhatsApp, mas sob a luz do sol, no Twitter. O que devemos esperar então da campanha eleitoral de 2022, que explorará os aplicativos de mensagem?

De 2018 para cá, pouca coisa mudou. Ainda é impossível determinar a origem de mensagens virais no WhatsApp. Campanhas políticas maliciosas que difundem mensagens em grupos podem, por isso, operar no mais completo sigilo e na mais completa impunidade.

O Senado aprovou a rastreabilidade das mensagens virais na esfera pública, mas o GT na Câmara que avalia o projeto está a um passo de enterrar a medida, deixando tudo como está. O WhatsApp tornou um pouco mais difícil o encaminhamento simultâneo de mensagens, mas a medida se mostrou inócua. A Justiça Eleitoral concentrou esforços em proibir os disparos em massa, um expediente menos importante e menos eficaz do que a distribuição de mensagens em grupos de conversa.

Ao WhatsApp, importante em 2018, soma-se agora o Telegram, que aumentou sua base de usuários e permite criar canais com milhões de inscritos. A empresa, que tem sede em Dubai, não atende a pedidos da Justiça e não constitui escritório nos mercados onde opera.

Depois de 2018, todas as forças políticas aprenderam o poder que pode ser extraído do jogo sujo nos aplicativos de mensageria privada. A campanha #NoivinhaDoAristides sugere que esse jogo sujo estará bem distribuído entre direita, esquerda e centro. Tudo indica que 2022 será pior que 2018.

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(Agradeço a Carol Pinheiro e Gabriel Felix pelo levantamento no Twitter) 

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