O Globo
A lamentável campanha com a hashtag
#NoivinhaDoAristides que vimos disparar nesta semana no Twitter é prenúncio
nada auspicioso do jogo sujo que veremos nas eleições de 2022.
Se, em 2018, a campanha de Bolsonaro se
destacou por ataques sórdidos e pelo uso do WhatsApp para esconder a origem de
mensagens virais maliciosas, em 2022, sob condições tecnológicas e regulatórias
semelhantes, são favas contadas que as forças políticas dominantes, da direita
à esquerda, farão uso dos piores expedientes para tentar eleger seus
candidatos.
No último sábado, um pouco antes de participar da cerimônia de formatura dos cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras, Bolsonaro foi até as margens da Dutra para acenar a motoristas — num gesto que vem sendo repetido desde setembro.
Uma motorista passou e xingou o presidente
da República. Ela foi perseguida por uma viatura da Polícia Rodoviária, detida
e levada a uma delegacia, acusada do crime de injúria. Lá, assinou termo
circunstanciado e foi liberada.
Na manhã do dia 28, o termo “noivinha do
Aristides” disparou no Twitter. Tudo parece ter começado com um tuíte da
conta FelipeDOPT naquela mesma manhã 28 dizendo: “Bolsonaro
mandou a PF prender a mulher pq ela gritou ‘noivinha do Aristides’. O sargento
Aristides era instrutor de judô na Aman, no tempo em q genocida foi cadete”. O
tuíte teve mais de mil retuítes.
Ainda naquela manhã, o site Antagonista publicou nota dizendo que “A mulher
também teria chamado o presidente de ‘noivinha do Aristides’ ” e completou que
“Aristides foi instrutor de judô de Bolsonaro quando ele estava no Exército”.
No Boletim de Ocorrência, a expressão
utilizada pela motorista foi “filho da puta”. Em entrevista, ela disse que
nunca usou a expressão “noivinha do Aristides”.
Mas era tarde demais. Mais de 200 mil
tuítes foram publicados com a expressão, e ela esteve entre as mais buscadas no Google.
O senador Rogério Carvalho, do PT, escreveu: “Não chamem
Bolsonaro de ‘noivinha de Aristides’ porque dá prisão! Precisamos desvendar o
crime embutido nesta colocação”. O deputado Kim Kataguiri, do Democratas, gravou
vídeo associando a expressão “noivinha do Aristides” a projeto de lei
relatado pelo então deputado Bolsonaro que excluía menção à pederastia em
artigo do Código Penal Militar sobre atos libidinosos praticados em quartéis.
No dia 29, começaram a circular fotos forjadas
de Bolsonaro com Aristides, todas descartadas como falsas por agências de
verificação. O expediente de difundir fotos falsas para reafirmar rumores tinha
sido largamente usado contra Marielle Franco.
Logo após seu assassinato, fotos falsas
foram difundidas para documentar de modo fraudulento um envolvimento atribuído
a ela com o traficante Marcinho VP.
A campanha suja e homofóbica contra
Bolsonaro se arrastou por toda a semana, mobilizando atores da oposição, à
esquerda e à direita. Tudo isso não aconteceu nas profundezas do WhatsApp, mas
sob a luz do sol, no Twitter. O que devemos esperar então da campanha eleitoral
de 2022, que explorará os aplicativos de mensagem?
De 2018 para cá, pouca coisa mudou. Ainda é
impossível determinar a origem de mensagens virais no WhatsApp. Campanhas
políticas maliciosas que difundem mensagens em grupos podem, por isso, operar
no mais completo sigilo e na mais completa impunidade.
O Senado aprovou a rastreabilidade das
mensagens virais na esfera pública, mas o GT na Câmara que avalia o projeto
está a um passo de enterrar a medida, deixando tudo como está. O WhatsApp
tornou um pouco mais difícil o encaminhamento simultâneo de mensagens, mas a
medida se mostrou inócua. A Justiça Eleitoral concentrou esforços em proibir os
disparos em massa, um expediente menos importante e menos eficaz do que a
distribuição de mensagens em grupos de conversa.
Ao WhatsApp, importante em 2018, soma-se
agora o Telegram, que aumentou sua base de usuários e permite criar canais com
milhões de inscritos. A empresa, que tem sede em Dubai, não atende a pedidos da
Justiça e não constitui escritório nos mercados onde opera.
Depois de 2018, todas as forças políticas
aprenderam o poder que pode ser extraído do jogo sujo nos aplicativos de
mensageria privada. A campanha #NoivinhaDoAristides sugere que esse jogo sujo
estará bem distribuído entre direita, esquerda e centro. Tudo indica que 2022
será pior que 2018.
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(Agradeço a Carol Pinheiro e Gabriel Felix pelo levantamento no Twitter)
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